Secretário da Cultura anuncia saída em protesto à censura de filmes LGBT
Em entrevista a EXAME, Pires afirmou que não irá "chancelar a censura" que vem ocorrendo em produções culturais no governo Bolsonaro
Clara Cerioni
Publicado em 21 de agosto de 2019 às 17h33.
Última atualização em 21 de agosto de 2019 às 17h55.
São Paulo — O secretário de Cultura do governo de Jair Bolsonaro, Henrique Pires, anunciou nesta quarta-feira (21) que deixará o cargo do órgão, vinculado ao Ministério da Cidadania, chefiado por Osmar Terra.
A decisão vem no mesmo dia em que o ministro suspendeu um edital para selecionar séries com temática LGBT para emissoras públicas de televisão. A suspensão foi anunciada poucos dias depois de o presidente Jair Bolsonaro ter criticado projetos da temática que estavam pré-selecionados pelo programa.
Em entrevista a EXAME, Pires afirmou que não irá "chancelar a censura" que vem ocorrendo em produções culturais.
"Depois que o Supremo Tribunal Federal decidiu que crime de homofobia é igual ao crime de racismo, é inadmissível o governo usar critérios homofóbicos para decidir quem vai receber ou deixar de receber recursos públicos", disse.
Segundo Pires, o caso desse edital foi "emblemático", porque ele desmantela toda uma cadeira de produção que estava mobilizada desde o ano passado para a produção das séries.
"Não é só uma questão do conteúdo, mas também um problema econômico. Estamos com mais de 12 milhões de desempregados e a produção cultural pode impactar positivamente na redução dessa estatística".
Desde que assumiu o cargo de secretário, Pires disse que vinha atuando para pacificar setores da Cultura.
Em nota, o Ministério da Cidadania afirmou que "o cargo foi pedido pelo ministro Osmar Terra na terça-feira (20), à noite, por entender que ele não estava desempenhando as políticas propostas pela pasta".
Disse, ainda, que o ex-secretário, "até ser comunicado da sua demissão, não manifestou qualquer discordância à frente da secretaria". O secretário-adjunto e secretário de Fomento e Incentivo à Cultura, José Paulo Soares Martins, assume o órgão.
Desde 2016, Pires chefiava o gabinete do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS). Ele égraduado em Estudos Sociais pelo Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel – RS), com especialização em formulação de políticas públicas pela Universidade de Salamanca (Espanha).
Na UFPel, foi diretor do Departamento de Arte e Cultura e atuou na criação dos cursos superiores de Cinema e Animação e Teatro.Também foi secretário municipal de comunicação de Pelotas e dirigiu fundações de cultura, entre elas o Instituto João Simões Lopes Neto.
Censuras
A censura do edital nesta quarta-feira não é a primeira do governo Bolsonaro, que assumiu há pouco mais de oito meses.
Em abril, o presidente mandou retirar do ar uma propaganda do Banco do Brasil sobre diversidade, que eraestrelada por atores e atrizes negros, outros tatuados, além de homens usando anéis e cabelos compridos. Na ocasião, o diretor de Comunicação e Marketing do banco foi demitido.
Nos últimos dois meses, o presidente também travou uma ofensiva contra Ancine. Ele criticou o uso do dinheiro público para fazer "filmes pornográficos", como Bruna Surfistinha, e defendeu que o cinema brasileiro passe a falar dos "heróis brasileiros".
“Nós não queremos nem censuraremos ninguém, mas não admitiremos que a Ancine faça peças ditas culturais que vão contra os interesses e nossa tradição judaico-cristã”, afirmou em uma de suas transmissões.
Bolsonaro já disse em entrevistas que é “homofóbico, com muito orgulho” e que preferia ter um filho morto a um filho homossexual, entre outras declarações homofóbicas recorrentes em sua trajetória.