Exame Logo

Sírios no Brasil dizem que futebol ajuda a esquecer guerra

O futebol tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam acolhidas, diz funcionário de ONG que ajuda refugiados no Brasil

Refugiados no Brasil (AP Photo)
DR

Da Redação

Publicado em 4 de outubro de 2015 às 13h29.

São Paulo - O ex-jogador de futebol Mohamad Abdulsalam Alshehabi foi obrigado a interromper uma carreira promissora como principal armador do Liberdade, time de segunda divisão da Síria , por causa da guerra civil.

Deixou pai, mãe e oito irmãos e percorreu Turquia, Líbano e Jordânia até chegar ao Brasil no ano passado. Bem que tentou ser jogador aqui, mas sentiu o baque.

"Fiquei muito tempo sem jogar", resume. Hoje encontrou refúgio nos campos de várzea de Guarulhos (SP). Como ainda toma muitos dribles no português e não arrumou namorada, Abdul transformou o futebol no caminho para fazer amigos e se integrar.

Para George Azar, Majed Ibrahem e Osama Alshaikh, o futebol fez o sentido contrário. Passou de lazer na Síria para ser a fonte de sustento no Brasil. Os três também deixaram os conflitos no ano passado e acabaram contratados pelo Atlético Mineiro.

Graças à ajuda do presidente do Conselho Deliberativo e cônsul da Síria, Emir Cadar, e à estreita ligação do clube com a comunidade árabe, eles conseguiram empregos na área de limpeza da sede administrativa do Atlético, no bairro de Lourdes, em Belo Horizonte.

Para Mohamad El Kadri, responsável pelas relações institucionais da ONG Oásis Solidário (Associação de Assistência a Refugiados no Brasil), a principal entidade de apoio aos sírios, o futebol permite integração, lazer e alegria para os sírios. Atualmente, são 2.077 no Brasil, 600 deles em São Paulo.

"Como fazer para acolher pessoas que perderam a casa, parte da família e estão reconstruindo a vida em um país diferente? O futebol tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam acolhidas. Traz alegria, festa e lazer. É uma forma de esquecer a dor da guerra", disse El Kadri.

Sheikh Mohamad Al Bukai, diretor de Assuntos Islâmicos da União Nacional das Entidades Islâmicas, assina embaixo. "O futebol pode nos aproximar bastante dos brasileiros".

Essa percepção dos líderes foi colocada à prova na última quinta-feira no Pacaembu. Um grupo de 100 refugiados sírios foi convidado pelo Santos para assistir à partida contra o Figueirense, pela Copa do Brasil.

Deu certo. Homens, mulheres e crianças chegaram um pouco assustados, era a primeira vez da maioria em um estádio. Muitos diziam que não gostavam de futebol. Mas só até a página 2. Antes de o jogo começar, já tiraram uma selfie atrás da outra.

Na metade do primeiro tempo, já estavam cantando e dançando. Sem o timing certo para puxar as músicas, o grupo transformou o setor manga do Pacaembu e roubou a cena do jogo modorrento, principalmente no primeiro tempo. As cadeiras viraram o palanque para a festa. "Não sabia que era um lugar com tanta alegria", contou Ali Alkaddam.

A mesma festa já havia acontecido na Vila Belmiro. Também por iniciativa do clube santista, outro grupo de refugiados assistiu ao jogo contra o Internacional e visitou o Memorial das Conquistas.

O apoio aos refugiados faz parte do projeto de Responsabilidade Social do Santos chamado "Muito Além do Futebol" em que procura fortalecer sua imagem institucional e a influenciar seus torcedores de um jeito positivo.

Em julho, os jogadores do Avaí tiveram um propósito parecido em relação à comunidade haitiana, que vem crescendo em Santa Catarina. Contra o Cruzeiro, os atletas usaram um uniforme com a inscrição linyon, ou "união" na língua crioula, e 60 haitianos assistiram ao jogo em uma sala vip da Ressacada.

"Paramos guerra. Lutamos pela paz. É uma abertura simbólica a todos aqueles que sofrem os terrores da guerra", declarou o presidente do Santos, Modesto Roma Júnior.

Quando Modesto fala que o Santos parou uma guerra não se trata só uma frase de efeito. Em 1969, o Santos fez uma excursão pela África e levou raros momentos de felicidade para regiões devastadas pelas batalhas. Duas guerras civis, no Congo e na Nigéria, foram paralisadas para que os moradores pudessem assistir aos jogos do time de Pelé em um período de 10 dias.

RANKING

O futebol encanta os sírios mais pela festa coletiva do que pelo que acontece dentro de campo. A maioria aplaude até lateral para o Santos porque o futebol não chega a ser uma paixão na Síria.

Também pudera. Atualmente, o país ocupa o 123.º lugar no ranking da Fifa e nunca participou de uma Copa do Mundo.

Incrivelmente, o torneio local não foi interrompido e as partidas ocorrem quase exclusivamente nas áreas controladas pelo regime como Damasco, Hama e Latakia.

Adbul, o ex-jogador lá do início, fala que não dá para comparar o seu time, o Liberdade, com os grandes clubes de São Paulo. Diz que gostaria muito de ir a um estádio. Ele não acompanhou seus conterrâneos à Vila Belmiro e ao Pacaembu porque tinha de trabalhar.

