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Da Redação
Publicado em 11 de julho de 2015 às 19h28.
No fim do ano passado, o veterinário Leonardo Ceravolo Burcius, de 35 anos, decidiu que era hora de dar um tempo do Brasil. Desanimado com o quadro político e econômico do país, que ele descreve como turbulento, o gerente da MSD Saúde Animal, divisão de produtos veterinários do grupo farmacêutico Merck Sharp & Dohme, decidiu se candidatar internamente a uma posição como diretor de marketing regional das Américas, para trabalhar em Madison, nos Estados Unidos.
Aprovado em fevereiro, ele deve se mudar em junho para assumir o novo cargo e diz ter certeza de que o momento não poderia ser mais adequado à mudança. “O cenário atual está muito ruim, o que faz com que pontos críticos do Brasil, como a violência e os problemas na saúde e na educação, fiquem ainda mais evidentes”, diz o diretor da MSD.
A opção feita por Leonardo não é um caso isolado. Uma pesquisa da empresa de recrutamento Hays com 7 000 executivos mostrou que, enquanto 62% deles estavam dispostos a aceitar um cargo fora do país em 2013, esse índice chegou a 83% em 2014.
Para Luis Fernando Martins, direor da Hays, em São Paulo, os números refletem uma estratégia de autopreservação dos profissionais brasileiros ante a desaceleração da economia. “Há um ano e meio o mercado de trabalho começou a piorar e, no primeiro trimestre deste ano, as coisas ficaram ainda mais difíceis”, diz. “Nesse cenário, o executivo vê dez gerentes de um lado e cinco diretores do outro e percebe que, em algum momento, alguém será cortado”, afirma Luis Fernando.
As candidaturas a posições que a empresa precisa preencher fora do país seriam uma tentativa de se proteger de uma demissão. Embora não veja uma relação direta entre o momento político-econômico brasileiro e o aumento do interesse pelas transferências internacionais, a subsidiária da Ford no Brasil é uma das companhias em que o número de expatriações vem crescendo em ritmo acelerado desde o ano passado.
Em 2010, 39 funcionários haviam sido expatriados. Em 2014, foram 98. Neste ano, só até março, 80 empregados aceitaram proposta para tocar projetos da companhia no exterior. “O que podemos dizer é que há uma abertura maior dos brasileiros para encarar esse tipo de desafio”, diz Lisette Storey, gerente de RH da Ford na América do Sul.
Muitos profissionais, aliás, estão topando a mudança mesmo que ela não venha acompanhada de todas as comodidades associadas a um pacote de expatriação. “Um pacote de expatriação costuma prever pagamento de aluguel do funcionário no exterior, escola dos filhos e garantia de recolocação no retorno ao Brasil”, afirma Luis Fernando Martins, da Hays.
“Para não arcar com todos esses custos e não perder um profissional que poderia ficar estagnado, algumas empresas propõem uma solução intermediária, desligando o funcionário no Brasil e readmitindo-o na unidade do exterior, com um bônus de contratação para ajudar na mudança”, afirma.
O engenheiro da computação Caio Cavichioli, de 32 anos, de São Paulo, foi um dos que toparam a transferência internacional mesmo sem um pacote formal de expatriação da multinacional de tecnologia onde trabalha. “Foi por um conjunto de fatores, que vão desde o quadro econômico atual, com inflação e estagnação da economia, passando pelos inúmeros escândalos de corrupção, até chegar à crise hídrica, fruto da falta de planejamento”, diz Caio.
Depois de se candidatar a uma vaga de engenheiro de vendas da empresa em Houston, ele partiu com a família para os Estados Unidos em novembro do ano passado. Ao se desligar da companhia no Brasil e ser recontratado pela matriz, nos Estados Unidos, Caio perdeu o direito a benefícios pagos no Brasil que não são garantidos pela legislação americana, como FGTS, 13o e salário de férias. Sua mulher, que também trabalha na área de TI, precisou abrir mão do emprego que tinha no Brasil. Mesmo assim, o casal não se arrepende da decisão. “Não pensamos em retornar ao Brasil tão cedo”, afirma Caio.
Projeto solo
Mesmo entre profissionais que não contam com apoio da empresa para essas mudanças, vem crescendo o interesse pelas experiências no exterior.
Na Emdoc, consultoria especializada em imigração e transferência de brasileiros para o exterior, nos últimos seis meses, tornaram-se frequentes as consultas de pessoas que querem trabalhar fora do país. “São pessoas muito qualificadas, pós-graduadas, com uma média de dez anos de experiência, que temem ter dificuldade para se recolocar em caso de demissão”, diz João Marques, sócio-diretor da Emdoc. “Elas pedem informações sobre países com uma política de imigração mais favorável, como Canadá, Singapura, Austrália e até Nova Zelândia”, afirma.
Para o consultor, a desvalorização do real ante o dólar e a inflação alta, que deixaram a remuneração no país menos competitiva, servem de combustível para o interesse pelo trabalho no exterior. “Antes, os altos salários pagos no Brasil deixavam as transferências menos atraentes — hoje, não mais”, diz.
A designer paulistana Letícia Ueoka, de 36 anos, é uma dessas profissionais bem formadas que decidiram tentar uma oportunidade no exterior, mesmo sem um emprego garantido fora do país. A motivação veio da insatisfação com o cenário político, definido como caótico, e o aumento constante do custo de vida. “Dá a sensação de que a gente trabalha demais só para pagar as contas, sem expectativa nenhuma”, afirma Letícia.
Depois de tentar, sem sucesso, uma expatriação pela Avon, onde trabalhava como coordenadora de serviços criativos, ela pediu demissão em abril para encarar o desafio de conseguir por conta própria uma vaga em Vancouver, no Canadá, para onde deve se mudar em agosto.
De concreto, por enquanto, ela só tem a inscrição numa pós-graduação em marketing, que lhe dará a possibilidade de trabalhar meio período e, ao marido, o direito de trabalhar em período integral. “Podemos estar dando, profissionalmente, um passo atrás neste momento, mas é em busca de qualidade de vida e estabilidade que não teríamos aqui no Brasil”, diz.
Histórias como essas são tão frequentes que, depois de detectar a perda de interesse de muitos profissionais em posições no Brasil, com vistas a buscar experiências no exterior, a empresa de recrutamento executivo Flow Executive Finders, de São Paulo, criou nas redes sociais o Movimento Fica, para divulgar informações de mercados que estão gerando oportunidades e investindo em território nacional.
“O objetivo é estimular os profissionais a colocar sua energia e seu capital intelectual nas empresas instaladas no país”, afirma Luiz Gustavo Mariano, um dos sócios da Flow. “Essa geração de líderes bem formados e influentes precisa permanecer no Brasil para promover as mudanças necessárias para fomentar e fortalecer a economia nacional”, afirma.