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Justiça rejeita denúncia de estupro sofrido por presa política

Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da unidade de tortura da ditadura conhecida como Casa da Morte, denunciou Antonio Waneir Pinheiro Lima por estupro

Inês Etienne Romeu: ela morreu há dois anos (Arquivo UFPR/Divulgação)

Inês Etienne Romeu: ela morreu há dois anos (Arquivo UFPR/Divulgação)

AB

Agência Brasil

Publicado em 9 de março de 2017 às 17h49.

Última atualização em 9 de março de 2017 às 17h49.

A Justiça Federal em Petrópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, rejeitou a denúncia do Ministério Público Federal (MPF) contra Antonio Waneir Pinheiro Lima, conhecido como Camarão, pelo estupro da ex-presa política Inês Etienne Romeu, única sobrevivente da unidade clandestina de tortura da ditadura militar conhecida como Casa da Morte. Inês morreu há dois anos.

O processo é de 2016 e a decisão foi publicada ontem (8). Na justificativa, o juiz Alcir Luiz Lopes Coelho cita a Lei nº 6.683/1979 (Lei da Anistia, para "crimes políticos ou conexo com estes" entre 1961 e 1979) e um decreto de 1895, afirmando que anistia, uma vez concedida, é irrevogável e assumida como direito adquirido.

"O denunciado é acusado de ter cometido, entre 01/06/1971 a 20/07/1971, crimes relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política", diz o juiz na decisão.

O magistrado argumenta que desrespeitar a anistia "ofende a dignidade humana" e que o crime estaria prescrito, portanto, estaria com a punibilidade duplamente extinta.

Ele ressalta que "a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu" e que, no caso, a denúncia faz o oposto, retroagindo para "prejudicar o acusado".

Coelho diz ainda que não há provas documentais dos fatos, apenas reportagens, entrevistas, "sentenças proferidas por tribunais de organismos estrangeiros" e que a depoente prestou queixa apenas 8 anos após o ocorrido.

Por fim, o juiz argumenta que Inês foi condenada na época da ditadura e cita o filósofo de discurso conservador Olavo de Carvalho.

"Ninguém é contra os 'direitos humanos', desde que sejam direitos humanos de verdade, compartilhados por todos os membros da sociedade, e não meros pretextos para dar vantagens a minorias selecionadas que servem aos interesses globalistas".

Pelas redes sociais, um dos autores da denúncia, o procurador da República no Rio de Janeiro Sérgio Suiama, classificou a decisão como "o terceiro estupro de Inês Etienne Romeu", destacando que a "lamentável sentença" foi publicada no Dia Internacional da Mulher e que o estupro dela não foi investigado até 2013.

"Graças à ordem judicial de busca e apreensão, pedida e cumprida pelo MPF na casa do coronel já falecido Paulo Malhães, foi possível, após quase três anos de investigações, descobrir a verdadeira identidade de 'Camarão', o militar Antonio Waneir Pinheiro Lima".

Suiama sustenta que "a decisão judicial ignora ou desqualifica todas as provas obtidas", inclusive a palavra da vítima, "dizendo que o fato só foi relatado após 8 anos do ocorrido, como se fosse possível à vítima ir a uma delegacia de polícia em 1971 registrar queixa contra os militares que a violentaram e torturaram".

"A única certeza do magistrado volta-se contra a vítima, por ele qualificada como uma terrorista perigosa, condenada pela Justiça Militar da ditadura a 10 anos de prisão por sequestro seguido de morte".

Sobre a citação de Olavo de Carvalho, o procurador diz que "como se trata de uma ação penal por crime de estupro, imagina-se que a 'vantagem' à 'minoria selecionada' seja o direito de todas as mulheres de não sofrerem violência sexual".

Segundo Suiama, o MPF vai recorrer da sentença.

Nota pública

A Câmara Criminal do Ministério Público Federal também se pronunciou sobre a sentença. Em nota, o órgão lembrou que a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) já afastou o argumento de anistia e prescrição para esse tipo de crime.

"O Ministério Público Federal, por intermédio de sua Câmara de Coordenação e Revisão em Matéria Criminal, lamenta veemente tal concepção, pois nenhuma mulher, ainda que presa ou condenada, merece ser estuprada, torturada ou morta. E tampouco pode o sistema de justiça negar desta maneira a proteção da lei contra ato qualificado no direito internacional como delito de lesa-humanidade".

Segundo a nota, o MPF aguarda que o Tribunal Regional Federal da 2ª Região "reforme a decisão teratológica, permitindo que os fatos denunciados sejam devidamente provados no âmbito de um devido processo legal, sempre negado aos que se opuseram ao regime ditatorial".

A nota é assinada pela coordenadora da Câmara Criminal, subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen.

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