Carreira

A insegurança que afasta do topo

Camila Almeida Aos 58 anos, a atriz americana Michelle Pfeiffer não deveria ser o tipo de pessoa com problema de autoestima. Ela coleciona prêmios como Globo de Ouro, Urso de Prata, além de três indicações ao Oscar. Depois de um tempo longe dos holofotes, está voltando em dose tripla: na produção da HBO The Wizard […]

MICHELE PFEIFFER NA CAPA DA INTERVIEW: a “síndrome da impostora” afeta até as estrelas do cinema  / Divulgação

MICHELE PFEIFFER NA CAPA DA INTERVIEW: a “síndrome da impostora” afeta até as estrelas do cinema / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 24 de abril de 2017 às 19h21.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h27.

Camila Almeida

Aos 58 anos, a atriz americana Michelle Pfeiffer não deveria ser o tipo de pessoa com problema de autoestima. Ela coleciona prêmios como Globo de Ouro, Urso de Prata, além de três indicações ao Oscar. Depois de um tempo longe dos holofotes, está voltando em dose tripla: na produção da HBO The Wizard of Lies, no drama Mother!, do diretor Darren Aronofsky, e na adaptação cinematográfica do livro Assassinato no Expresso Oriente, de Agatha Christie.

Mas, na capa da edição de abril da revista americana Interview, a atriz revela um lado desconhecido de sua personalidade: sempre teve medo de descobrirem que ela é uma fraude, já que nunca cursou artes cênicas e, por isso, é meio avessa a entrevistas. “Sempre achei que estava arruinando os filmes dos quais participei, fazendo um trabalho terrível.”

Michelle, sem querer, expôs um dos motivos mais pesquisados atualmente para explica por que tão poucas mulheres chegam a cargos de liderança – a chamada síndrome da impostora. As mulheres, vale lembrar, representam apenas 14% dos cargos de diretoria, 11% das cadeiras nos conselhos administrativos e 10% dos cargos legislativos Brasil afora, segundo pesquisa feita pela consultoria PwC em parceria com a ONU e o Insper.

Mesmo aquelas que chegam lá muitas vezes acreditam não ser merecedoras do cargo que ocupam. Isso prejudica suas próprias carreiras, mas também impede que elas sejam uma voz ativa para atrair mais mulheres para os cargos de liderança. O resultado desse ciclo vicioso é fazer com que os homens, em geral menos sujeitos a sofrer dessa insegurança, continuem sentados nas melhores cadeiras e também ilustrando capas de revista e reportagens de jornais.

A síndrome foi definida pela primeira vez em 1978, num artigo da psicóloga Pauline Clance, em parceria com Suzanne Imes, da Universidade Georgia. A pesquisadora passou cinco anos observando 150 mulheres de sucesso, com títulos de PhD, respeitadas profissionalmente em suas áreas de atuação ou estudantes reconhecidas por sua excelência acadêmica. Mas que, apesar dos louros, elas não conseguiam sentir sinceramente que eram donas daquele sucesso. Reportavam o medo de que alguém, em algum momento, descobrisse que elas não eram tão boas assim, e sentiam sempre a necessidade de justificar o porquê de estarem ali.

O modo como isso afetava a carreira delas se manifestava de várias formas: ansiedade generalizada, falta de autoconfiança, depressão e frustração relacionada à inabilidade de atingir os próprios padrões de realização. E, quando perguntadas sobre os motivos de terem chegado tão longe, costumavam atribuir os ganhos à sorte e ao esforço, nunca ao talento, à sagacidade ou à inteligência. Homens, por sua vez, tendiam a justificar seus fracassos profissionais alegando que o trabalho era difícil, que falta de sorte, e não que falta de competência.

Diferença cultural

Desde então, 40 anos se passaram, várias pesquisas sobre o tema se sucederam, e chegou-se à conclusão de que não são apenas mulheres que experimentam esse sentimento – mas praticamente todas as pessoas que atingem alguma forma de sucesso. Já passaram por isso personalidades como o escritor Neil Gaiman, a diretora de operações do Facebook, Sheryl Sandberg, a atriz Emma Watson e o físico Albert Einstein. A própria psicóloga Pauline Clance afirma que a questão não pode ser enquadrada como um problema de gênero, embora um crescente número de estudiosas continue a comprovar a alta incidência nas executivas de sucesso.

