Operação investiga contratos firmados entre 2009 e 2019, durante as gestões de Eduardo Paes e Marcelo Crivella (Fernando Frazão/Agência Brasil)
Agência O Globo
Publicado em 23 de julho de 2020 às 07h50.
Última atualização em 23 de julho de 2020 às 17h22.
O Ministério Público do Rio e a Polícia Civil fazem, nesta quinta-feira, uma operação que mira integrantes de uma organização criminosa que atua no Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (Iabas). Os agentes cumpriram cinco mandados de prisão preventiva. Entre os alvos estão o ex-controlador da Organização Social (OS), Luis Eduardo da Cruz, e a mulher dele, Simone Amaral da Silva Cruz. Eles foram presos. O Iabas também é suspeito de fraude na construção dos hospitais de campanha do Rio, em contrato com o governo estadual. A crise na saúde levou à abertura do processo de impeachment do governador Wilson Witzel na Assembleia Legislativa (Alerj).
De acordo com a Polícia Civil, a antiga gestão do Iabas recebeu, entre os anos de 2009 e início de 2019 — gestões de Eduardo Paes e Marcelo Crivella na Prefeitura do Rio —, R$ 4,3 bilhões em recursos públicos, mas nunca apresentou prestação de contas sobre a aplicação da verba na área de saúde pública. Desse montante, R$ 6,5 milhões teriam sido desviados. Ainda não se sabe quando o esquema começou.
Foram presos, no início da manhã, os empresários Marcos Duarte da Cruz — irmão de Luis — e Francesco Favorito Sciammarella Neto. Luis e Simone, que não estavam em casa, uma mansão na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, foram localizados em São Paulo, por agentes do Ministério Público e da Polícia Civil daquele estado. Eles já haviam sido presos em 2018, acusados de estarem envolvidos em esquema de desvio de verbas de contratos firmados entre o município do Rio e a Fundação Bio-Rio que teria ultrapassado os R$ 6 milhões.
Outro alvo da ação é Adriane Pereira Reis. Os presos nesta quinta-feira estão sendo levados para a Cidade da Polícia, no Jacarezinho, Zona Norte do Rio. Os crimes investigados são peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A Justiça expediu também 16 mandados de busca e apreensão em endereços ligados aos denunciados e a outros fornecedores da OS. Alguns mandados foram cumpridos em São Paulo com apoio do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) e da Polícia Civil de São Paulo — um deles na sede do Iabas.
Segundo o MP, os presos na operação estabeleceram o Iabas "sob o falso argumento de prestar serviços públicos de saúde, sendo utilizado, na verdade, para o cometimento de centenas de delitos de peculato e lavagem de dinheiro". O município do Rio, diz o MP, foi o que mais repassou valores para a OS. o dinheiro desviado dele, de acordo com a investigação, foi "a pretexto da execução de serviços de exames laboratoriais, jardinagem nas unidades de saúde, locação de veículos e manutenção predial por quatro fornecedores".
De acordo com a denúncia, o sistema montado pelo Iabas previa a assinatura de contratos de gestão com a administração pública. A partir do momento em que o dinheiro era recebido, acontecia o direcionamento das contratações de serviços e a compra de bens para empresas pré-selecionadas, comandadas pelo próprio grupo. Para completar a operação de desvio, eram realizados pagamentos superfaturados ou dissociados de contraprestação.
A investigação revelou ainda atos de lavagem de ativos, já que os valores retornavam aos principais dirigentes do Iabas. Isso acontecia por meio de empréstimos simulados, transações financeiras estruturadas e pagamentos de cheque fracionados, que tinham como destinatários finais funcionários ou parentes de Luis Eduardo, com o seu filho Daniel Murici Cruz, também denunciado pelo MP.
A investigação apura também o envolvimento de pelo menos quatro prestadores: Laboratório de Análises Clínica Ipanema LTDA; Arbóreas Consultoria e Execução de Projetos Ambientais; Escala X Arquitetura Manutenção e Design LTDA EPP; e Real Selection Comércio de Veículos LTD.
