Por que o homem que atacou Bolsonaro pode dar entrevista, mas Lula não?
Adélio Bispo deve ser entrevistado pelo SBT e pela revista VEJA nesta quinta-feira (27)
João Pedro Caleiro
Publicado em 26 de setembro de 2018 às 21h06.
Última atualização em 27 de setembro de 2018 às 13h29.
São Paulo - Adélio Bispo de Oliveira, de 40 anos, foi alçado ao centro do debate nacional no último dia 06, quando desferiu uma facada no candidato Jair Bolsonaro (PSL) durante uma passeata em Juiz de Fora (MG).
Ele foi preso em flagrante e transferido, dois dias depois, para um presídio federal de Campo Grande a pedido da sua própria defesa (Minas Gerais não tem presídio federal).
É onde ele será entrevistado, nesta quinta-feira (27) pelo jornalista Roberto Cabrini para o Conexão Repórter, do SBT. O canal só não confirma a data de exibição (o programa passa às segundas-feiras).
A revista VEJA também recebeu permissão para uma entrevista no mesmo dia, mas outros pedidos foram negados, como do jornal O Globo, alegando preservação do acusado.
Dúvidas
Uma pessoa detida pode dar entrevista? Depende do juiz; advogados ouvidos por EXAME apontam que não há legislação específica sobre o tema e as decisões são feitas caso a caso, considerando a manutenção da ordem interna do presídio e um possível prejuízo da pena.
O artigo 41 da Lei de Execução Penal prevê apenas o "contato com o mundo exterior por meio de correspondência escrita, da leitura e de outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes" como direito do preso.
Há exemplos notórios de entrevistas realizadas com detidos no Brasil, como a do líder do PCC, Marco Willians Herbas Camacho (o Marcola) ao jornal O Globo em março de 2014, e do traficante Fernandinho Beira-Mar para a TV Record em junho de 2017.
Outros casos de criminosos famosos que receberam a imprensa na prisão foram doex-médico e estuprador, Roger Abdelmassih, de Suzane von Richthofen, que matou os pais, do ex-prefeito e deputado Paulo Maluf e do traficante Nem da Rocinha.
No caso de Adélio, a decisão foi tomada por Bruno Savino, da 3ª Vara da Justiça Federal em Juiz de Fora, que a remeteu para aprovação do juiz corregedor federal de Campo Grande e da direção do presídio.
"Uma vez que as próprias partes não se opõem à realização da entrevista, não há motivo para que este juízo impeça a realização do ato ou qualquer outro contato do investigado com a imprensa", escreve Saviano na decisão.
Fernando Francischini, líder do PSL na Câmara dos Deputados, entrou com um pedido para impedir a entrevista, que foi negado por Saviano.
Durante entrevista coletiva na segunda-feira (26), em frente à sede da Polícia Federal, o tesoureiro nacional do Partido dos Trabalhadores (PT), Emídio de Souza, criticou a decisão, contrastando com o caso de Lula:
“Nos causa estranheza, no processo eleitoral, uma pessoa que fez o ato que fez, o que ele tem a dizer ao país? Preso em flagrante. E o Lula que tem todo o processo que teve, injusto, sem nenhuma prova, ele não pode falar ao país”.
Caso Lula
No dia 11 de julho, quatro pedidos de entrevistas com Lula em sua cela foram negados pela juíza federal substituta Carolina Moura Lebbos, da 12ª vara federal de Curitiba.
Ela é a responsável pela execução da pena do ex-presidente, então pré-candidato nas eleições 2018 e condenado por lavagem de dinheiro e corrupção passiva.
“As necessidades de preservação da segurança e da estabilidade do ambiente carcerário não permitem que o contato com o mundo exterior e o direito de expressão do condenado se concretizem pelas vias pretendidas, mediante realização de sabatinas/entrevistas, sequer contempladas na legislação”, escreve Lebbos na decisão.
Ela argumenta ainda que “autorização de tal natureza alteraria a rotina do local de cumprimento da pena, exigindo a alocação de agentes e recursos para preservação da segurança e fiscalização da regularidade da execução”.
Uma semana depois, a juíza negou um pedido do fotógrafo oficial de Lula, Ricardo Stuckert; ele afirmou que não seria para campanha e sim para mostrar como Lula estava.
Segundo a juíza, “o fato de terem sido eventualmente realizadas entrevistas com outros presos em regime fechado, pontualmente citados pelo agravante, de modo algum poderia significar autorização genérica ou precedente vinculativo”. UOL, Folha e SBT também tiveram pedidos negados.
Facada
A PF pediu, no último sábado (20), mais quinze dias para concluir as investigações sobre a facada em Bolsonaro.
“A investigação, no entanto, aponta para atuação do que chamamos de ‘lobo solitário'”, disse uma fonte da PF para o Estadão Conteúdo, desmentindo boatos que circulam na internet.
Um depósito em espécie, em teoria anormal para o agressor, era referente a um acerto trabalhista. Já um cartão de crédito internacional, encontrado na pensão onde Adélio se hospedou, havia sido emitido automaticamente pela instituição bancária, mas nunca utilizado.
Bolsonaro, líder nas pesquisas em primeiro turno, segue no Hospital Israelita Albert Einstein com "boa evolução clínica sem dor, sem febre ou outros sinais de infecção", segundo o último boletim oficial.
Em sua primeira entrevista em vídeo após a facada, nesta semana, Bolsonaro disse não crer que Adélio tenha agido sozinho e sugeriu, sem apresentar provas, que PF age para "abafar o caso".
(Com agências e Clara Cerioni)