Happytalismo: conceito criado no Butão diz que, sim! - é possível ser feliz no trabalho
Luis Gallardo, presidente da World Happiness Foundation, explica como esse novo paradigma promete revolucionar o mercado de trabalho no Brasil e no mundo
Repórter
Publicado em 4 de novembro de 2024 às 14h19.
Última atualização em 4 de novembro de 2024 às 16h21.
Algumas pessoas escolhem uma carreira por causa do retorno financeiro, outras porque amam certa atividade, mas no final de tudo o que todas essas pessoas buscam é ser feliz - mas como isso é possível em um mundo cada vez mais competitivo?
Essa é uma daquelas perguntas que os mais sábios filósofos tentaram responder quando a máquina não substituía ainda a mão de obra, muito mesmo a tecnologia. Aristóteles já dizia que a verdadeira felicidade vinha da realização do potencial humano, o que implicava viver uma vida de virtude e propósito. E é nessa linha que surgiu o Happytalismo,conceito inovador que propõe uma nova maneira de pensar sobre o propósito e o papel do ser humano no mundo, especialmente em contraposição ao capitalismo tradicional.
“Em vez de focar apenas na acumulação de capital, fama, poder e dinheiro, o Happytalismo coloca a felicidade, o bem-estar e a harmonia no centro das decisões e ações humanas, inclusive no mercado de trabalho”, afirma Luis Gallardo, presidente da World Happiness Foundation, organização global criada em 2019 dedicada à promoção da felicidade e bem-estar em comunidades ao redor do mundo.
O executivo comentou sobre o conceito Happytalismo durante o evento “Felicidade Exponencial”, realizado na última sexta-feira, 1, em Curitiba, pela World Happiness Foundation, ColabSoul e empresas parceiras, como a FairJob. A EXAME teve acesso exclusivo ao evento, que recebeu mais de 15 palestrantes internacionais e nacionais, para falar especialmente sobre como ser feliz pode impactar todas as áreas da vida, inclusive a profissional.
“Precisamos nos perguntar como podemos nos reconectar conosco, com nossas comunidades e com o planeta”, afirma o espanhol Gallardo, que atuou como observador internacional para a Organização das Nações Unidas (ONU).
Em entrevista exclusiva à EXAME, o executivo explica como surgiu o conceito do Happytalismo e qual impacto ele pode promover no mercado de trabalho global.
O que estimulou a falar sobre felicidade no mundo – inclusive no mercado de trabalho?
Em meados de 1990, eu atuava como observador internacional da ONU representando a Espanha, e fui até a Iugoslávia para acompanhar os impactos de um conflito. Essas comunidades decidiram usar ódio e medo para agitar a consciência das pessoas, tanto que sete milhões de pessoas foram executadas naquele ano. Vi pessoas que tinham perdido tudo, família, bens materiais, mas que ainda tinham a esperança de viver em paz e de ser feliz um dia.
Essa experiência me motivou nos últimos 15 anos a me dedicar à pesquisa e ao desenvolvimento de iniciativas focadas em bem-estar e felicidade. Descobri que todos somos unidos pela paz e felicidade. Com isso ajudei na criação do Dia Internacional da Felicidade, celebrada todo o dia 20 de março por mais de 190 países, me tornei diretor do programa Gross Global Happiness na Universidade para a Paz das Nações Unidas, e neste ano acabo de publicar o livro “ Happytalismo: Um novo sistema para promover a felicidade global ”, para explicar mais sobre um novo paradigma que busca ter a felicidade como o centro das realizações humanas.
Por que você escreveu o livro “Happytalismo” e por que é importante trazê-lo para o Brasil?
Acredito que, neste momento, precisamos ampliar a perspectiva para novas possibilidades de convivência no mundo. Vemos muita tensão, vemos que as pessoas ficam muito irritadas e, quando estão irritadas, tendem a tomar decisões muito baseadas no medo. Então, precisamos perceber que isso está acontecendo e que cada vez há mais tensão, mais polarização e menos paciência.
Como oHappytalismoresponde ao capitalismo?
Um dos elementos para que isso aconteça é o sistema de convivência que temos atualmente. Temos um sistema que decidimos que é baseado na acumulação de capital. Quanto mais capital temos, mais fama, poder e dinheiro conseguimos. Isso está criando muita ansiedade, muita insegurança e muito medo em muitas pessoas. E, quando as pessoas têm medo, entramos em modo de sobrevivência e isso não é bom para ninguém, porque, no final, você se defende, se fecha e perdemos a oportunidade de expansão, que é a verdadeira natureza do ser humano.
O Happytalismo propõe um novo paradigma para entender qual é o papel do ser humano no mundo. O papel do ser humano não é ter mais dinheiro, é ser mais feliz. O papel do ser humano é florescer, é fluir, é entrar em um estado de coerência e harmonia. Então, se o ser humano precisa ser harmônico, coerente, fluir e ser feliz, o sistema atual não nos ajuda.
