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Novo ajuste da taxa Selic é bom para investidores, mas não para economia

Comitê confirmou a expectativa unânime de analistas e elevou o juro básico em 1,5 ponto percentual, para 10,75% ao ano, maior patamar desde 2017

Selic a 12% ou mais até o fim do ciclo de aperto monetário tornará o custo do crédito ainda mais difícil e a perspectiva é de aumento da inadimplência (Leonidas Santana/Getty Images)
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Bússola

Publicado em 4 de fevereiro de 2022 às 15h40.

Última atualização em 4 de fevereiro de 2022 às 16h18.

Por Luis Alberto Paiva*

A alta firme da inflação em 2021 — e não só no Brasil — justifica o ciclo de aperto monetário empreendido pelo Banco Central (BC) nos últimos 11 meses e que, na quarta-feira, 2, culminou com mais um ajuste da taxa Selic pelo Comitê de Política Monetária (Copom). Bom para os investidores, não tão bom para a economia real.

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No último dia 2, o comitê confirmou a expectativa unânime de analistas e elevou o juro básico em 1,5 ponto percentual, para 10,75% ao ano — maior patamar desde 2017. Importante, contudo, é a sinalização inequívoca de que o ritmo de ajuste do juro vai desacelerar. O próximo encontro do Copom ocorrerá em março.

A indicação, explícita no comunicado do comitê, tem também uma consequência relevante: a Selic dificilmente ultrapassará 12% ao ano, desmontando projeções de analistas que davam como certo este novo patamar para o custo básico do dinheiro no Brasil.

Na prática, com o resultado da reunião inaugural do Copom em 2022, confirma o discurso do BC determinado a conduzir a inflação para a meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) que declina de 3,75% em 2021 para 3,5% em 2022, tendo margem de tolerância de 1,5 ponto percentual para mais ou para menos. Essa, porém, é a explicação fácil para a orientação da política monetária. Difícil é o BC admitir que a redução da taxa básica (Selic) à mínima história de 2% ao ano, de agosto de 2020 a março de 2021, também provocou estragos no Brasil.

A mais deletéria repercussão — mais moderada daqui para a frente em razão do sinal de desaceleração do ritmo de alta da Selic dada pelo Copom — é a necessidade de aumento mais forte e prolongado do juro para domar a inflação e manter equilíbrio de preços relativos na economia. E, pior, em um contexto internacional complexo, por incitar disputa por capital, com aumento de taxas de juro nas maiores economias e, por tabela, em mercados emergentes.

A Selic, resgatada de 2% a partir de meados de março do ano passado, subiu mais de cinco vezes e, dessa forma, o Brasil volta a praticar juro real positivo mais expressivo. Afinal, 10,75% é variação bem superior a 5,38% de IPCA atualmente projetado pela Focus para 2022.

Em parte, essa perspectiva é o que atrai investidores estrangeiros que vêm despejando dólares na B3, no mercado secundário de ações — as já listadas no pregão. No ano, até 1º de fevereiro, essa categoria de investidores aplicou R$ 34,46 bilhões, informa a B3 que não divulga valores em dólares, mas apenas em reais. Esses recursos não correspondem necessariamente a dinheiro novo. Boa parte corresponde à readequação de portfólio ou rotação de carteiras de grandes investidores que estavam na renda fixa e decidiram aproveitar ações a preços baixos quando comparados aos praticados nas Bolsas Internacionais.

Outra consequência da Selic no patamar mais elevado em quase cinco anos é o arrefecimento do dólar, embora as projeções para a taxa de câmbio em dezembro permaneçam acima de R$ 5,50.

O balanço dos ativos financeiros em 2021 é revelador sobre o descompasso até então existente entre inflação e Selic, mesmo estando em forte alta. No ano passado, a Selic acumulada, assim como o CDI que é indexador de várias modalidades de aplicação financeira, superou a inflação em apenas 0,19%. Já o Ibovespa, fortalecido pela demanda de ações por investidores estrangeiros, valorizou mais de 6%.

Esses dados sinalizam, porém, um cenário confortável para rentistas em geral. O aumento da Selic implica, entretanto, um aumento do custo do dinheiro para o setor real da economia que reúne empresas de todos os setores e famílias. O impacto do ajuste da Selic desde março está escancarado nas estatísticas do BC.

Em março de 2021 — início do atual ciclo de aperto monetário — a taxa média de juro vigente no Brasil era de 19,93% ao ano. Em dezembro, era de 24,39%. Para empresas, o juro médio saltou de 12,17% para 17,42% ao ano no mesmo período; e, para as famílias ou pessoas físicas, o juro médio passou de 24,58% para 28,66% ao ano. Em nada, porém, foi alterado o “spread bancário” — a diferença entre o custo de captação de recursos e o juro cobrado pelas instituições aos tomadores de crédito. Em março do ano passado, o “spread” era de 15,51% ao ano; em dezembro, 15,8%.

Selic a 12% ou mais até o fim do ciclo de aperto monetário tornará o custo do crédito ainda mais salgado e a perspectiva — histórica aliás — é de aumento da inadimplência. Não é à toa que o nível de endividamento das famílias brasileiras atingiu 70,9% em 2021, o patamar mais elevado em 11 anos, segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC).

*Luis Alberto Paiva é sócio da Corporate Consulting, especializada em turnaround e reestruturação de empresas

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