A política profissional da antipolítica
Coluna semanal do analista Márcio de Freitas comenta os temas mais debatidos entre os poderes em Brasília
Mariana Martucci
Publicado em 28 de janeiro de 2021 às 19h51.
Última atualização em 28 de janeiro de 2021 às 20h11.
Sem um microscópio é impossível enxergar a diferença entre um político e um antipolítico depois de eleitos. Com o microscópio, descobre-se que não existem diferenças. E os fatos explicam essa dinâmica mais do que as especulações.
O presidente Jair Bolsonaro era um deputado no sétimo mandato quando se candidatou ao mais alto cargo eletivo do país para mudar “tudo isso que está aí, tá ok?” Hoje articula a eleição de Arthur Lira, líder do PP, para a presidência da Câmara, e Rodrigo Pacheco (DEM) ao Senado. E o faz de forma pública e transparente, com liberação de emendas, sinalização de espaços no governo e atendimento de muitas demandas parlamentares.
Política pura, que respeita todas as regras do jogo permitido pelo diário oficial, apesar do esgar dos puristas. E tudo com muito cálculo, pois o apoio oferecido hoje será cobrado amanhã com juros de agiota amigo.
Outro que se alçou na onda #abaixoapolítica foi o governador de São Paulo, João Doria. Primeiro acelerou na prefeitura de São Paulo, que deixou rapidamente por uma cadeira maior, o governo de São Paulo. A curta e bem-sucedida carreira eleitoral o projetou como aliado inicial do presidente Bolsonaro. De olho num assento mais confortável, Doria só pensa na cadeira mais importante do Palácio do Planalto. Eis aí a briga de recentes compadres da campanha bolsodoria de 2018: só um pode ocupar esse lugar, como dita a regra da física. Quando outra ciência entra na seara política, é a arte da guerra que dita a regra dos movimentos.
Doria tenta se projetar na política com a vacina Coronavac, a primeira a chegar ao Brasil e começar a imunizar os brasileiros contra a covid-19. Em todas as suas declarações a favor da vacina, o governador paulista jogou Bolsonaro do outro lado do ringue — dos contrários. E politizou o assunto, antagonizando com o presidente o mais que pôde. Sempre colocando em dúvida o esforço do governo federal e tentando colar em Bolsonaro a pecha de negacionista.
Não que o presidente tenha evitado a polêmica, muito pelo contrário, sempre que provocado esticava ainda mais a propriedade ativa da discussão e rebatia Doria. E alimentou o vírus da dúvida sobre a qualidade da vacina e sua origem chinesa. Nada que depois não pudesse ser completamente esquecido pelo governo e deixado no acostamento pelo presidente, que virou tudo de ponta cabeça para conseguir viabilizar a vacina de Oxford também dependente de insumos da China.
Agora em outra estrada, Bolsonaro pavimenta novas polêmicas. Pauta sua militância em redes sociais e no mundo real, todos os dias no cercadinho do Alvorada ou em qualquer lugar onde a câmera de um celular alcance.
Mesmo com atraso, o governo federal faz os movimentos na direção idêntica à tomada pela gestão paulista. E assim o meio de campo ficou embolado na resultante final para o cidadão comum. Quem se vacina não pergunta de quem é a seringa: municipal, estadual ou federal. Até agora, as pesquisas não indicam perdas definitivas ao presidente nem ganhos eternos ao governador Doria. A queda da popularidade de Bolsonaro nos levantamentos é muito mais reflexo do fim do auxílio emergencial. A se ver nas aferições futuras.
Os chutes abaixo da linha de cintura desse antagonismo só são bons para os cartunistas e os memes de redes sociais. Envolvem desde a indumentária justa do governador até o ataque contra a mídia numa escatologia que inclui até cenas censuradas com leite condensado. Polêmicas que não entram no essencial: como superar a crise sanitária e os danos à economia que se juntam às mortes de milhares de brasileiros?
É esse o problema sem resposta. Tivemos paliativos, mas que custaram bilhões aos cofres do Tesouro Nacional. De um déficit previsto inicialmente de 150 bilhões de reais, saltou-se para mais de 800 bilhões de reais no ano passado. E neste ano já se fala em começar a discussão sobre mais despesas, que virão de forma inexorável, assim como o vírus continuará sem piedade a ceifar vidas de muitos brasileiros.
A antipolítica não tem respostas para essa crise. A solução tem de vir dos políticos, sejam eles profissionais ou amadores — cujas diferenças também não são captadas pelos microscópios. Quem conseguir apontar o caminho para sair desse beco terá grandes chances de vencer em 2022.
*Analista Político da FSB Comunicação
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