Regulamentação na UE levanta bandeira vermelha no mercado de criptoativos
Rombo criado por uma das maiores stablecoins do mundo também levantou preocupações no mercado
Bússola
Publicado em 11 de junho de 2022 às 20h30.
Por Caroline Castro Nunes
Se você colocar R$ 1 debaixo do seu travesseiro, você sabe que você terá R$ 1 de volta quando for procurá-lo. Quando você deposita R$ 1 em um banco, você pode ter certeza de que vai recuperá-lo quando quiser, graças aos regulamentos desenvolvidos ao longo de séculos.
Um ramo de criptoativos chamado de stablecoins, ou moedas estáveis, vem tentando replicar esse tipo de confiabilidade utilizando uma série de protocolos e estratégias. Mas uma das maiores stablecoins, a TerraUSD, também conhecida como UST, e seu token irmã, a Luna, derreteram de forma inimaginável nos últimos dias, jogando seus preços para perto de zero. Assim, criaram um rombo no mercado de mais de U$ 45 bilhões.
Sua queda levantou preocupações sobre as stablecoins e colocou em foco a regulamentação desses criptoativos, em especial a MiCA. E é dela que vamos falar hoje. A União Europeia (UE) está prestes a aprovar uma lei que pode ter um grande impacto no meio cripto. Se aprovada, a regulamentação do Mercado de Criptoativos (MiCA) revogará todas as leis existentes sobre criptoativos dos países que fazem parte do bloco.
O projeto de lei MiCA foi apresentado pela Comissão Europeia em setembro de 2020 e repassado ao Parlamento e ao Conselho Europeu para deliberação pouco depois. Alguns meses atrás, o projeto voltou a ganhar destaque no meio de cripto por causa de algumas propostas controversas, tais como:
- Limites na negociação de stablecoins
- KYC (Know Your Client) obrigatório para marketplaces de tokens não-fungíveis (NFTs);
- Proibição de protocolos de finanças descentralizadas (DeFi);
- Proibição de redes que usem Proof-of-Work (PoW), a metodologia de consenso do bitcoin.
Discussões sobre stablecoins é a portas fechadas
Felizmente, em março deste ano, grupos pró-cripto conseguiram convencer os membros do Parlamento Europeu a votarem contra a proibição do bitcoin e de outras criptomoedas que usam PoW. Como de costume, a principal motivação para banir redes que utilizam PoW foram preocupações ambientais injustificadas.
É importante mencionar que a maior parte das discussões sobre a MiCA está ocorrendo a portas fechadas. Uma das únicas razões de termos acesso a alguns detalhes do projeto é por causa de vazamentos para a imprensa. Isso significa que ninguém sabe ao certo como será a regulamentação quando for aprovada.
Na minha visão, há duas razões pelas quais a UE está começando a reprimir com veemência o setor de criptoativos. O primeiro motivo é um relatório da Autoridade Bancária Europeia de 2019, que declara que criptomoedas não se enquadram na legislação existente na UE. Portanto, isso significa que novas leis são necessárias para regulamentar o setor.
A segunda razão é a Diretiva Anti-Lavagem de Dinheiro da UE (AMLD V), que exige que cada país do bloco crie seu próprio regulamento de lavagem de dinheiro. No entanto, muitos não implementaram a regulamentação necessária, criando a abertura para o surgimento de uma legislação geral mais rígida.
UE define três categorias de criptos
Em contraste com a maioria das regulações de cripto ao redor do mundo, o projeto de lei MiCA tomou bastante cuidado ao definir os diferentes tipos de criptoativos aos quais seus regulamentos se aplicam. Criou três categorias:
- tokens de utilidade: inclui criptomoedas como as da Chainlink (LINK) e da Decentraland (MANA). Curiosamente, essa categoria também inclui o bitcoin e a ethereum e possivelmente, até NFTs. O projeto de lei MiCA especifica que para vender um token de utilidade ou listá-lo em uma exchange, o time por trás do projeto deve fornecer um whitepaper à autoridade responsável. Dessa forma, deve explicar como sua criptomoeda funciona. Obviamente, esses requisitos não se aplicam a criptomoedas como bitcoin e ethereum.
- tokens de referência: ativos que mantêm um valor estável, lastreando-se em moedas, mercadorias, outros criptoativos ou em um conjunto de ativos. Nesta categoria, podemos incluir a DAI, MakerDAO e outras stablecoins. Esta categoria não requer registro nos órgãos reguladores, desde que sua capitalização de mercado não exceda € 5 milhões, o que é um limite consideravelmente baixo para o universo de cripto. Caso este limite seja excedido, seu emissor deve se registrar junto aos reguladores e cumprir uma série de requisitos rigorosos. Os possuidores desta categoria de token não podem receber qualquer tipo de rendimento.
- tokens de moedas eletrônicas: ativos baseados em uma única moeda fiduciária. Por exemplo, stablecoins como USDT, USDC. Esta categoria possui exigências similares às dos tokens de referência, por exemplo, há o limite de capitalização e restrição ao recebimento de rendimentos pelo detentor. A diferença desta categoria é que os emissores destes tokens terão que ter um registro de instituição emissora de moeda eletrônica.
Projeto diz que sem regulação há riscos
O projeto reconhece que as stablecoins podem ser amplamente adotadas, mas que representam riscos à política monetária se não forem regulamentadas. Curiosamente, o projeto de lei parece ter deixado de fora os security tokens, mas ainda não é possível afirmar com certeza.
Um dos principais objetivos da legislação é apoiar a inovação. No entanto, requisitos como a aprovação de whitepaper e a restrição de recebimento de rendimentos podem representar desafios para o mercado de finanças descentralizadas (DeFi).
Resta saber como esse novo regime impacta o mercado cripto da UE e do mundo.
*Caroline Castro Nunes é colunista do Blocknews, CEO e fundadora da InspireIP e advogada especialista em propriedade intelectual e blockchain
Este é um conteúdo da Bússola, parceria entre a FSB Comunicação e a Exame. O texto não reflete necessariamente a opinião da Exame.
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