Orçamento Secreto: com nove votos em um placar de 5 a 4 no STF até o momento, a única certeza é que o instrumento usado nos últimos anos para distribuir recursos pelo parlamento será mudado (Ueslei Marcelino/Reuters)
Luciano Pádua
Publicado em 19 de dezembro de 2022 às 02h00.
Última atualização em 19 de dezembro de 2022 às 08h00.
Nesta segunda-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento das ações que questionam a constitucionalidade das emendas de relator (RP-9), conhecidas como orçamento secreto. Com nove votos em um placar de 5 a 4 até o momento, a única certeza é que o instrumento usado nos últimos anos para distribuir recursos pelo parlamento será mudado.
Faltam votar apenas os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. A sessão está marcada para as 10h.
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Em seu voto, a presidente do STF e relatora das ações, ministra Rosa Weber, argumentou que o caráter anônimo e sem identificação das emendas de relator é incompatível com a Constituição. Na sua visão, estão feridos os princípios da transparência, impessoalidade, moralidade e da publicidade. Para a ministra, as emendas RP-9 só podem ser utilizadas para a correção de erros e omissões na lei orçamentária.
Os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia acompanharam a relatora Rosa Weber e votaram pela inconstitucionalidade da norma. Já o ministro Alexandre de Moraes votou pelo estabelecimento de regras objetivas para a distribuição dos recursos.
Ou seja, como observado pelo analista Felipe Recondo, do portal JOTA, seis ministros votaram por um novo normal a partir de 2023. Na prática, o Supremo já formou maioria pela mudança na forma como o orçamento secreto é gerido.
Em seu voto, Moraes avaliou que a aprovação de verbas orçamentárias é uma atribuição do Congresso, mas é essencial a transparência na formulação dos pedidos e na destinação dos recursos provenientes das emendas de relator.
Por isso, propôs que as emendas RP-9, do orçamento secreto, devem ter o mesmo tratamento das emendas individuais (RP-6), respeitando-se a proporcionalidade entre maioria e minoria e das bancadas.
Em seus votos, os ministros André Mendonça, Kassio Nunes Marques e Dias Toffoli defenderam soluções semelhantes, mesmo que menos objetivas, de que o Congresso seja apenas obrigado a dar transparência aos repasses e adote uma série de critérios para a indicação de valores.
Os ministros do Supremo que ainda votarão, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, observam o cenário político para a retomada da análise na segunda-feira, 19. Na sexta-feira, 16, Lewandowski disse que a aprovação do projeto pelo Congresso será levada em consideração em seu voto.
“Nós paralisamos a nossa votação em homenagem ao Senado Federal, ao Congresso Nacional. Agora, temos uma resolução, estou tomando conhecimento agora de seu conteúdo e certamente nós levaremos essa resolução em consideração quando retornarmos o julgamento na 2ª feira que vem”, disse Lewandowski.
Na sexta-feira, 16, o Congresso Nacional aprovou, em votação remota, uma proposta que para dar transparência às emendas de relator-geral do Orçamento, as chamadas RP-9, mais conhecidas por orçamento secreto.
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O texto do senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator da proposta, prevê R$ 19 bilhões para o orçamento secreto em 2023 e instituiu regras de distribuição dos recursos das emendas de relator, que seguirão critérios de proporcionalidade e impessoalidade.
Esses recursos, segundo a proposta, serão distribuídos de acordo com a proporção das bancadas (80%) e reserva de outros 20% para as Mesas de ambas as Casas, para o relator-geral e o presidente da Comissão Mista de Orçamento.
As áreas de saúde e assistência social devem receber pelo menos 50% do valor das emendas de relator. As indicações devem conter o nome de um parlamentar, mesmo que os recursos sejam destinados para atender indicações de agentes públicos ou representantes da sociedade civil.
Os ministros do Supremo julgam quatro Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs) contra essa modalidade de emendas, a RP-9. As ações foram apresentadas pelos partidos PSB, Cidadania, Psol e Partido Verde. Eles questionam a não identificação dos proponentes das emendas e a falta de critérios sócio-econômicos na sua destinação.
Como mostrado por EXAME na edição de novembro, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) negociará com o Congresso mais influente desde a redemocratização do país. Pode-se chamar essa nova relação entre Executivo e Legislativo de um novo normal -- que está calcada no uso das emendas de relator para construção de governabilidade.
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Nos últimos anos, deputados e senadores aprovaram uma série de mudanças legais e constitucionais para garantir autonomia em relação ao Executivo. Aos poucos, decisões — especialmente orçamentárias — antes concentradas no Palácio do Planalto foram transferidas para os parlamentares.
O poder de barganha, antes exclusividade do Executivo, passou aos líderes do Congresso, personificados no relator-geral do Orçamento. Em vez de peregrinar nos ministérios, os parlamentares agora vão aos gabinetes do Congresso em busca de mais verbas para redutos eleitorais.
Esse movimento coincidiu com o aumento na parcela do Orçamento nas mãos do Congresso. Os valores repassados pelo relator bateram recorde no governo Bolsonaro. Em governos anteriores, os relatores definiram o destino de recursos discricionários de 5,8 bilhões de reais por ano, segundo cálculos de Faria. Durante o governo atual, essa média subiu para 26,1 bilhões de reais por ano.