Não há meritocracia no mercado de investimento: os bons também quebram
O acesso a educação, informação e capital é assimétrico, com desigualdades evidentes de gênero, raça e renda
Bússola
Publicado em 14 de outubro de 2022 às 12h06.
Por Itali Collini*
Vocês já ouviram essa frase do mercado? "Os investimentos desaceleraram para todo mundo, mas para empresas realmente boas ainda existe dinheiro. Para aquelas mais ou menos, não..."
O volume total de investimento realizado em Venture Capital no Brasil no primeiro semestre de 2021 foi 44% menor que no mesmo período em 2020, de acordo com levantamento da Distrito. Muitos fundos estão com caixa (o famoso dry powder), porém sendo mais cautelosos nos critérios de alocação por causa do cenário macro: alta taxa de juros, ano de eleição e conflito na Europa.
É claro que a indústria continua forte e amadurecendo rápido. É claro que a atividade de Private Equity e Venture Capital é de longo prazo e por isso os investimentos vão continuar existindo em grande volume. Mas também é fato que o tom da conversa mudou na hora de buscar investimento para as startups. Na hora de negociar, então, já viu…
Com as bigtechs levando ajuste de preço no mercado aberto de capitais, o efeito cascata chega ao mercado fechado, em que acontecem os investimentos de VC e PE, e impacta diretamente o valuation e as condições de negociação dos empreendedores. Então sim, está mais difícil captar este ano até mesmo para as boas startups.
Na verdade, o mercado de investimento privado nunca foi um lugar meritocrático onde apenas as boas empresas de bons empreendedores “vencem”.
O acesso a educação, informação e capital é extremamente assimétrico. As desigualdades se reforçam pela composição dos tomadores de decisão: apenas 12% são mulheres, de acordo com dados da Axios, e apenas 3% são pessoas negras, de acordo com o BLCKVC. Resultado: 2% do volume de VC vai para empresas fundadas por mulheres, de acordo com Pitchbook e 1.2% para empresas de pessoas negras, de acordo com Crunchbase.
No que se refere à renda, também há uma desigualdade brutal: pessoas de alta renda que empreendem e quebram têm rede de suporte para se refazer e empreender de novo, e isso é visto como uma coisa boa pelo mercado, é o "second time founder". Eu também vejo como um bom sinal uma pessoa que já empreendeu antes, mas não me impede de ponderar, enquanto investidora, que uma pessoa de baixa renda que empreende e erra não tem a mesma sorte, pode perder tudo e não tem rede de apoio que a coloque de pé de novo com um pitch debaixo do braço para captar dinheiro de outras pessoas.
Além disso, uma parte mínima do total de startups realmente consegue acessar investimento anjo ou de venture capital. Com todo o cenário, já está na hora da gente se atentar aos folclores que reproduzem enquanto investidores de risco.
A verdade é: nunca teve e continua não tendo investimento de risco para todos: boas empresas e empreendedores também quebram por falta de dinheiro e de investidores.
Se sua empresa não conseguiu captar este ano e te forçou a refazer todos os planos para crescer sem adição de capital, isso não significa que sua solução não é boa ou o negócio não é sustentável no longo prazo. Também não significa que você é um empreendedor ou empreendedora sem garra ou poder de execução.
A sua empresa pode quebrar ainda que seja boa, e é o que acontece com milhares de empreendedores no Brasil, em que pelo menos 75% das startups fecham nos primeiros três anos, de acordo com Sebrae. Foque seus esforços na sua esfera de influência e não internalize falas vazias de mercado que apenas servem para dar uma falsa sensação de meritocracia a quem tem acesso ao capital.
*Itali Collini é economista, investidora anjo e diretora da Potencia Ventures
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