Deixar coisas para depois é culpa do seu cérebro (Sorbetto/iStockphoto)
Bússola
Publicado em 10 de novembro de 2021 às 17h28.
Por Rodrigo Pinotti*
É muito fácil deixar alguma coisa para depois, principalmente se for algo difícil. Não por acaso, embora não haja nenhum estudo confiável disponível, uma análise empírica permite concluir que houve nestes últimos meses houve um aumento sensível na tendência das pessoas em procrastinar decisões e ações importantes, em favor de um cafezinho, de uma outra atividade menos importante ou até do que parece importante (a tal da procrastinação produtiva), mas que você sabe que não é.
Atrasar ações e decisões é humano, afinal. A neurociência já determinou que o ato de deixar para amanhã o que você pode fazer hoje é resultado de um conflito entre duas áreas diferentes do cérebro.
No córner esquerdo, temos o sistema límbico, uma parte antiga e primordial da anatomia cerebral que é responsável pelas funções mais básicas para a existência, como as emoções — o medo, a insegurança e o prazer entre elas, obviamente. Não é coincidência que essa parte do cérebro esteja mais ligada a comportamentos impulsivos e pelo desejo de gratificação imediata, por exemplo. Agradeça ao sistema límbico por aquela última compra com um clique — da qual você se arrependeu um minuto depois, portanto.
Do outro lado do ringue, temos o córtex pré-frontal, que evoluiu mais recentemente (até uns 19 milhões de anos atrás, o que como se sabe é bem pouco em termos evolutivos). Este camarada é responsável por padrões mais complexos, como o raciocínio lógico. Nossa capacidade de planejar e de antecipar as consequências de uma determinada ação vem daqui. Quem joga xadrez não é você, é o seu córtex pré-frontal.
Temos então, basicamente, um Capitão Kirk e um Doutor Spock dentro de nossas cabeças, o primeiro emotivo, o segundo racional. O que ocorre é que, quando as emoções estão à flor da pele, o sistema límbico acaba se sobrepondo (Kirk ainda é o capitão, afinal), e não há nenhum momento histórico recente mais pródigo em emoções do que a pandemia do covid-19. Um estudo recente da Universidade de Singapura, realizado com estudantes, demonstrou que a momentos de dúvida e incerteza tem uma forte correlação com a procrastinação, em que um leva à outra em até 95% dos casos.
Neste cenário, na quase inviolabilidade do home-office, aquele relatório ou aquele telefonema importante (para quem ainda faz telefonemas) podem esperar um pouco mais enquanto você assiste só mais um episódio daquela série no Netflix, joga mais uma partida rápida online ou simplesmente tira um cochilo.
Claro, no longo prazo, isso terá um efeito devastador sobre sua carreira e, consequentemente, sobre sua vida em geral. Nosso córtex pré-frontal sabe disso, e tenta puxar a balança para o outro lado. A famosa busca pelo equilíbrio é, portanto, uma questão fisiológica. A procrastinação é, em última análise, menos uma questão de gerenciamento de tempo e mais uma questão de gerenciamento emocional.
Se uma pequena pausa no dia faz seu humor ficar melhor, provavelmente você terá mais foco e disposição para resolver tudo o que precisa em seguida. Diversos estudos mostram que a procrastinação pode ser benéfica, quando controlada, justamente porque pode ajudar no controle emocional ao saciar a necessidade de recompensa imediata. Porém, como argumenta o psicólogo Timothy Pychyl, professor da Carleton University em Ottawa, Canadá, no livro Solving the Procrastination Puzzle, é preciso cuidado para não confundir atrasos propositais e planejados com a procrastinação pura, simples e descontrolada. Afinal, se há outra coisa em que somos bons além de procrastinar, é em mentir para nós mesmos.
*Rodrigo Pinotti é sócio-diretor da FSB Comunicação
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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