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Operação no Jacarezinho é a mais letal da história do Rio

Incursão desta quinta-feira, ainda em andamento, já soma 25 mortos e pelo menos cinco feridos

(JOSE LUCENA/THENEWS2/Estadão Conteúdo)
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Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2021 às 20h31.

Última atualização em 7 de maio de 2021 às 08h15.

Agências O Globo e Estadão -- Com 25 mortes, a operação realizada pela Polícia Civil no Jacarezinho foi a ação policial mais letal da História do estado do Rio . Um agente morreu no confronto. Um levantamento feito pelo GLOBO com base nos microdados do Instituto de Segurança Pública (ISP) revela que, desde 2007, apenas um dia registrou uma quantidade de mortes decorrentes de intervenção policial maior do que as ocorridas nesta quinta-feira na favela da Zona Norte: 15 de outubro do ano passado, quando foram computados 25 homicídios em ações policiais. Esse total, entretanto, referia-se a oito ações diferentes espalhadas pelo estado.

A segunda ação policial com maior número de mortos aconteceu em 2007, no Complexo do Alemão. Ao todo, 19 pessoas foram mortas na ocasião. No entanto, nem todos os homicídios foram registrados como mortes decorrentes de ação policial, já que 13 corpos foram recolhidos pela própria polícia, e outros seis cadáveres foram deixados à noite numa van em frente à 22ª DP (Penha). A operação reuniu 1.350 policiais, entre civis, militares e soldados da Força Nacional.

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O segundo dia com mais casos de mortes pela polícia foi 2 de agosto de 2018, quando 21 pessoas foram mortas em 11 operações diferentes espalhadas pela Região Metropolitana. O terceiro dia foi 8 de fevereiro de 2019, ocasião em que 18 pessoas foram mortas em ações policiais. Treze das vítimas foram mortas pela PM dentro de uma casa no Morro do Fallet, na Região Central do Rio. O inquérito que investigou o caso foi arquivado em abril passado.

Já uma chacina durante uma operação da Polícia Civil em 1994 levou o Brasil a ser condenado na Corte Interamericana, em 2017. Foi a primeira vez que o país foi julgado e considerado culpado pelo tribunal internacional por não punir a violência policial. Na ocasião, 13 pessoas foram mortas no Complexo do Alemão. Apesar de as provas periciais apontarem para a execução das vítimas — uma delas, o protético Evandro de Oliveira, foi morta com um tiro em cada olho —, o caso só foi denunciado à Justiça em maio de 2013. Quatro policiais civis e dois militares foram reconhecidos como os responsáveis por capturar as vítimas, ainda com vida, em suas casas, e são réus pelos crimes.

A operação desta quinta-feira deixou também pelo menos cinco feridos até o início da tarde — entre os quais dois agentes alvejados durante o confronto, uma pessoa baleada no pé dentro de casa e dois passageiros atingidos por estilhaços no metrô. O impacto se estendeu até o entorno da comunidade, paralisando a circulação do trem e do metrô e impedindo o funcionamento de três unidades municipais de saúde próximas.

Dezenove mortos em 2007 no Alemão

Em junho de 2007, às vésperas do início dos Jogos Pan-Americanos no Rio, as polícias Civil e Militar realizaram uma das maiores operações no Complexo do Alemão, também na Zona Norte da cidade. A ação, que prometia um cerco ao tráfico de drogas do conjunto, terminou com 19 pessoas mortas e ao menos nove feridas.

Policiais civis e militares de várias delegacias e diversos batalhões formaram o contingente de 1.200 homens e, com o apoio de 150 agentes da Força Nacional de Segurança (FNS), atuaram por cerca de oito horas e apreenderam dezenas de armas e drogas.

Os confrontos aconteceram dentro do complexo, como nas comunidades da Fazendinha e da Grota e em um ponto conhecido como Areal. Na ocasião, inicialmente a Secretaria de Segurança confirmou a morte de 13 pessoas durante a operação. O número de óbitos aumentou por volta das 20h, quando seis corpos foram deixados em frente à 22ª DP (Penha). Um motorista de Kombi, que fazia lotada na região, foi obrigado a retirar os mortos do Complexo do Alemão, ao ser abordado por um grupo. Ele pediu ajuda a integrantes da Força Nacional de Segurança ao deixar a comunidade.