"Amo o futebol, mas tenho de amar o trabalho também. Aluguel é caro no Brasil".

Veja também

São Paulo - O ex-jogador de futebol Mohamad Abdulsalam Alshehabi foi obrigado a interromper uma carreira promissora como principal armador do Liberdade, time de segunda divisão da Síria , por causa da guerra civil.

Deixou pai, mãe e oito irmãos e percorreu Turquia, Líbano e Jordânia até chegar ao Brasil no ano passado. Bem que tentou ser jogador aqui, mas sentiu o baque.

"Fiquei muito tempo sem jogar", resume. Hoje encontrou refúgio nos campos de várzea de Guarulhos (SP). Como ainda toma muitos dribles no português e não arrumou namorada, Abdul transformou o futebol no caminho para fazer amigos e se integrar.

Para George Azar, Majed Ibrahem e Osama Alshaikh, o futebol fez o sentido contrário. Passou de lazer na Síria para ser a fonte de sustento no Brasil. Os três também deixaram os conflitos no ano passado e acabaram contratados pelo Atlético Mineiro.

Graças à ajuda do presidente do Conselho Deliberativo e cônsul da Síria, Emir Cadar, e à estreita ligação do clube com a comunidade árabe, eles conseguiram empregos na área de limpeza da sede administrativa do Atlético, no bairro de Lourdes, em Belo Horizonte.

Para Mohamad El Kadri, responsável pelas relações institucionais da ONG Oásis Solidário (Associação de Assistência a Refugiados no Brasil), a principal entidade de apoio aos sírios, o futebol permite integração, lazer e alegria para os sírios. Atualmente, são 2.077 no Brasil, 600 deles em São Paulo.

"Como fazer para acolher pessoas que perderam a casa, parte da família e estão reconstruindo a vida em um país diferente? O futebol tem o poder de fazer com que as pessoas se sintam acolhidas. Traz alegria, festa e lazer. É uma forma de esquecer a dor da guerra", disse El Kadri.

Sheikh Mohamad Al Bukai, diretor de Assuntos Islâmicos da União Nacional das Entidades Islâmicas, assina embaixo. "O futebol pode nos aproximar bastante dos brasileiros".

Essa percepção dos líderes foi colocada à prova na última quinta-feira no Pacaembu. Um grupo de 100 refugiados sírios foi convidado pelo Santos para assistir à partida contra o Figueirense, pela Copa do Brasil.

Deu certo. Homens, mulheres e crianças chegaram um pouco assustados, era a primeira vez da maioria em um estádio. Muitos diziam que não gostavam de futebol. Mas só até a página 2. Antes de o jogo começar, já tiraram uma selfie atrás da outra.

Na metade do primeiro tempo, já estavam cantando e dançando. Sem o timing certo para puxar as músicas, o grupo transformou o setor manga do Pacaembu e roubou a cena do jogo modorrento, principalmente no primeiro tempo. As cadeiras viraram o palanque para a festa. "Não sabia que era um lugar com tanta alegria", contou Ali Alkaddam.

A mesma festa já havia acontecido na Vila Belmiro. Também por iniciativa do clube santista, outro grupo de refugiados assistiu ao jogo contra o Internacional e visitou o Memorial das Conquistas.

O apoio aos refugiados faz parte do projeto de Responsabilidade Social do Santos chamado "Muito Além do Futebol" em que procura fortalecer sua imagem institucional e a influenciar seus torcedores de um jeito positivo.

Em julho, os jogadores do Avaí tiveram um propósito parecido em relação à comunidade haitiana, que vem crescendo em Santa Catarina. Contra o Cruzeiro, os atletas usaram um uniforme com a inscrição linyon, ou "união" na língua crioula, e 60 haitianos assistiram ao jogo em uma sala vip da Ressacada.

"Paramos guerra. Lutamos pela paz. É uma abertura simbólica a todos aqueles que sofrem os terrores da guerra", declarou o presidente do Santos, Modesto Roma Júnior.

Quando Modesto fala que o Santos parou uma guerra não se trata só uma frase de efeito. Em 1969, o Santos fez uma excursão pela África e levou raros momentos de felicidade para regiões devastadas pelas batalhas. Duas guerras civis, no Congo e na Nigéria, foram paralisadas para que os moradores pudessem assistir aos jogos do time de Pelé em um período de 10 dias.

RANKING

O futebol encanta os sírios mais pela festa coletiva do que pelo que acontece dentro de campo. A maioria aplaude até lateral para o Santos porque o futebol não chega a ser uma paixão na Síria.

Também pudera. Atualmente, o país ocupa o 123.º lugar no ranking da Fifa e nunca participou de uma Copa do Mundo.

Incrivelmente, o torneio local não foi interrompido e as partidas ocorrem quase exclusivamente nas áreas controladas pelo regime como Damasco, Hama e Latakia.

Adbul, o ex-jogador lá do início, fala que não dá para comparar o seu time, o Liberdade, com os grandes clubes de São Paulo. Diz que gostaria muito de ir a um estádio. Ele não acompanhou seus conterrâneos à Vila Belmiro e ao Pacaembu porque tinha de trabalhar.

"Amo o futebol, mas tenho de amar o trabalho também. Aluguel é caro no Brasil".

Acompanhe tudo sobre:EsportesFutebolRefugiadosSíria

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Brasil

Mais na Exame