Mulheres já esnobam profissões tidas como femininas
Profissões historicamente femininas ficam menos atrativas para elas, refletindo uma mudança no planejamento de carreira das mulheres e um desafio para quem precisa atraí-las
Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2013 às 18h48.
São Paulo - Um movimento lento, mas não silencioso, vem se desenhando nas entrelinhas do avanço das mulheres no mercado de trabalho : a queda percentual da presença delas em profissões dominadas por mulheres.
Só as carreiras em enfermagem e pedagogia, por exemplo, tiveram diminuição na participação feminina de 5% e 9,5%, respectivamente, entre 2000 e 2010, segundo estudo realizado no Centro de Políticas Públicas do Insper, em São Paulo.
O empreendedorismo e a maioria das outras carreiras vêm absorvendo esses talentos. Três motivos principais explicam por que a grama do vizinho tem parecido mais verde e indicam que é preciso ajustar as práticas de RH a essa nova realidade.
Um deles é a oportunidade. Com o mercado aquecido precisando de profissionais qualificados em diversos setores, elas largam na frente, já que são maioria nas faculdades. De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ), 9,9% dos homens e 12,5% das mulheres com 25 anos ou mais têm pelo menos o nível superior de graduação completo.
Outro fator é a mudança de configuração das famílias. De 1996 para 2011, houve aumento de quase 80% do número de lares chefiados por mulheres, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio , feita pelo governo.
“Geralmente, as carreiras femininas pagam menos do que as outras porque estão muito ligadas a funções consideradas menos nobres, como cuidar e ensinar, práticas culturalmente relacionadas à imagem do que uma mulher pode fazer”, diz Regina Madalozzo, professora de mercado de trabalho do Insper.
Embora estejamos longe de atingir a igualdade entre os gêneros, o fato de existir hoje mais meninas inclinadas a cursar engenharia e pais encorajando suas filhas a buscar no trabalho satisfação revela uma mudança cultural com forte impacto na condução das políticas de atração e retenção para elas.
E esse é outro pilar do tripé que sustenta a distribuição feminina pelas carreiras e o terceiro fator que explica a fuga de mulheres de suas carreiras tradicionais.
“Com o aumento do número de mulheres chegando ao mercado, é preciso ajustar a visão do RH para o fato de que elas querem o que os homens querem: as mesmas chances de se realizar em todos os sentidos”, afirma Isabel Armani, diretora de performance, talento e remuneração da consultoria Aon Hewitt.
Quando o trabalho dos sonhos está em uma das carreiras consideradas femininas, elas chegam ao mercado não menos dispostas a ser bem-sucedidas. É o caso da enfermeira Tatiane Ramos Canero, de 30 anos, consultora de processos e operações do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Neta de uma auxiliar de enfermagem, ela percebe um hiato entre a sua realidade e a vivida pela avó. “Naquela época, uma enfermeira começava a trabalhar em uma função e ficava nela até o fim. Hoje, temos possibilidades de carreira”, diz. Se Tatiane não tivesse, talvez engrossasse a estatística das mulheres que andam abandonando as profissões que, antes, eram delas. E quase só delas.
Responsabilidade compartilhada
O desafio de criar condições para o avanço feminino
Tatiane entrou no Einstein como estagiária, enquanto cursava a faculdade da própria instituição. “A taxa de efetivação do nosso programa de estágio chega a 80%”, afirma Miriam do Carmo Branco da Cunha, diretora executiva de RH do hospital, que mantém uma área forte de educação corporativa para minimizar problemas em recrutar talentos. “Além da faculdade, damos um curso técnico de enfermagem que, a partir deste ano, é aberto a funcionários da base”, diz.
A primeira turma, de 40 alunos, permitiu que mensageiros e camareiros com pelo menos um ano na empresa e boa avaliação de desempenho, realizada anualmente, se candidatassem. Todos recebem bolsa de 80%, o que resulta em uma mensalidade baixa, de 70 reais.
“Também começamos um programa de aproximação com as escolas de Ensino Médio. Convidamos 500 alunos para nos visitarem e participar de simulações com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas para que vissem como é atuar na área de saúde.” Uma vez dentro da instituição, há a possibilidade de seguir carreira em Y.
Em dez anos, Tatiane passou de estagiária a enfermeira júnior, pleno e sênior até chegar ao cargo de coordenação que ocupa hoje. Mas a trajetória dela não é uma realidade em muitas corporações.