Confrontos no Jacarezinho

Nesta quinta-feira, dia 6, a operação da Polícia Civil no Jacarezinho teve como alvo uma organização criminosa que atua na comunidade e que seria responsável por homicídios, roubos, sequestros de trens da SuperVia e o aliciamento de crianças para atuarem no tráfico local. A ação foi chamada de Exceptis e é coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).

Um dos principais casos de operação policial na comunidade aconteceu em 28 de maio de 1997, quando a ação, que durou cerca de quatro horas, terminou com a morte de nove criminosos, entre eles José Kídgério Soares, o Rogerinho, apontado como chefe do tráfico no local. Um contingente com cerca de cem policiais — da Divisão de Repressão a Entorpecentes (DRE) e de quatro Batalhões da Polícia Militar — participou do cerco a uma casa que, segundo denúncias, servia de esconderijo para Rogerinho.

Durante a ação, seis criminosos foram mortos durante troca de tiros. Rogerinho, José Patrício Pereira e outro traficante identificado como Pedrinho invadiram um imóvel para se abrigar. Na época, de acordo com a polícia, houve negociação para rendição por cerca de uma hora. Neste tempo, uma granada foi lançada contra os agentes, que reagiram invadindo o imóvel e matando o trio.

MP vai abrir investigação independente

O Ministério Público do Estado do Rio Janeiro (MPRJ) afirmou, em nota, que, "desde o conhecimento das primeiras notícias referentes à realização da operação que vitimou 24 civis e um policial civil, vem adotando todas as medidas para a verificação dos fundamentos e circunstâncias que envolvem a operação e mortes decorrentes da intervenção policial, de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis".

A entidade afirmou ainda "que todas as apurações serão conduzidas em observância aos pressupostos de autonomia exigidos para o caso, de extrema e reconhecida gravidade".

O órgão disse ainda que o canal de atendimento de seu plantão recebeu, na tarde desta quinta-feira, notícias "sobre a ocorrência de abusos relacionados à operação em tela, que serão investigadas". Acrescentou que, ao saber dos fatos pela imprensa e pelas redes sociais, começou a atuação da Coordenação de Segurança Pública, do Grupo Temático Temporário e da Promotoria de Investigação Penal.

O MPRJ revelou que foi comunicado da operação logo após o seu início, e a informação foi recebida às 9h. "A motivação apontada para a realização da operação se reporta ao cumprimento de mandados judiciais — processo 0158323-03.2020.8.19.0001 — de prisão preventiva e de buscas e apreensão no interior da comunidade, sabidamente dominada por facção criminosa".

De acordo com o MP, a justificativa da Polícia Civil para a operação foi "a extrema violência imposta pela organização criminosa como elemento ensejador da urgência e excepcionalidade para realização da operação, elencando a 'prática reiterada do tráfico de drogas, inclusive com a prática de homicídios, com constantes violação aos direitos fundamentais de crianças e adolescentes e demais moradores que residem nessas comunidades". Ainda segundo a instituição, a polícia indicou "a existência de informação de inteligência que indicaria o local de guarda de armas de fogo e drogas".

O MP também esclareceu que "a realização de operações policiais não requer prévia autorização ou anuência por parte do Ministério Público, mas sim a comunicação de sua realização e justificativa em atendimento aos comandos expressos do Supremo Tribunal Federal"

Pedido de explicações da Câmara

Presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Câmara Municipal, a vereadora Teresa Bergher (Cidadania) afirmou, em nota, que vai acompanhar e cobrar explicações dos setores de segurança pública do estado sobre a operação policial. Ela afirmou que é preciso "cobrar da polícia um mínimo de inteligência, para evitar novos banhos de sangue, que não resolvem absolutamente nada".

“Precisamos saber se houve arbitrariedades porque ao menos 25 pessoas morreram. E isso é assustador. Uma chacina. Lamentamos todas estas mortes e também a do policial civil, claro. Não dá para dizer que deu certo uma ação em que tantas pessoas morrem e que pôs em risco a vida de inocentes, tanto na comunidade quanto os que estavam no metrô. Precisamos cobrar da polícia um mínimo de inteligência, para evitar novos banhos de sangue, que não resolvem absolutamente nada. É difícil de entender que esta região, justamente onde fica a cidade da polícia, seja tão violenta”, afirmou a vereadora na nota.

