É melhor engajar que reter funcionários
Está na hora de as empresas aceitarem que os funcionários vão sair, por melhor que elas sejam. E, em vez de tentar retê-los, elas deveriam engajá-los
Da Redação
Publicado em 14 de novembro de 2013 às 12h43.
O mercado de trabalho segue aquecido, apesar do baixo desempenho econômico do país, que no ano passado registrou crescimento do Produto Interno Bruto de 1%. Ainda assim, as empresas continuam a demandar mão de obra, mantendo um cenário favorável aos trabalhadores.
Com mais ofertas disponíveis, os profissionais continuam a mudar de emprego em busca de melhores condições de trabalho. Nesse cenário, a tentativa de reter os funcionários pode ser uma guerra perdida para os empregadores.
Nunca tanta gente trocou de serviço no país. Segundo os últimos dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos ( Dieese ), em 2010, a taxa de rotatividade chegou a quase 54%, a maior em dez anos.
O troca-troca não é um fenômeno exclusivamente de países em desenvolvimento, como o Brasil. Uma pesquisa mundial da consultoria KPMG mostra que, em 2012, 84% dos profissionais ao redor do mundo planejavam procurar um novo trabalho, um aumento de 24% em relação a 2010.
“Num determinado momento, os empresários têm dinheiro, têm oportunidade e não têm pessoas. E perder um negócio por falta de mão de obra cria uma situação preocupante no mercado”, diz Joel Souza Dutra, professor da Universidade de São Paulo (USP) e especialista em gestão de recursos humanos.
De fato, 71% dos executivos seniores de grandes corporações globais se sentem “preocupados” ou “muito preocupados” em manter seus funcionários nos próximos 12 meses, de acordo com um estudo da consultoria Deloitte .
E isso se reflete na área de recursos humanos. A retenção apareceu como a preocupação número 1 dos profissionais de RH nos últimos três anos – e, na opinião deles, se manterá nesse patamar também até 2016.
Mas será que reter é um bom negócio? “Reter significa manter um trabalhador na companhia”, diz José Ramón Pin, professor do departamento de gestão de pessoas do Iese, escola de negócios da Espanha. Isso significa conservar quem já está desconectado, não sente entusiasmo ou interesse pelo trabalho, não inova, não se engaja, não forma nem compartilha conhecimento.
Ter gente assim é muito pior para a organização. “É preferível que o deixe ir”, diz Ramón Pin. Em vez de tentar segurá-lo, os empresários deveriam tentar integrá-lo. “Integrar pressupõe que o empregado se mantenha na organização.” Um detalhe sutil, mas que faz diferença.
Preso pelo bolso
A partir de 2004, quando a economia brasileira começou a se firmar, as empresas a crescer e o desemprego a diminuir (desde 2012 ele se mantém próximo a 5%), os empresários perceberam que a saída de trabalhadores aumentou.
“As companhias pensavam que melhorar a remuneração seria uma condição suficiente para fazê-los ficar”, afirma Henri Vahdat, sócio da consultoria Deloitte e especializado em gestão de capital humano.
Aos poucos, as contrapropostas e as práticas de retenção atreladas ao dinheiro se popularizaram. Surgiram também outras formas de compensação, como o pagamento de cursos superiores ou MBAs em troca da permanência do funcionário por um período acordado.
Ainda hoje, oferecer dinheiro é a forma mais comum de tentar segurar as pessoas. Um estudo da consultoria Michael Page mostra que compensações e benefícios são usados com esse fim por 64% das companhias brasileiras – bem acima da média global, de 47%.
Até o megaempresário Eike Batista apelou para essa técnica para frear a saída de executivos de seu grupo. Com as ações em queda livre, deixaram o grupo nos últimos três anos nada menos que nove conselheiros, nove presidentes e 22 diretores.
Para segurar a equipe da principal companhia do grupo, a petroleira OGX (cujo preço das ações despencou 84% nos últimos 12 meses), em abril, Eike aumentou o salário dos dirigentes em mais de 55%. Uma medida arriscada na visão de consultores e especialistas.
