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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.
Álvaro é gerente financeiro de uma grande empresa do setor alimentício. Aos 37 anos, cumpre um papel importante ali dentro. Entre suas responsabilidades estão a captação de recursos, aplicação dos investimentos, rolagem das dívidas, negociação dos contratos. Certamente será o próximo diretor financeiro da empresa.
Mas Álvaro está pensando em montar um negócio próprio, paralelamente ao trabalho. Tem 100 000 reais para investir e quer abrir um fast food para sua mulher tocar. Os filhos já não a ocupam tanto e um aumento na renda familiar daria ao casal uma tranqüilidade maior em relação ao futuro. Para Álvaro, fazer as duas coisas ao mesmo tempo não seria um problema. Dinâmico e competente, trabalho extra é o tipo da coisa que não o assusta. A questão é como a empresa em que trabalha vai encarar o fato de ele ter uma atividade paralela.
Álvaro não quer deixar o emprego mesmo que o fast food vá muito bem. Mas tem medo de passar a ser visto como um profissional não tão interessado pelo que
faz na empresa. Tudo o que não gostaria é que sua carreira fosse prejudicada pelo negócio próprio.
Álvaro deve ir em frente com seus planos?
Gilberto de A. Guimarães é engenheiro, com pós-graduação pela FGV-SP e sócio, no Brasil, do Great Place To Work Institute
Álvaro, seguramente, não deve ir em frente com seus planos. O sucesso exige foco e concentração - e manter-se em duas frentes de batalha ao mesmo tempo sempre reduz as chances de vitória. Se Álvaro insistir nessa idéia, estará correndo sérios riscos de fracassar no fast food e de prejudicar, de forma talvez irremediável, a bela carreira que tem pela frente na área financeira da empresa.
Normalmente, as pessoas que procuram um caminho paralelo, como o do negócio próprio, não estão muito satisfeitas com o atual. E esperam, com o sucesso da alternativa, poder abandonar o emprego e conquistar a sonhada e ilusória liberdade de ser seu próprio patrão. Ocorre que as empresas sabem disso. E nos momentos de promoção, claro, acabam preterindo esses profissionais.
O problema é que começar um negócio próprio exige mais que apenas vontade e dinheiro. É praticamente impossível obter êxito, em qualquer negócio que seja, quando não se tem competência e experiência no ramo. Álvaro e sua mulher não são do ramo. Suas chances de se sair bem são baixas.
Se o que está movendo Álvaro é a preocupação em garantir a tranqüilidade futura da família, é melhor in-vestir em um plano de aposentadoria. Caso queira muito ser "sócio" e goste de risco, é "mais negócio" investir no mercado de ações. Se tomarmos como base os últimos anos, ele poderá multiplicar por muito os 100 000 reais da poupança familiar. Certamente lucrará bem mais do que conseguiria com um pequeno, ainda que bom, fast food familiar tocado em paralelo sem paixão nem vocação.
Bernt Entschev é diretor da De Bernt Entschev-Executive Search, empresa de headhunting em Curitiba, e comentarista sobre mercado de trabalho na rádio CBN-Curitiba
A maioria das empresas não vê com bons olhos o desenvolvimento de atividades paralelas por parte de seus executivos, mesmo em casos de pessoas comprovadamente capazes. Há toda a lógica nisso. Uma atividade paralela, sobretudo no campo profissional, acaba dispersando energia e atenção. Em muitos casos deriva para a negligência - e, portanto, baixo desempenho.
É claro que existem também empresas que valorizam a liberdade indivi-dual, independentemente da função exercida, e permitem que seus colaboradores exerçam atividades extras. Há muitos exemplos de executivos que lecionam em instituições de ensino, participam de conselhos de administração de outras empresas ou desenvolvem, de alguma forma, bons negócios simultaneamente à carreira. Provavelmente, são casos em que essas atividades não conflitam com os interesses da organização e com o cargo do executivo.
O caso de Álvaro não parece ser um desses. É quase impossível que ele não se envolva (ou seja envolvido) com o fast food além da conta. Não há indicadores de que sua mulher tenha experiência anterior ou condições de assumir e gerenciar so-zinha um novo empreendimento. Além do mais, ele trabalha numa empresa do setor de alimentação. Esse fato, por si só, é suficiente para provocar grandes conflitos. Se isso não bastasse, Álvaro ainda ocupa um cargo que tem tudo para alavancar seu negócio paralelo. Pode ficar tentado a usar a influência que tem com os bancos e fornecedores em proveito próprio. Mesmo que não use, vão dizer que usou. Ou seja, é totalmente constrangedor e desaconselhável levar o projeto avante.
De modo geral, a carreira do exe-cutivo exige empenho total, dedicação profunda e a mais elevada fide-
lidade para com a organização. É sempre perturbador, para qualquer empresa, perceber num de seus executivos um interesse tal qual o de
Álvaro. Se ele levar adiante seu projeto pessoal, poderá perder não apenas a futura promoção mas também a atual posição.
O sociólogo Odino Marcondes é diretor da Marcondes & Consultores Associados, consultoria na área de RH baseada em São Paulo, e trainer sênior da metodologia The Human Element
Álvaro trabalha para uma empresa no setor alimentício e quer abrir uma franquia no mesmo segmento. Ele precisa, antes de mais nada, certificar-se de que não há conflito de interesses aí. Se houver, deve mudar de idéia em relação ao seu projeto. Não havendo nenhum conflito, Álvaro, de qualquer forma, terá que agir com o máximo de abertura e ho-nestidade. Com ele mesmo, em primeiro lugar. E com a empresa em que trabalha, em segundo.
Álvaro terá que identificar o que realmente o está motivando a tocar um negócio paralelamente à carreira. É apenas uma aplicação para garantir uma aposentadoria confortável? É uma tentativa de criar uma rede de proteção caso venha a perder o emprego um dia? É preciso esclarecer bem esse ponto. Pelo que mostra a história, não parece que Álvaro esteja pensando nesse fast food apenas como um negócio para "sua mulher tocar". Ele está prevendo trabalho extra. Se de fato não pretende ser somente o sócio-capitalista, mas sim basear nisso o seu futuro, precisa considerar a possibilidade de ter que "queimar as pontes" e entrar de cabeça no projeto. Entretanto, suas motivações, sejam quais forem, são absolutamente legítimas. Ele apenas precisa estar consciente delas.
É igualmente necessário que Álvaro aja abertamente com a empresa, por duas grandes razões. A questão ética é uma delas. Apesar de não ser dona da vida de Álvaro, a empresa deve ter planos para ele e precisa saber se pode, ou não, contar com ele. Além disso, as mentiras e omissões são duas das mais importantes fontes de estresse. Conheci inúmeras pessoas que vive-ram situações parecidas com a de Álvaro e optaram por não revelar seus planos e iniciativas às empresas nas quais trabalhavam. Mas administrar a situação lhes consumiu uma enorme quantidade de energia.
Recomendo, portanto, que Álvaro procure seu chefe e exponha abertamente o seu projeto. E tome a decisão de mantê-lo, ou não, só depois de explicitar seus objetivos e ouvir a posição da empresa.
Os personagens e o enredo desta seção são fictícios. Mas os especialistas chamados a dar sua opinião são genuinamente de carne e osso. Caso você tenha uma história a contar, entre em contato conosco pelo e-mail: avidacomoelae@email.abril.com.br
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