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ESG: O desafio global de produzir comida sem exaurir o planeta

Série de TV da Fundação Ellen MacArthur conta a história de empresas brasileiras e colombianas que estão fazendo a diferença com o design circular de alimentos

Gôndolas do Carrefour, gigante varejista que criou em 2018 o Movimento Act for Food (Bússola/Reprodução)
Renato Krausz

Sócio-diretor da Loures Consultoria - Colunista Bússola

Publicado em 4 de maio de 2023 às 10h33.

Última atualização em 6 de novembro de 2023 às 17h44.

A produção de alimentos no mundo carrega dilemas inescrutáveis. Sem ela, a humanidade deixaria de existir antes do Natal, no máximo em algumas semanas após o fim dos estoques de comida. Com ela, por outro lado, o planeta vai se exaurindo aos poucos, o que também deixa a nossa espécie – e as outras – em risco.

Essa produção mundial de alimentos é responsável por 1/3 das emissões de gases do efeito estufa, por metade da pressão que o ser humano exerce sobre a biodiversidade e por 80% do desmatamento no mundo. Sem falar que, a despeito de toda a fartura, essa produção não se presta a alimentar toda a gente.

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Como lidar com uma coisa cuja ausência nos mata rápido e cuja existência nos extingue devagar? É preciso agir para transformá-la. Fazer com que deixe de ser parte do problema e se torne parte da solução. É aí que entra o design circular de alimentos. Trata-se de criar produtos alimentícios que, em vez de boicotar a natureza, ajudem-na a florescer.

A Fundação Ellen MacArthur lançou no fim do mês passado a série documental Design circular de alimentos – repensando produtos para regenerar a natureza, com cinco episódios, todos com menos de 15 minutos, que contam a história de empresas colombianas e brasileiras que se lançaram nessa jornada de repensar seus produtos e/ou suas cadeias de suprimentos.

A aventura começa em Ventaquemada, no norte colombiano, com a Tesoros Nativos, que produz e entrega em todo o país diversas modalidades de batatas nativas. Detalhe: existem mais de 4.500 variedades de batatas no mundo, e a grande maioria delas possui mais cálcio, proteína e vitamina A do que aquela clássica e onipresente batata inglesa branca.

Já na capital Bogotá, a série apresenta a Selva Nevada, um fabricante de sorvetes e polpas que usa exclusivamente frutos da biodiversidade colombiana. A empresa compra apenas de pequenos produtores, cuja atividade inescapavelmente ajuda no reflorestamento dos bosques. Um desses produtores é a Frutos del Bosque Seco, em Sincelejo, na costa atlântica do país. Em 2015, ela iniciou a venda para a Selva Nevada de 300 kg por ano do corozo, uma fruta que lembra o açaí e o camu-camu. Em 2022, já vendia duas toneladas por mês.

Ainda nesse assunto de frutos nativos, pulamos para Novo Airão, no estado brasileiro do Amazonas, onde a Coca-Cola criou em 2016 o projeto Olhos da Floresta, para desenvolver a cadeia do guaraná local. A esta altura já ficou claro que é fundamental entrar na floresta e trazer o melhor de sua biodiversidade, com ingredientes os mais variados, todos capazes de aliar desenvolvimento econômico e preservação.

Para isso é necessário criar mercados éticos que conectem os povos da floresta com as cidades. É exatamente isso o que faz a Imaflora, que criou no Xingu a Rede Origens Brasil, que hoje opera em 33 áreas protegidas que somam um total de 56 milhões de hectares, com mais de 2.800 produtores de 63 diferentes etnias, que falam mais de 40 línguas.

Castanha que vem de uma das 33 áreas protegidas nas quais a Imaflora promove o desenvolvimento econômico com cerca de 2.800 produtores (Bússola)

E do lado de cá, das cidades, estão 35 empresas que adquirem esses produtos, a exemplo da Wickbold, que desde 2016 já comprou 865 toneladas de castanhas dessas áreas protegidas. Elas são usadas no pão Castanha-do-Pará & Quinoa, um dos mais vendidos da marca. É tanta castanha que a Wickbold não compra de uma comunidade apenas, compra de um coletivo de comunidades.

Outra empresa é a Mãe Terra, que compra ingredientes de vários biomas brasileiros, preferencialmente os que são capazes de causar mais impacto positivo. O Ritto, um arroz para risoto da marca, leva nada menos que 15 espécies de cogumelos Yanomami.

Ok, beleza, ninguém duvida que aproveitar a biodiversidade é fundamental para preservar a floresta, manter os moradores no local, promover um desenvolvimento econômico que diminua nossas enormes desigualdades e descarbonizar geral. Mas o que fazer diante da necessidade de termos grandes cultivos em escala? Neste ponto, a séria da Fundação Ellen MacArthur passa a falar de agricultura regenerativa.

Plantio de hortaliças em Cajuru, no interior de São Paulo (Bússola)

A Nespresso embarcou nessa para dar uma resposta ao desafio global das mudanças climáticas. E o Brasil foi o país em que a marca mais deslanchou com isso. Entre os 1.200 produtores nacionais que fornecem para a Nespresso, a startup reNature mapeou os dez mais inovadores e iniciou um projeto piloto em 2021. A fazenda mais representativa foi a Guima Café, no cerrado mineiro, que adota práticas de arborização entre os cafezais e outras soluções biológicas que deixam o solo tinindo, como o uso do nabo-forrageiro, que descompacta a terra e reduz bastante a necessidade de fertilizantes.

Outra empresa, a Rizoma, focada em agricultura regenerativa de grande escala, implementou em locais como a Fazenda da Toca um sistema agroflorestal que mistura produção de citros com árvores de outras espécies, cada uma com um benefício específico para todo o sistema. A melhoria nos indicadores ambientais salta aos olhos. Hoje o solo ali tem de 3 a 4 vezes mais carbono do que antes e está muito mais vivo e esponjoso.

Agora de nada adiantaria tudo isso se os varejistas não abrissem espaço a esses produtos. De acordo com o relatório “O Grande Redesenho de Alimentos”, também da Fundação Ellen MacArthur, as 10 maiores empresas de alimentos e supermercados europeus influenciam 40% da área agricultável do continente.

O último episódio da série conta a história da Viva Floresta, plataforma de e-commerce catarinense que leva ao mercado diversos tesouros da natureza, e do Carrefour, que em 2018 criou o movimento Act for Food, por meio do qual as prateleiras passam a ser vitrines de diversas cadeias de produção. Hoje, grande parte do portfólio de produtos da gigante varejista ajuda na preservação natural dos biomas.

Como diz na série o diretor do Carrefour Lúcio Vicente Silva, “não é questão de estratégia, é de responsabilidade com o futuro. Temos poder de dar visibilidade para produtos que impactam positivamente a natureza, impactam a vida das pessoas, a saúde de todo mundo. No longo prazo o que vai acontecer é a exclusão de produtos que não têm esse propósito”.

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