Além da capital fluminense, o Iabas fechou contratos com os estados do Rio de Janeiro, de Mato Grosso do Sul e com o município de São Paulo. Em abril de 2020, a organização já havia recebido aproximadamente R$ 5,2 bilhões de dinheiro público — cifra considerada "espantosa" pelo Ministério Público.
A Organização Social também foi contratada pelo Estado do Rio para o contrato emergencial número 027/2020, celebrado em 03/04/2020. O objetivo era a “prestação de serviços de implantação de 1.400 leitos em hospitais de campanha, para atendimento aos pacientes infectados com coronavírus”.
Em nota, a Prefeitura do Rio informou que "a gestão de Crivella desqualificou o Iabas e tirou o Iabas da Prefeitura do Rio". Segundo o informe, ao assumir, o atual prefeito "herdou a contratação do Iabas da gestão do prefeito anterior, Eduardo Paes". A nota frisa ainda que "Crivella desqualificou o Iabas após um processo com ampla defesa, por não atingir 50% das metas propostas no contrato de gestão. O motivo da desqualificação, portanto, foi má gestão dos recursos públicos, gerando desassistência aos usuários".
O informe encerra dizendo que "a desqualificação do Iabas foi publicada no DO (Diário Oficial) do município no dia 25 de abril de 2019" e destaca que "essa OS não tem mais contratos com a gestão municipal".
Por meio de nota, o Iabas afirmou que as investigações têm como foco os contratos de gestão com a Prefeitura do Rio que já não estão em vigência, não incluindo os referentes aos hospitais de campanha com o governo estadual firmados durante a pandemia da Covid-19. A OS afirma que "mantém estritos padrões de comportamento ético e legal e que presta regularmente contas de suas ações aos órgãos de controle das entidades contratantes e aos Tribunais de Contas" e que apenas informações de 2019 ainda estão sob análise.
Já Luis Eduardo Cruz não teria mais nenhuma relação com o instituto desde setembro de 2017. Confira a íntegra:
"O Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde (IABAS) informa que na manhã de hoje sua sede foi alvo de uma operação de busca e apreensão relativa a contratos de gestão com a Prefeitura do Rio de Janeiro, que não estão mais vigentes. A investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro não abrange os contratos dos hospitais de campanha com o governo do Rio de Janeiro, nem com os contratos mantidos com a Prefeitura de São Paulo e o governo do Mato Grosso.
O IABAS está colaborando com as autoridades, mas ressalta que mantém estritos padrões de coportamento ético e legal e que presta regularmente contas de suas ações aos órgãos de controle das entidades contratantes e aos Tribunais de Contas. Todas as suas prestações de contas relativas aos contratos com a Prefeitura do Rio foram aprovadas, apenas as informações de 2019 ainda estão sob análise.
O instituto aguarda o desenvolvimento das investigações para saber o que há de concreto nas ilações apresentadas pelo Ministério Público do Rio.
Por fim, o IABAS ressalta que Luiz Eduardo Cruz não possui mais nenhuma relação com o instituto desde setembro de 2017. A direção do IABAS desconhece que qualquer empresa ligada à família de Luiz Eduardo Cruz mantenha contrato com a instituição."
Em nota, Daniel Soranz, secretário de Saúde da gestão de Eduardo Paes, alega ter sempre agido com "transparência e lisura em todos os seus processos". E pede cautela para que julgamentos precipitados sejam evitados:
"A Secretaria Municipal de Saúde do Rio durante a gestão Eduardo Paes sempre atuou com transparência e lisura em todos os seus processos.
As empresas citadas ganharam processos licitatórios com comissões independentes e, diferentemente do momento atual, não receberam contratos emergenciais.
Deve-se ter cautela para evitar julgamentos precipitados e respeitar os processos jurídicos.
Daniel Soranz, ex-secretário municipal de saúde".