Com o dinheiro, o empresário segura apenas a presença física: todo o resto já se foi. Além disso, “é uma forma reativa, falida, ineficiente e custosa para o mercado”, diz Alessandra Ginante, vice-presidente de recursos humanos da Avon no Brasil.
Dar sempre mais dinheiro é uma medida que inflaciona a mão de obra. Além disso, a contraproposta e o bônus mandam uma mensagem negativa para os demais empregados. “O bônus vira uma moeda de barganha perigosa, porque, se você dá para um, os outros vão querer também. É como educar um filho à base de presentes”, diz Cris Bonini, diretora de gestão de pessoas, performance e cultura da consultoria KPMG no Brasil.
A retenção por dinheiro, diz o consultor da Deloitte, conecta apenas o bolso e estabelece uma “relação fragmentada” com o indivíduo. O conselho é que os empresários abram mão dessa prática e se esforcem para engajar, com o propósito de vincular a “totalidade do indivíduo”. “O engajamento conecta a pessoa como um todo: mente e coração”, afirma Henri Vahdat.
Aceite as saídas
“A rotatividade veio para ficar, e temos de aprender a viver com isso”, diz Fernando Viriato de Medeiros, diretor de RH para América Latina da Accor , grupo de hotéis que inclui as bandeiras Sofitel, Mercure e Ibis, entre outras. O setor de serviços, no qual atua a Accor, está entre os que apresentam a maior taxa de turnover do país (acima de 50% ao ano).
No ano passado, a companhia contratou cerca de 4 600 trabalhadores na América Latina (sendo o primeiro emprego para umas 600 delas). Quantas das 4 600 saíram? “Um número muito próximo disso”, diz o executivo. “É um movimento natural do mercado.”
Assim como a Accor, outras corporações tomaram consciência de que reter não adianta. “Os empresários estão mais realistas, mas seguem preocupados porque as pessoas continuam saindo”, afirma Marco Mancesti, diretor de pesquisa e desenvolvimento da escola de negócios suíça IMD.
Apesar de conscientes, as companhias não sabem como atacar o problema. “Reter é a batalha errada, porque precisamos encarar a verdade: talentos e pessoas com alto potencial se movem, independentemente de haver ou não uma crise econômica”, diz ele.
Esses profissionais são direcionados pela excelência e pela progressão – e a evolução pessoal acontece na exploração de outras empresas, de outros setores ou projetos. Além disso, vários outros motivos fazem com que as pessoas saiam, e algumas vezes pode ser apenas uma questão logística e familiar.
Em alguns negócios, como é o caso da hotelaria ou de um hospital, os funcionários estão aproveitando a ampla oferta de vagas e trocando de emprego para não trabalhar mais de sábado e domingo. “Já perdi empregados que iam fazer a mesma coisa, com o mesmo salário, mas em um hotel mais perto de casa”, diz Medeiros, da Accor.
Claro, sempre que um funcionário pede para sair, o empresário se sente fracassado. Nada mais natural, considerando todo o tempo e o dinheiro investidos.
“Sempre há a intenção de um casamento para a vida inteira, mas 80% deles dão errado”, afirma Gilberto Lara, diretor de desenvolvimento humano e organizacional do Grupo Votorantim , que engloba organizações de mineração, agronegócio e indústrias. Mas é melhor que o trabalhador vá embora do que ficar infeliz.
Será que dá para conservar os empregados satisfeitos? “A melhor estratégia é a manutenção”, diz Sérgio Piza, diretor de RH da Klabin , fabricante de papel e celulose. Se fosse um casamento, a expressão seria “reconquista constante”.
Mas, em se tratando do mundo corporativo, Piza prefere o termo “recontratação contínua”. “Reter é ter de novo: você perdeu e precisa ir atrás novamente”, diz ele. Na recontratação contínua (ou integração ou engajamento), o vínculo se mantém no dia a dia. E, sobretudo, acontece antes de as pessoas se desconectarem.
Virando um ímã
Funcionários engajados são mais produtivos e assertivos, geram novas ideias e resultados maiores, têm mais energia e trabalham melhor em equipe. Dados da KPMG mostram que engajados fazem 57% mais esforços e são 87% menos propensos a desistir de uma tarefa do que os desengajados. Mais importante, eles advogam em favor da companhia.
