Carreira

Pesquisa aponta que médicos estão frustrados com a profissão

Para 82% dos profissionais, sua missão é prover cuidados, mas o sistema comercial os priva da capacidade de cuidar e gera perda de poder

Sentimento de insatisfação é grande na classe médica (krisanapong detraphiphat/Getty Images)

Sentimento de insatisfação é grande na classe médica (krisanapong detraphiphat/Getty Images)

LN

Letícia Naísa

Publicado em 9 de outubro de 2018 às 20h21.

São Paulo —  Uma pesquisa da agência McCann Health apontou que os médicos no mundo todo estão frustrados com a profissão. Foram entrevistados 2 mil médicos de 16 países onde a McCann atua: Estados Unidos, Reino Unido, França, Itália, Espanha, Alemanha, Dinamarca, Suécia, Emirados Árabes, Arábia Saudita, Índia, Filipinas, China, Japão, Coréia do Sul e Brasil.

Os dados mostram que 82% dos entrevistados entendem que a missão da profissão é prover cuidados. Os mesmos médicos acreditam, no entanto, que o sistema comercial em torno da profissão os privou da capacidade de cuidar, o que, consequentemente, gerou uma perda de poder.

“O médico enxerga que antes ele tinha tempo para se conectar com o paciente”, explica João Consorte, presidente da McCann Health. “No Brasil, o médico está perdendo poder econômico e isso faz com que ele tenha que atender um número maior de pacientes e, por isso, ele atende de um jeito que não gostaria.”

Jecé Brandão, presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), concorda. Para ele, hoje, os médicos estão submetidos à força do mercado. “No plano estatal, exigem que os médicos atendam um número cada vez maior de pessoas para mostrar números de quantidade de atendimentos. No plano privado, os planos de saúde congelam os preços de consultas e isso faz com que o médico tenha que atender mais pessoas para se manter”, afirma.

Para Brandão, o problema no Brasil já começa nas universidades. “Os estudantes entram na faculdade com o sentimento de humanidade e, ao longo do curso, se decepcionam porque a maioria das escolas brasileiras não tem padrão mínimo para garantir um curso eficiente”, diz.

Para Bia Nóbrega, psicóloga e coach de carreiras, a expectativa criada pelos estudantes antes e durante a formação não é concretizada após a graduação. “A realidade que eles encontram é de uma profissão que está se desvalorizando”, afirma.

O sentimento de frustração com a profissão tem efeitos negativos na qualidade de vida dos médicos, segundo a pesquisa da McCann. Ao todo, 66% dos entrevistados relataram problemas de sono. No Brasil, são 72%. A pesquisa também aponta que 58% dos profissionais têm problemas conjugais.

“Desde a formação, os médicos têm privação de sono e desequilíbrio emocional e isso se acentua com a prática”, diz Bia Nóbrega. A consequência desse quadro são diversos problemas de saúde mental, como depressão, ansiedade e até síndrome do pânico.

Os problemas de saúde mental que afetam os médicos acabam piorando o atendimento, o que gera ainda mais frustração. “Sem dúvida a saúde mental deles é prejudicada e isso intensifica a percepção de insatisfação”, afirma Bia Nóbrega. “Para cuidar dos outros, é preciso que eles se cuidem. Eles são humanos e o estresse e os problemas afetam a tomada de decisão.”

A especialista aconselha os profissionais a fazer uma análise dos próprios valores e pensar sobre o que é importante para eles na profissão.

Brasil

Para Brandão, a solução sistêmica do problema não está nas mãos dos profissionais. “É uma situação muito grave porque o médico isoladamente não tem força para negociar com as grandes empresas”, afirma.

Para o presidente do CFM, também é preciso que o governo brasileiro assuma responsabilidades. “Depende do poder político mudar essa situação. Se o governo brasileiro quer o Sistema Único de Saúde, é preciso dar financiamento adequado para o funcionamento. Um sistema como o nosso requer de duas a três vezes mais do que é investido por ano”, diz. Para ele, também é preciso profissionalizar a gestão do sistema de saúde no país.

Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgados este ano, o governo brasileiro destina 7,7% de seu orçamento geral para a saúde e o gasto per capita do brasileiro é de 780 dólares por ano, somando os sistemas público e privado. A média mundial é de 822 dólares.

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