Não é raro que, em determinado ponto da carreira, as mulheres se vejam diante de um dilema: ir em frente ou diminuir o ritmo para equilibrar o convívio com o marido e os filhos? “A carga doméstica feminina ainda é muito grande”, afirma Luana Simões Pinheiro, técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea ), em Brasília.
“As companhias mais vitoriosas na gestão de talentos femininos entendem que a reprodução e a manutenção das famílias não são exclusividades femininas, mas, sim, uma responsabilidade social.”
Só em São Paulo, estima-se que o déficit de vagas em creches seja de 94 000. Cabe às empresas remediar a situação. No Einstein, por exemplo, há creche própria com médicos, técnicos de nutrição e educadores que estimulam o aprendizado das crianças até 2 anos e 11 meses. “Foi um dos facilitadores no meu retorno depois da licença-maternidade.
Além de não quebrar o vínculo com minha filha, que tem 1 ano, consigo trabalhar tranquila, porque sei que ela está sendo bem cuidada”, diz Tatiane, que se prepara agora para começar o curso de MBA em saúde. Portanto, se uma empresa se propõe a oferecer oportunidades iguais de carreira para ambos os gêneros, deve criar condições — de auxílio-babá a horários flexíveis — para que isso de fato aconteça.
O cultivo do relacionamento
Ambiente de aprendizado constante ajuda na retenção
Se hoje as possibilidades profissionais são maiores para as mulheres, optar por uma carreira que, em geral, paga menores salários e sofre com a falta de prestígio é uma escolha consciente. “Parte considerável dos jovens que optam pelo ensino nas escolas faz isso por vocação”, diz Regina Madalozzo, do Insper.
Aproveitar esse engajamento dos funcionários e ajudá-los a desenvolver competências além das técnicas são oportunidades que se abrem para os RHs. “Deve haver um estímulo para que os funcionários sejam multidisciplinares e saibam gerir conflitos, administrar recursos, propor soluções”, afirma Isabel Armani, da Aon Hewitt.
O investimento pesado em treinamento é uma das políticas do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, para atração e retenção de talentos. Em 2012, foram destinados 1,5 milhão de reais para essa área.
“É importante dar à equipe uma formação mais ampla para lidar com esta nova realidade: a escola assume cada vez mais papéis antes destinados aos pais, a tecnologia impacta diretamente nas relações e as famílias se configuram de várias formas, incluindo pais separados e casais do mesmo sexo”, afirma Roberto Nasser, coordenador de história, filosofia e orientação profissional do colégio.
A professora Daniela Molina, de 39 anos, começou no Bandeirantes em 2010 e decidiu fazer mestrado em práticas de ensino de história para se atualizar. “Imagine o que é ensinar história em uma era de mudanças tão rápidas e pouco previsíveis”, diz.
Como entrou em uma universidade pública, não precisou pedir bolsa de estudo. “Mas muitos colegas têm subsídios para fazer cursos — e esse ambiente de aprendizado nos incentiva a permanecer e a melhorar.
Há abertura com as chefias não só para conversar sobre desenvolvimento como também para propor mudanças”, afirma Daniela, que considera a transparência nas relações um forte atrativo para as mulheres. Anualmente, a escola pede aos alunos que avaliem os professores. O processo é sigiloso e termina com reuniões de feedback entre coordenadores e equipes para que tracem planos de aprimoramento de suas competências.
Promessas devem ser cumpridas
E mpreendedorismo feminino: um recado para empregadores
É natural que, mais escolarizadas, as mulheres busquem maior renda e possibilidades concretas de ascensão. Se não encontram terreno fértil dentro das empresas, procurar fora não tem sido um problema.
Em 2001, a população feminina representava 29,1% dos empreendedores no Brasil, de acordo com o estudo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Em 2009, chegou à marca de 53%. Neste ano, um debate realizado no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, levantou questões importantes a esse respeito.
Mesmo com pesquisas mostrando que a diversidade de gêneros no poder faz bem para a saúde das empresas, quanto maior a hierarquia dentro de uma companhia, menor a participação delas.
E isso, segundo observou Sheryl Sandberg , executiva-chefe de operações do Facebook e primeira mulher no conselho da organização, está relacionado a estereótipos, como o de que uma funcionária que sobe é “agressiva”, já um homem na mesma condição é “ambicioso”. “
Ainda que as mulheres cheguem ao mercado de trabalho mais qualificadas do que os homens, as oportunidades de evolução vertical ainda são pequenas”, afirma Luana Simões Pinheiro, do Ipea. Na visão dela, quando o RH cuida para que preconceitos não minem as chances femininas, atua para garantir o crescimento e a sustentabilidade dos negócios.