Para ter trabalhadores comprometidos, a empresa precisa, antes de tudo, tornar-se um ímã para atrair os melhores e mais brilhantes – e rápido, para preencher as vagas dos que se foram. Ter uma proposta de valor e uma cultura corporativa forte, que funcione na prática, ajuda. Ter um bom slogan ou uma tagline (algo curto, que defina a indústria em uma ou duas palavras) também facilita a atração.
Antes da Klabin, Sérgio Piza trabalhou em um call center que vivia lutando contra a alta rotatividade dos jovens. Há pouco mais de dois anos, porém, a organização assumiu ser um lugar no qual as pessoas começam a carreira e, após um ano, em média, seguem seu caminho.
Toda comunicação passou a levar a mensagem do “primeiro emprego”, mostrando o call center como uma oportunidade para que os profissionais se preparem para os próximos desafios e aprendam lições para o resto da vida. Por exemplo, atender um cliente estressado ensina o jovem a lidar com qualquer tipo de cliente, ou chefe, que possa ter no futuro.
A estratégia, afirma Piza, deu tão certo que ele pretende repetir na Klabin: está preparando uma tagline para reforçar o valor da marca como bom empregador.
Contratar bem
Em qualquer segmento, a rotatividade é maior entre aqueles com menos de um ano de casa. Quem ultrapassa esse prazo geralmente fica por um tempo mais longo. Para ter funcionários duradouros, a empresa precisa de uma contratação eficiente. E eficiente, nos tempos atuais, significa ser transparente, a fim de que o próprio candidato decida trabalhar na empresa.
Fortalecendo essa ideia, a Klabin, com cerca de 10 000 funcionários, reescreveu o script de contratação há cerca de um ano. Segundo Piza, a transparência é a chave para evitar o turnover, principalmente na base da pirâmide, onde as empresas têm enfrentado mais rotatividade. Ele já fez um teste.
Um dos lugares com maior taxa de saída da Klabin é a fábrica em Itajaí, perto da praia de Camboriú, em Santa Catarina. No verão, o pessoal troca o maquinário para trabalhar com o pé na areia – e ganhar em três meses o que não ganharia em um ano.
Em 2012, a equipe de Piza passou a avisar os futuros empregados: no verão, vocês ficarão tentados a sair da empresa, mas, se ficarem, terão plano de saúde, oportunidade de aprender e crescer e, após um ano, terão ganhado mais do que nos três meses na praia. O processo de contratação, que antes demorava dez dias, agora leva até 20 dias. Mas deu resultado: comparado com a temporada anterior, o turnover caiu pela metade no último verão.
E não é apenas para os operários da fábrica que a transparência vale. Gilberto Lara recomenda que até mesmo executivos seniores conversem com quem trabalha nas empresas do Grupo Votorantim a fim de entender as vantagens e os problemas da companhia antes de aceitar uma proposta. Lara levou três meses até acertar com o novo presidente da Votorantim Metais, Tito Martins, que deixou a diretoria financeira da mineradora Vale após 27 anos de atuação.
Foco no indivíduo
“Ninguém toma a decisão de sair da noite para o dia”, diz Lara. E o bom chefe, na verdade, nunca é surpreendido. Os sinais começam antes. “Um funcionário que sempre foi bom começa a chegar atrasado, trabalhar mal, faltar. São indícios de que algo vai mal”, diz Marco Mancesti, do IMD. Nesse caso, a empresa precisa ser proativa e agir – isso significa promover conversas constantes.
“Reter é tratar o funcionário como indivíduo”, afirma Cris Bonini, gestora de pessoas da KPMG. Mas como uma companhia com 3 000 ou 12 000 funcionários trata cada um como indivíduo? “O RH deve cuidar para que os empregados tenham coach efetivo e fazer com que o gestor olhe para sua equipe e identifique os talentos.” Com esse objetivo, Cris tem organizado cafés da manhã com a liderança e suas equipes para promover conversas abertas na consultoria.
