O novo CFO
Os diretores financeiros (CFO) já causaram perdas bilionários às empresas. Agora, para justificar salários de até R$ 100.000 mensais, eles têm adotado um perfil de controlador das contas com uma visão estratégica dos negócios
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.
"Como num jogo de vôlei, o CFO tem que levantar a bola para o CEO marcar o ponto". A afirmação do diretor financeiro da Gol, Leonardo Pereira, explica a importância desse profissional para o crescimento da empresa. Depois de serem culpados por perdas bilionárias, os diretores financeiros, também conhecidos como CFOs -- sigla em inglês para chief financial officers -- mudaram de perfil, principalmente, com a crise financeira. Dois casos ocorridos no ano passado contribuíram para a fama de vilão nos diretores financeiros. A Sadia e a Aracruz perderam bilhões de dólares com derivativos tóxicos em operações montadas pelas diretorias financeiras - e não se sabe exatamente qual é o grau de conhecimento que os conselhos das empresas tinham dessas operações.
Erros como esses fizeram com que o diretor financeiro deixasse de concentrar tanto as informações e tivesse um menor poder de decidir sozinho os rumos da empresa. "O perfil antigo desse profissional era como um vigia, aquele que controlava tudo e dizia o que podia e o que não podia. O CFO moderno é, mais do que tudo, um educador. Ele faz com que todos sejam responsáveis pelas decisões, instrumentaliza a organização e descentraliza as informações", diz Cláudio Garcia, presidente da consultoria DBM. "Isso faz com que toda a equipe saiba da importância da saúde financeira da empresa."
Crescer na crise e com caixa azul
Em pesquisa global, obtida com exclusividade pelo Portal EXAME, a consultoria KPMG ouviu 516 executivos financeiros para traçar o novo perfil do diretor financeiro. No mercado globalizado, cada vez mais competitivo, ganha espaço o CFO que alia o bom controle das contas com uma visão estratégica e de negócios. Não basta dizer que as cifras são insuficientes para determinado investimento. Agora, mais influente nas decisões-chave, o CFO precisa oferecer alternativas para o crescimento da empresa. "Além de ter capacidade de avaliar impactos e de mapear riscos e oportunidades para a empresa, o profissional precisa ter boa comunicação e influência", afirma Patrícia Molino, sócia de assessoria em gestão de RH da KMPG. "Existem tantos riscos de governança que o CEO precisa desse apoio." Se num primeiro momento da crise o CFO tinha de segurar os gastos num ambiente de economia instável, agora com os sinais de melhora mas ainda cercado por receio, ele precisa garantir o crescimento contínuo da empresa, sem descuidar do caixa.
Segundo o estudo, o CFO deve simplificar a complexidade dos negócios e realizar mudanças estruturais para alinhar melhor as negociações. Deve, também, assegurar que as mudanças nos negócios sejam sustentáveis, não apenas reduzindo custos no curto prazo. Adaptar a função financeira é agora mais urgente do que nunca para ajudar as empresas a atravessar essa fase de instabilidade econômica. (Continua)
Um levantamento da consultoria DBM mostra que empresas brasileiras vêm procurando mais por profissionais de nível executivo para atuação nestas áreas. No primeiro semestre, foram contabilizadas 13% mais vagas para executivos destes segmentos ante o mesmo período de 2008. O movimento sugere que as empresas ainda estão ampliando seus meios para controlar gastos, por conta da crise e da necessidade de operar com mais produtividade.
Exemplo do novo perfil que alia controle financeiro e visão expansionista de negócios é o executivo Helio Kinoshita, da MetLife, no Brasil. Em 2005, quando a seguradora americana adquiriu o braço de seguros do Citigroup -- onde Hélio atuava como CFO havia três anos -- ele manteve o cargo e teve papel importante nos consecutivos resultados positivos da empresa. De 1999, quando a empresa iniciou as atividades no país, até 2005, a MetLife apresentava resultados muito aquém dos investimentos que fazia. "Primeiramente priorizamos canais de distribuição com um time grande de vendedores que iam a corretores, mas não deu certo", conta Helio.