São Paulo - Um movimento lento, mas não silencioso, vem se desenhando nas entrelinhas do avanço das mulheres no mercado de trabalho : a queda percentual da presença delas em profissões dominadas por mulheres.
Só as carreiras em enfermagem e pedagogia, por exemplo, tiveram diminuição na participação feminina de 5% e 9,5%, respectivamente, entre 2000 e 2010, segundo estudo realizado no Centro de Políticas Públicas do Insper, em São Paulo.
O empreendedorismo e a maioria das outras carreiras vêm absorvendo esses talentos. Três motivos principais explicam por que a grama do vizinho tem parecido mais verde e indicam que é preciso ajustar as práticas de RH a essa nova realidade.
Um deles é a oportunidade. Com o mercado aquecido precisando de profissionais qualificados em diversos setores, elas largam na frente, já que são maioria nas faculdades. De acordo com os últimos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística ( IBGE ), 9,9% dos homens e 12,5% das mulheres com 25 anos ou mais têm pelo menos o nível superior de graduação completo.
Outro fator é a mudança de configuração das famílias. De 1996 para 2011, houve aumento de quase 80% do número de lares chefiados por mulheres, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio , feita pelo governo.
“Geralmente, as carreiras femininas pagam menos do que as outras porque estão muito ligadas a funções consideradas menos nobres, como cuidar e ensinar, práticas culturalmente relacionadas à imagem do que uma mulher pode fazer”, diz Regina Madalozzo, professora de mercado de trabalho do Insper.
Embora estejamos longe de atingir a igualdade entre os gêneros, o fato de existir hoje mais meninas inclinadas a cursar engenharia e pais encorajando suas filhas a buscar no trabalho satisfação revela uma mudança cultural com forte impacto na condução das políticas de atração e retenção para elas.
E esse é outro pilar do tripé que sustenta a distribuição feminina pelas carreiras e o terceiro fator que explica a fuga de mulheres de suas carreiras tradicionais.
“Com o aumento do número de mulheres chegando ao mercado, é preciso ajustar a visão do RH para o fato de que elas querem o que os homens querem: as mesmas chances de se realizar em todos os sentidos”, afirma Isabel Armani, diretora de performance, talento e remuneração da consultoria Aon Hewitt.
Quando o trabalho dos sonhos está em uma das carreiras consideradas femininas, elas chegam ao mercado não menos dispostas a ser bem-sucedidas. É o caso da enfermeira Tatiane Ramos Canero, de 30 anos, consultora de processos e operações do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.
Neta de uma auxiliar de enfermagem, ela percebe um hiato entre a sua realidade e a vivida pela avó. “Naquela época, uma enfermeira começava a trabalhar em uma função e ficava nela até o fim. Hoje, temos possibilidades de carreira”, diz. Se Tatiane não tivesse, talvez engrossasse a estatística das mulheres que andam abandonando as profissões que, antes, eram delas. E quase só delas.
Responsabilidade compartilhada
O desafio de criar condições para o avanço feminino
Tatiane entrou no Einstein como estagiária, enquanto cursava a faculdade da própria instituição. “A taxa de efetivação do nosso programa de estágio chega a 80%”, afirma Miriam do Carmo Branco da Cunha, diretora executiva de RH do hospital, que mantém uma área forte de educação corporativa para minimizar problemas em recrutar talentos. “Além da faculdade, damos um curso técnico de enfermagem que, a partir deste ano, é aberto a funcionários da base”, diz.
A primeira turma, de 40 alunos, permitiu que mensageiros e camareiros com pelo menos um ano na empresa e boa avaliação de desempenho, realizada anualmente, se candidatassem. Todos recebem bolsa de 80%, o que resulta em uma mensalidade baixa, de 70 reais.
“Também começamos um programa de aproximação com as escolas de Ensino Médio. Convidamos 500 alunos para nos visitarem e participar de simulações com médicos, enfermeiros e fisioterapeutas para que vissem como é atuar na área de saúde.” Uma vez dentro da instituição, há a possibilidade de seguir carreira em Y.
Em dez anos, Tatiane passou de estagiária a enfermeira júnior, pleno e sênior até chegar ao cargo de coordenação que ocupa hoje. Mas a trajetória dela não é uma realidade em muitas corporações.
Não é raro que, em determinado ponto da carreira, as mulheres se vejam diante de um dilema: ir em frente ou diminuir o ritmo para equilibrar o convívio com o marido e os filhos? “A carga doméstica feminina ainda é muito grande”, afirma Luana Simões Pinheiro, técnica de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada ( Ipea ), em Brasília.