A própria executiva recentemente reuniu-se com jovens de 22 a 24 anos para discutir mobilidade e falar sobre o futuro. Nesses encontros, surgem as perguntas: quais suas perspectivas? As pessoas conversam com você? Você faz o que gosta? “Essas conversas valem para os jovens, para mim, para você e para qualquer um, independentemente do negócio”, diz.
Nos encontros, fica claro que os funcionários querem crescer e ser reconhecidos. “Se você não promove seu empregado, o mercado vem e promove”, afirma Fernando de Medeiros, da Accor. Para engajar seu time, Medeiros aposta na expansão dos negócios: serão 136 hotéis abertos até 2016, o que significa 136 gerentes e 600 chefias.
Para preparar a mão de obra, em 2012, a Accor promoveu 340 000 horas de treinamento para seus 9 400 empregados da América Latina: 93% deles fizeram pelo menos um curso no ano.
Como cada funcionário da Accor tem a meta de realizar pelo menos um treinamento por ano, essa porcentagem mostra que 7% deles saíram antes de completar 12 meses. “Eu formo muito e acabo preparando muita gente para o mercado. E a gente convive numa boa com isso”, afirma o executivo.
Perdendo conhecimento
A perda de conhecimento é algo que os empregadores não associam ao turnover, diz Vicente Falconi, um dos mais influentes consultores de gestão de negócios do país. “Tem conhecimento que não se aprende em sala de aula, como resolver um problema observando a temperatura da máquina ou a cor da fumaça que ela solta.” Ao pensar em engajamento ou em rotatividade, as empresas deveriam estar cientes do conhecimento que podem perder e se gostariam de mantê-lo.
Mais uma vez, a organização deveria ficar atenta aos sinais. É o caso do profissional que trabalha muitas horas, nunca tira férias e é o único a ser lembrado quando alguém pensa em sua área: provavelmente, não está desenvolvendo um sucessor, muito menos repassando conhecimento. Se não deixar a empresa, é provável que expulse os colegas de equipe e desperdice conhecimento. Um bom líder se responsabiliza pela perenidade de sua área.
“A função do líder, seja um diretor, seja um analista, é fazer com que a estrutura abaixo funcione bem, mesmo sem sua presença”, diz Alessandra Ginante, executiva de RH da Avon. É o que ela chama de “democratizar a sucessão”.
Muitas companhias ainda se preocupam com a sucessão apenas de poucos funcionários, geralmente os de maior patente ou especialização. Mas esquecem que, em alguns negócios, o conhecimento de um analista ou de um técnico é tão ou mais crítico para o sucesso da organização. Por isso, é necessário democratizar a responsabilidade de fazer sucessores.
“Todos acham que o gestor de RH deve fazer isso, mas a tarefa não pode estar nas mãos dele”, diz Alessandra. O papel do gestor de RH é fazer com que os demais funcionários sejam bons em avaliar pessoas.
Algo que a Avon chama de “emancipar as pessoas no julgamento de outras pessoas”. A companhia, com seus 7 300 funcionários no Brasil, passou por uma reestruturação mundial até o ano passado, na qual foi criada uma nova cultura corporativa. Neste ano, Alessandra já pretende treinar a liderança para fazer bons julgamentos.
Todas essas medidas são uma tentativa de reduzir a saída de empregados, mas não servem como garantia da permanência deles. Se a integração do indivíduo for bem-feita, acreditam os especialistas, a retenção pode aumentar. Mesmo assim, o professor José Ramón Pin, do IMD, aconselha que as companhias criem políticas de saída, da mesma forma como mantêm políticas de entrada.
A política de saída, diz ele, tem três contribuições. “Primeiro, ajuda os empregadores a entender as causas da saída. Segundo, ajuda a empresa a ter informações internas que os empregados não contam em outras circunstâncias. E, terceiro, manter uma boa relação com os ex-empregados.” Se o processo for bem conduzido, o ex-funcionário sairá falando bem do antigo empregador, ou voltar à casa, ou, quem sabe, contratar a empresa como um prestador de serviço um dia. Todos ganham.