Defensoria acompanha ação policial

A Defensoria Pública do Rio de Janeiro disse em nota que "está acompanhando com muita atenção os desdobramentos da operação policial". "Neste momento, a instituição está no local, por meio de sua Ouvidoria e do Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos, ouvindo os moradores e apurando as circunstâncias da operação, a fim de avaliar as medidas individuais e coletivas a serem adotadas. Desde já, manifestamos nosso pesar e solidariedade aos familiares de todas as vítimas de mais essa tragédia a acometer nosso estado", disse o órgão estadual, em nota.

Moradores com medo

A operação da Polícia Civil levou medo aos moradores e mais uma vez mudou a rotina, com confronto entre agentes e criminosos desde o início da manhã desta quinta-feira. Nas redes sociais, moradores e pessoas que passavam pela região compartilharam relatos. De acordo com a corporação, 25 pessoas morreram — entre elas, um policial civil atingido por um tiro na cabeça — e cinco ficaram feridas, sendo duas delas num trem do metrô que passava pela região.

A operação, segundo a polícia, teve como alvo uma organização criminosa que atua na comunidade e que seria responsável por homicídios, roubos, sequestros de trens da SuperVia e o aliciamento de crianças para atuarem no tráfico local. A ação foi chamada de Exceptis e é coordenada pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). Agentes percorrem diferentes pontos da comunidade com auxílio de blindados, em viaturas e a pé.

A violência também se espalhou para os arredores da região. No início da manhã, por volta das 6h, dois passageiros foram feridos quando uma composição do metrô passava pela estação Triagem e, segundo a concessionária, um vidro se estilhaçou ao ser atingido. A circulação da linha 2 foi interrompida, e retomada às 7h15. A SuperVia também interrompeu a circulação por alguns trechos, retomada por volta das 10h.

Quem precisou passar pelo entorno também se deparou com a operação em curso, em meio ao confronto entre policiais e criminosos, como relatou um internauta no Twitter:

"No caminho ao trabalho, a van onde eu estava deu de cara com 5 viaturas e um caveirão que estavam subindo o acesso ao Jacarezinho em Maria da Graça. Logo depois, os tiros começaram a voar", escreveu.

Moradores, que podiam permanecer em casa, evitaram sair em meio ao confronto.

"Em casa. Operação no Jacarezinho me impede de sair. Só Deus na causa!", escreveu uma moradora.

Outra disse:

"Que Deus guarde o Jacarezinho! Não consegui até agora ir trabalhar."

Pessoas que trabalham na comunidade também não se arriscaram:

"E eu que trabalho na entrada do jacarezinho, e tô aqui arrumada olhando a reportagem da operação", contou uma mulher.

"Moro em Maria da Graça e acordei 6h com o barulho dos helicópteros e tiros. A gente já acorda no susto e rezando pra ninguém se ferir", contou uma mulher numa rede social.

Fachin pauta julgamento sobre plano de redução da letalidade policial

O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, pautou para o próximo dia 21 o julgamento de recurso do PSB sobre a elaboração de um plano de redução da letalidade policial. O ministro colocou o tema em discussão no plenário virtual da Corte após operação da Polícia Civil deixar ao menos 25 mortos no Jacarezinho, na zona norte do Rio, na manhã desta quinta-feira, 6.

O PSB pede ao Supremo que determine ao governo do Rio a elaboração de um plano para reduzir mortes em ações policiais, além de suspender o sigilo de todos os protocolos de atuação policial no Estado. A legenda também busca a prioridade de tramitação das investigações do Ministério Público em casos de vítimas adolescentes.

O plenário do STF determinou no ano passado a suspensão das operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia, referendando liminar proferida por Fachin em junho sobre o assunto. A decisão fixou que as incursões só poderiam ser realizadas em casos excepcionais, com acompanhamento do Ministério Público.

Na ocasião, o julgamento ocorreu após o assassinato de João Pedro Mattos, de 14 anos, morto com um tiro nas costas dentro de casa no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Outro adolescente João Vitor Gomes da Rocha, 18, foi morto durante uma operação policial na Cidade de Deus, zona oeste da capital, durante a distribuição de cestas básicas.

Fachin argumentou em agosto que as operações policiais realizadas em locais de grande aglomeração "ficam ainda mais arriscadas e fragilizam a já baixa accountability (prestação de contas) que deveria pautar a atuação de todos os agentes públicos".

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