A psicóloga social Amy Cuddy, da escola de negócios de Harvard, diz, em seu livro O Poder da Presença, que as mulheres declaram mais seus sentimentos, e que isso deixa o problema mais evidente. Porém, a socióloga Jessica Collett, da Universidade de Notre Dame, entende que há diferenças na forma com que homens e mulheres vivem a síndrome porque, culturalmente, ainda espera-se menos que cargos de primeira linhas sejam ocupados por lideranças femininas.

“Quando as mulheres têm sucesso em uma área não esperada, elas temem ter havido algum erro no processo. Os homens são esperados para ser bem sucedido em uma ampla variedade de esferas, por isso eles são menos propensos a experimentar a dissonância entre o sucesso e as expectativas”, afirma Collett. Em parceria com a colega Jade Avelis, ela apresentou à Associação Americana de Sociologia, em 2013, os resultados de uma pesquisa sobre os efeitos da síndrome na carreira de homens e mulheres. Ela ressalta que, apesar de a síndrome não se encaixar perfeitamente em uma questão de gênero (porque homens também a vivenciam e porque nem todas as mulheres estão sujeitas a isso), elas ainda são mais afetadas.

Mulheres de negócios

As empresas que estão interessadas em fazer as mulheres chegar a outro patamar na carreira estão percebendo a barreira – tanto em outros países como no Brasil. Em junho de 2016, o Mulher 260, movimento empresarial pelo desenvolvimento econômico da mulher, participou de uma pesquisa intitulada Vieses inconscientes, equidade de gênero e mundo corporativo, realizada em parceria com a consultoria PwC, ONU Mulheres e Insper. O objetivo era entender o porquê de mulheres ainda não estarem alcançando cargos de liderança.

O principal foco do trabalho é conscientizar para os tais vieses inconscientes, que faz com que as mulheres sejam subvalorizadas. “O fato de que os homens ocuparam os espaços públicos por muitos séculos enquanto as mulheres ocupavam o espaço do lar serve como pano de fundo para muitas das preferências e crenças que nós temos”, diz um trecho da pesquisa. Para a consultora Margareth Goldenberg, que responde pelo movimento Mulher 360, os líderes de empresas — normalmente homens brancos, de classe média alta, heterossexuais — tendem a escolher pessoas parecidas na hora de promover funcionários.

“Essas barreiras invisíveis são processos neurológicos que emperram a carreira não só de mulheres, mas de minorias de modo geral”, afirma a consultora.

Uma das formas de contornar esses problemas de autoestima é dar acesso às mulheres a programas aos quais elas normalmente não participam, como os de mentoria, além de incentivar o networking. Essa é uma das propostas do Itaú Mulher Empreendedora, iniciativa do banco para estimular o desenvolvimento dos negócios tocados mulheres — que representam cerca de 35% da carteira de clientes da instituição.

A ideia surgiu em 2013, associada ao movimento Mulher 360, para aproveitar uma linha de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e da International Finance Corporation. Hoje, já são mais de 6.200 empreendedoras cadastradas no programa, que têm acesso a mentoria online, workshops, eventos e rodadas de negócios gratuitamente.

No começo, a ideia era ofertar mais conhecimento sobre macroeconomia e dinâmicas de negócios, mas o projeto precisou ser reformulado. “As necessidades que mulheres têm são diferentes. Vimos que havia necessidade de focar também em como essa mulher pode ser autosuficiente”, afirma Denise Hills, superintendente de Sustentabilidade e Negócios Inclusivos do Itaú Unibanco. “As mulheres ocupam mais esse espaço, e a capacidade de elas de gerir os negócios também aumentou; a autoestima, nem tanto.”

Mas ainda há muito que ser trabalhado na questão da confiança. Mesmo entre mulheres que empreendem há mais 10 anos, muitas ainda se sentem despreparadas. Dentre as novatas, o dilema é maior: uma em cada três mulheres não sente que está preparada para tocar seu negócio. Para avaliar os casos de forma mais aprofundada, o programa avaliou cinco perfis de empreendedoras de sucesso. “Elas se enquadravam perfeitamente nos critérios definidos pelo banco sobre o que é ser empreendedora, mas elas não conseguem se definir assim. Dizem: ‘empreendedor é quem investe, eu sou apenas dona de uma empresa’. Uma delas faturava mais de 10 milhões de reais por ano. Se essa mulher não é uma empresária, quem é?”, afirma Denise Hills.

Para a socióloga Jessica Collett, o importante é ter conhecimento sobre os sintomas da síndrome e saber que não está sozinho. “As pessoas que se sentem impostoras raramente são. Elas tendem a ser brilhantes e merecedoras de seus sucesso”, explica. O sucesso, para elas, ainda traz mais insegurança que felicidade.

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