Como alcançar essa felicidade, ainda mais no mercado de trabalho?
Por um lado, precisamos aprender a lidar com a ansiedade que esse sistema cria em nós, e, por outro lado, precisamos redefinir as regras do jogo. Se as regras do jogo são ser mais feliz, que sistema precisamos e que atividades precisamos para alcançar essa felicidade? O Happytalismo nos dá um mapa para criar comunidades de felicidade, pessoas de felicidade, escolas de felicidade, cidades de felicidade, hospitais de felicidade, empresas de felicidade.
No final, esse é o propósito. Nas escolas de negócios, aprendemos rapidamente que o propósito das empresas é gerar dinheiro. Mas, e se o propósito das empresas fosse criar felicidade? Quando você define uma intenção, tudo se organiza. O Happytalismo é um chamado à ação para criar a partir da essência do ser humano, que é ser feliz.
Qual é a relação doHappytalismocom o ministro de Butão? Ele foi uma inspiração para você?
Sim, tenho trabalhado há muitos anos com o governo de Butão, com a família real e com toda a equipe da Felicidade Interna Bruta. O ex-ministro da educação, Thakur S. Powdyel, faz parte do nosso conselho na World Happiness Foundation. Como ministro da educação, Powdyel levou o conceito da Felicidade Interna Bruta para as escolas de Butão que mais tarde inspirou o conceito de Happytalismo.
Por que é importante dar atenção às emoções no mercado de trabalho?
Quando damos visibilidade às emoções, nos tornamos seres completos. E seres completos criam mais, inovam mais, produzem mais e trazem muito mais valor às empresas. Isso é algo que tentamos fazer no mundo empresarial: dividir a razão da emoção. No entanto, toda a pesquisa que fazemos com empresas mostra que, quando você não as divide, mas as une, cria seres completos que trazem muito mais valor para as empresas e resultado também – principalmente quando é atendimento ao cliente.
Então, esse livro não é apenas para líderes, mas para funcionários no geral?
Esse livro foi escrito para líderes de todos os níveis e de todas as áreas, pode ser de uma empresa, de uma escola, de um país, de uma cidade, da sua casa e de si mesmo. Ele contém muitas técnicas e práticas para se entender, porque esse é o primeiro passo do Happytalismo. O primeiro passo é saber quem sou eu e, dentro desse "quem sou eu", quem sou eu na minha comunidade. Porque algo muito importante é que a felicidade realmente é alcançada em comunidade, ou seja, quando você está a serviço dos outros. Então, este é um livro para qualquer pessoa que queira explorar seu máximo potencial para si mesmo, mas que, graças a isso, ajudará muito sua comunidade.
O que podemos encontrar nesse livro que ajudará a chegar nesse autoconhecimento?
A nível pessoal, abordamos alguns elementos muito importantes para desenvolver nossa plenitude. Um deles é o mindfulness ,que é ter consciência plena de quem você é e onde está. O outro é a psicologia positiva, como usar suas forças e caráter para melhorar a vida. Não é focar na doença e no negativo, mas focar nas possibilidades e no positivo. Outra ferramenta muito importante é a contemplação, que é diferente da meditação. A contemplação é manter a mente ativa, observar e ver na observação algo que muda e, quando muda, eu integro na minha realidade.
Onde você escreveu este livro e quanto tempo levou?
Levei muitos anos. É um trabalho de pesquisa estratégico que comecei em 2004 e que gerou alguns resultados no meio do caminho, como o Dia Internacional da Felicidade, que é celebrado no dia 20 de março por mais de 194 países. A partir daí algumas ações foram evoluindo até que finalmente o livro foi lançado este ano, como um manifesto e um convite ao diálogo. Enquanto Javier García Campayo, que é psiquiatra, trouxe a parte do autoconhecimento do cérebro e da pessoa, eu participei como sociólogo e trago a parte da relação do indivíduo com as comunidades.
Qual é a mensagem-chave do livro?
Esse livro é um convite à reflexão. Como reenquadramos e reprogramamos pensamentos que vêm de nossas crenças limitantes, que podem ter origem da família, do mercado de trabalho e de diferentes setores. Fato é que se continuarmos no piloto automático e de sempre dizer “bem, eu trabalho para ganhar dinheiro” e esquecermos que por trás disso precisa haver um propósito que nos preencha, chegará um momento em que isso não será mais sustentável. Porque a moeda de troca agora não é só o dinheiro, é o tempo. Então, se você mudar a unidade de medida para o tempo e transformar esse tempo em tempo de qualidade, aí temos uma nova mudança de paradigma, em que promover a felicidade no trabalho será algo estratégico para os negócios para o desenvolvimento humano – inclusive como profissional.