Patrícia Ellen: "Eu comecei a trabalhar com 15 anos em loja de shopping, depois como estoquista em showroom e ali eu vi a diferença da realidade da mulher e do homem. Havia muita cobrança em relação à aparência, assédio…. Esse foi um primeiro choque" (Daniela Toviansky/Divulgação)
Victor Sena
Publicado em 8 de março de 2021 às 13h45.
Última atualização em 8 de março de 2021 às 17h05.
Desde o início da pandemia, a secretária Patricia Ellen da Silva é um dos principais nomes do governo de São Paulo à frente do combate à covid-19.
Nas tradicionais coletivas de imprensa do governador João Doria (PSDB), Patrícia virou figurinha conhecida nos últimos 12 meses, assim como outros nomes à frente do combate à covid-19 no estado de São Paulo, como o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas.
Considerada um dos braços direitos de Doria, ela comanda a secretaria de Desenvolvimento Econômico, que desde 2018 reúne também as antigas pastas do Trabalho e de Ciência e Tecnologia e comanda o Gabinete de Crise no Enfrentamento ao Coronavírus.
Com passagem pelo mercado, a ex-executiva é uma das poucas mulheres ao redor do governador. Das 26 secretarias, apenas quatro têm mulheres à frente. Apesar de baixo, este é o maior número de mulheres na história do governo do estado.
Neste Dia Internacional da Mulher, Patrícia conta em entrevista à EXAME que é uma forte defensora da diversidade, fala sobre liderança feminina e que percebeu a desigualdade de gênero quando entrou no mercado de trabalho, aos 15 anos. Antes, tinha sido criada em ambiente em que foi estimulada a "ser o que quisesse".
Hoje, mais de 25 anos depois, ela lidera iniciativas que buscam diminuir essas diferenças, principalmente na frente da qualificação para o empreendedorismo. “Muitas mulheres empreendem por necessidade. Nosso trabalho é mostrar que o empreendedorismo é uma oportunidade”, diz. Veja abaixo os principais pontos da entrevista:
Como ser mulher definiu o seu caminho profissional?
Eu vim de uma família com muitas mulheres. Minhas referências eram mulheres que trabalhavam, que cuidavam da família, que tinham a tripla jornada, que é nosso desafio até hoje. Eu e minhas irmãs fomos exceção em uma família grande, e eu vi que os nossos caminhos seguiram rumos muito diferentes. Eu tive primas que engravidaram muito cedo, que tiveram poucas oportunidades.
Em que ser mulher definiu a minha vida? O estímulo que recebi dos meus pais de ser o que eu quisesse ser. Não tinha muito isso do que as meninas podem ou não. Tinha uma coisa mais diversa. Demorei um pouco para ter contato com a desigualdade de gênero. Fui ter contato com isso no ambiente de trabalho.
Como foi?
Eu comecei a trabalhar com 15 anos como estoquista, depois em loja de shopping e em showroom. Ali eu vi a diferença da realidade da mulher e do homem. Havia muita cobrança em relação à aparência, assédio…. Esse foi um primeiro choque. O segundo foi quando comecei a perceber que existiam ambientes que haviam muito poucas mulheres. Meu primeiro estágio foi em banco
Depois quando eu fui trabalhar numa empresa de consultoria, apesar de no início ter poucas mulheres, eu tive a chance de viver um ambiente onde havia um trabalho para tratar todos com base em seu desempenho, mas a gente partia de um patamar parecido. Foi aí que eu percebi que a gente só pode falar de meritocracia quando há igualdade de oportunidades, o que não é a realidade no Brasil, em especial para a mulher. Se falarmos de negras, então, a desigualdade é ainda maior.
A partir do momento em que a senhora se tornou líder algo mudou? Notou algum tipo diferente de machismo?
Nas minhas equipes, eu sempre me relacionei bem com homens e mulheres. Sempre tentei trazer a diversidade, mas a cada promoção que eu recebia, menos mulheres eu via ao meu lado.
Na base, na entrada, há sempre muitas mulheres, em muitas profissões é 50% a 50%, até mais, mas quando você observa os cargos de diretoria, há pouquíssimas mulheres. Temos que mudar isso. Não tem como você desenhar políticas públicas para mulheres sem mulheres na liderança.
Você se considera feminista? Como você se coloca dentro desse movimento, que tem seus espectros?
Certamente me considero defensora dos direitos das mulheres e feminista por defender que mulheres tenham seus direitos respeitados e ocupem os mesmos lugares que os homens. Então, eu defendo diversidade, igualdade de gênero, de raça, e sobretudo maior participação feminina nos cargos de poder. O Brasil é um país diverso. Eu defendo que os espaços de poder reflitam essa diversidade.
Essa liderança fez com que a senhora se sentisse sozinha?
Nós temos um governo com um percentual alto de mulheres. Na Secretaria de Desenvolvimento Econômico, 61% dos cargos-chaves são ocupados por mulheres. Nos preocupamos com isso. Mas a liderança é, sim, um trabalho solitário. O fato de serem tão poucas mulheres torna essa realidade ainda mais solitária.
Como a senhora vê a pressão sobre o desempenho das mulheres? Percebe uma certa desigualdade?
Eu sinto que existe uma pressão. O Brasil é um dos países mais desiguais no que diz respeito à desigualdade de gênero. Aqui, a pressão é grande e há um estereótipo de que as mulheres não têm ambição de alcançar posições de liderança.
Para mim, o que acontece é que as mulheres passam por um processo de pressão e exaustão porque também precisam cuidar da família e do trabalho e as que se revelam em relação ao desejo profissional são mal vistas.
Quais as características que a liderança feminina pode trazer?
O que ficou claro na pandemia é que alguns traços femininos de liderança fazem falta no mundo em que a nossa sociedade está sendo testada. Compaixão sem dúvida é um deles. Transparência e confiança também. Na Nova Zelândia, por exemplo, a primeira-ministra Jacinda Arns fez uma coletiva para crianças para explicar o que estava acontecendo no mundo.
Um último aspecto é a vulnerabilidade como fortaleza. Por algum motivo, na nossa sociedade, a gente vê a vulnerabilidade como fraqueza, mas na verdade um líder que se mostra humano, solidário e preocupado com o espírito coletivo tem que se colocar no lugar de vulnerabilidade, e não há aspecto maior de liderança do que isso.
A senhora tem sido colocada como uma possível candidata a vice-governadora ou a governadora em 2022. Ou até a prefeita em 2024. Esses planos estão de pé?
Para uma população que está perdida e confusa, devido à pandemia, o melhor que eu posso fazer é continuar a trabalhar como secretária e não participar dessa questão política. Meu foco agora é focar na gestão da Secretaria.