“As companhias mais vitoriosas na gestão de talentos femininos entendem que a reprodução e a manutenção das famílias não são exclusividades femininas, mas, sim, uma responsabilidade social.”
Só em São Paulo, estima-se que o déficit de vagas em creches seja de 94 000. Cabe às empresas remediar a situação. No Einstein, por exemplo, há creche própria com médicos, técnicos de nutrição e educadores que estimulam o aprendizado das crianças até 2 anos e 11 meses. “Foi um dos facilitadores no meu retorno depois da licença-maternidade.
Além de não quebrar o vínculo com minha filha, que tem 1 ano, consigo trabalhar tranquila, porque sei que ela está sendo bem cuidada”, diz Tatiane, que se prepara agora para começar o curso de MBA em saúde. Portanto, se uma empresa se propõe a oferecer oportunidades iguais de carreira para ambos os gêneros, deve criar condições — de auxílio-babá a horários flexíveis — para que isso de fato aconteça.
O cultivo do relacionamento
Ambiente de aprendizado constante ajuda na retenção
Se hoje as possibilidades profissionais são maiores para as mulheres, optar por uma carreira que, em geral, paga menores salários e sofre com a falta de prestígio é uma escolha consciente. “Parte considerável dos jovens que optam pelo ensino nas escolas faz isso por vocação”, diz Regina Madalozzo, do Insper.
Aproveitar esse engajamento dos funcionários e ajudá-los a desenvolver competências além das técnicas são oportunidades que se abrem para os RHs. “Deve haver um estímulo para que os funcionários sejam multidisciplinares e saibam gerir conflitos, administrar recursos, propor soluções”, afirma Isabel Armani, da Aon Hewitt.
O investimento pesado em treinamento é uma das políticas do Colégio Bandeirantes, em São Paulo, para atração e retenção de talentos. Em 2012, foram destinados 1,5 milhão de reais para essa área.
“É importante dar à equipe uma formação mais ampla para lidar com esta nova realidade: a escola assume cada vez mais papéis antes destinados aos pais, a tecnologia impacta diretamente nas relações e as famílias se configuram de várias formas, incluindo pais separados e casais do mesmo sexo”, afirma Roberto Nasser, coordenador de história, filosofia e orientação profissional do colégio.
A professora Daniela Molina, de 39 anos, começou no Bandeirantes em 2010 e decidiu fazer mestrado em práticas de ensino de história para se atualizar. “Imagine o que é ensinar história em uma era de mudanças tão rápidas e pouco previsíveis”, diz.
Como entrou em uma universidade pública, não precisou pedir bolsa de estudo. “Mas muitos colegas têm subsídios para fazer cursos — e esse ambiente de aprendizado nos incentiva a permanecer e a melhorar.
Há abertura com as chefias não só para conversar sobre desenvolvimento como também para propor mudanças”, afirma Daniela, que considera a transparência nas relações um forte atrativo para as mulheres. Anualmente, a escola pede aos alunos que avaliem os professores. O processo é sigiloso e termina com reuniões de feedback entre coordenadores e equipes para que tracem planos de aprimoramento de suas competências.
Promessas devem ser cumpridas
E mpreendedorismo feminino: um recado para empregadores
É natural que, mais escolarizadas, as mulheres busquem maior renda e possibilidades concretas de ascensão. Se não encontram terreno fértil dentro das empresas, procurar fora não tem sido um problema.
Em 2001, a população feminina representava 29,1% dos empreendedores no Brasil, de acordo com o estudo Global Entrepreneurship Monitor (GEM), do Instituto Brasileiro de Qualidade e Produtividade. Em 2009, chegou à marca de 53%. Neste ano, um debate realizado no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, levantou questões importantes a esse respeito.
Mesmo com pesquisas mostrando que a diversidade de gêneros no poder faz bem para a saúde das empresas, quanto maior a hierarquia dentro de uma companhia, menor a participação delas.
E isso, segundo observou Sheryl Sandberg , executiva-chefe de operações do Facebook e primeira mulher no conselho da organização, está relacionado a estereótipos, como o de que uma funcionária que sobe é “agressiva”, já um homem na mesma condição é “ambicioso”. “
Ainda que as mulheres cheguem ao mercado de trabalho mais qualificadas do que os homens, as oportunidades de evolução vertical ainda são pequenas”, afirma Luana Simões Pinheiro, do Ipea. Na visão dela, quando o RH cuida para que preconceitos não minem as chances femininas, atua para garantir o crescimento e a sustentabilidade dos negócios.