Para reverter a situação, ele se debruçou sobre os dados da empresa, do mercado e estudou o que os concorrentes faziam para ganhar espaço no competitivo segmento de seguros. "Reestruturei a base de informações e verificar a linha de produtos e distribuição. Apresentei, então, para um grupo de diretores. Tenho um papel importante de influenciar com números." A partir de 2007, com um canal de distribuição reestruturado e privilegiando corretores com segmento corporativo e o canal do Citi, a empresa passou a registrar saldos positivos.
Aos 49 anos, há nove como diretor financeiro, Helio desenvolveu a visão de negócios ainda no começo da carreira quando trabalhou durante três anos na área comercial da seguradora Mistue Sumitomo. "Foi interessante porque pude conhecer o outro lado da história. Entendi como funcionava o negócio. Percebi como funcionavam as vendas", diz ele. Helio também liderou outra operação importante para o avanço da MetLife no Brasil. Em dezembro de 2008, a seguradora comprou a empresa de planos odontológicos Odonto A Saúde Empresarial, com 130 000 segurados.
"Sempre tive muita participação e desenvolvimento para avaliar oportunidades de negócios. Ficar trancado vendo só contas gera um desgaste é muito grande", diz Helio. Para desenvolver essas habilidades, a MetLife investiu em um curso de especialização na Harvard Businness School no final de 2007 do qual Helio participou. Isso comprova o fato de que 82% dos entrevistados pela KPMG preferem treinar profissionais de suas empresas para funções financeiras. (Continua)
Qualificação recompensada
Pela experiência exigida do novo profissional, é mais difícil que ele seja jovem. "A crise voltou a valorizar o executivo mais sênior", diz Marcelo de Lucca, da consultoria Michael Page. Em geral, o CFO tem entre 40 e 55 anos e já passou por funções operacionais e financeiras de uma empresa. Um perfil tão restrito é recompensado com o salário, cerca de 30% maior do que outros profissionais de mesmo nível, podendo chegar a até 100 000 reais mensais dependendo do tamanho da empresa.
O desafio de crescer em meio a crise é enfrentado também pelo CFO da Gol, Leonardo Pereira. Desde fevereiro de 2009 no cargo, o carioca trabalha para manter um crescimento sustentável da companhia, uma das que mais cresce no país. Antes de assumir a posição a convite do presidente Constantino Júnior, Pereira teve passagens pelo Citibank e pela Net Serviços, em funções variadas e importantes para o novo cargo.
Os 13 anos de experiência no Citibank -- desde trainee até diretor executivo, responsável por negócios de aviação na América latina --, foram importantes para que ele desenvolvesse a visão de negócios. Na Net, participou da reestruturação da empresa que durou três anos. "Foi um desafio. A empresa estava crescendo muito e precisa acertar os ponteiros. Mas minha experiência financeira e com negócios ajudou", diz ele. "O desafio foi criar uma credibilidade para o mercado financeiro. As pessoas têm que sentir mais confiança em você, ser um bom negociador. Para isso é preciso ter em mãos dados concretos."
Como aconteceu com Helio Kinoshita, da MetLife, Pereira também fez cursos de especialização a pedido da empresa onde trabalhava. A Net bancou um curso de especialização, em 2005, na Universidade Columbia. Hoje aos 51 anos, atuando há nove como diretor financeiro, Pereira acumula também a função de presidente de relações com investidores. Tal acúmulo de função é reflexo da mudança do mercado. Com o aumento do número de IPOs, fusões e aquisições, tornou-se mais importante o profissional que sabe lidar com investidores. Nas decisões da empresa, o diretor financeiro é o braço direito do CEO. "Converso com Constantino diariamente sobre as decisões da empresa", diz Pereira. A hierarquia continua, mas para crescer, tornou-se imprescindível ouvir o que o CFO tem a dizer.