Desafios para a nova política de comércio exterior brasileira
Considerando a importância do comércio internacional para o Brasil, certamente, o isolacionismo ou liberalismo “puros” não são a solução
Da Redação
Publicado em 31 de dezembro de 2022 às 16h08.
Por Fernando Bueno*
A troca da administração federal deve trazer mudanças relevantes na atual política de comércio exterior brasileira, marcada nos últimos anos por reduções unilaterais do imposto de importação, negociações de acordos de comércio com países desenvolvidos e redução de medidas de controle de importações.
Mais simples seria pensar que a política de comércio exterior poderia ser idêntica à adotada nos governos anteriores do Partido dos Trabalhadores (PT), entretanto o cenário nacional e internacional do comércio exterior navega novos e tormentosos mares, com instituições internacionais fragilizadas.
O pós-segunda guerra mundial foi marcado pela criação do sistema multilateral de comércio internacional, personificado pela criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), ei pensado para funcionar com base em três pilares: econômico, político e jurídico.
Enquanto o pilar econômico foca na liberalização do comércio internacional, o político pretende exercer a soberania e os interesses individuais dos países. O jurídico se estabeleceu com a criação da assinatura de compromissos e acordos que versam sobre o comércio internacional de bens e serviços e alguns temas diretamente relacionados, como propriedade intelectual, e a criação do Órgão de Soluções de Controvérsias para solução de disputas comerciais internacionais.
Fato é que os três pilares parecem não estarem mais sozinhos, já que políticas ambientais e sociais para o crescimento sustentável são temas centrais nas relações internacionais. Essas medidas extrapolam o comércio internacional, sendo debatidas em diversos fóruns internacionais, tornando as discussões cada vez mais descentralizadas e desafiadoras. Cenário esse que facilita a utilização dos temas ambientais e sociais como justificativas para a criação de medidas que restringem o fluxo do comércio internacional.
A imposição unilateral de tarifas de importação adicionais para diversos produtos pelo ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que visavam atingir principalmente as exportações chinesas, mas atingiram diversos países, inclusive o Brasil, e causaram diversas guerras comerciais entre países, parece ter sido apenas o primeiro ato da crise vivenciada hoje no comércio internacional.
A pandemia e seus efeitos, inicialmente uma crise de oferta, trouxeram sérias consequências econômicas e desarranjos de cadeias globais de abastecimento. Como efeito maior: o risco da tão falada desglobalização. Movimento estimulado por políticas industriais de retorno da produção que estava em terceiros países para o país de origem ( re-shoring ), para país próximo ( near-shoring ), ou para um país “amigo” ( friend-shoring ) e novas barreiras tarifárias e não tarifárias ao comércio internacional.
A invasão da Ucrânia pela Rússia, que gerou a imposição de inúmeras sanções internacionais e bloqueios comerciais parecer ter criado a “tempestade perfeita” para a crise atual. Já não estamos mais no campo de guerras comerciais, mas no campo literalmente bélico, inclusive, com a escalada de tensões entre outros países e regiões.
A decisão do painel do Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC, circulada no último dia 9 de dezembro, que concluiu que a imposição de tarifas de importação adicionais para o aço e o alumínio pelos EUA é inconsistente com os compromissos assumidos pelo país na OMC, e culminou na imediata reação daquele governo de rejeitar tal decisão, buscando preservar a segurança nacional, assegurando a viabilidade no longo prazo da indústria de aço e alumínio dos EUA, escancara a crise que vive o Órgão de Soluções de Controvérsias da OMC.
Crise deflagrada pelo próprio EUA, que vêm impedindo o funcionamento da instância recursal do órgão, o que prejudica diversos países, com destaque para o Brasil, que tem no órgão um importante instrumento para defender suas exportações de barreiras ilegais aplicadas por terceiros países.
Considerando a importância do comércio internacional para o Brasil, certamente, o isolacionismo ou liberalismo “puros” não são a solução para a nova política de comércio exterior. Mas o que poderia estar na mesa?
O comércio exterior poderia ser pensado como política de Estado, permitindo o desenvolvimento de uma política comercial de longo prazo, blindada de alterações bruscas de direção, em razão de trocas de governos.
Essa poderia ser planejada de forma estratégica e revisada de tempos em tempos (por exemplo, de cinco em cinco anos), devendo capturar necessidades de alterações de meio de período. EUA e União Europeia são exemplos de como isso poderia funcionar na prática.
Nos EUA, o representante de comércio (USTR), parte do poder executivo, é responsável por desenvolver e coordenar a política comercial no país, sendo que o poder legislativo, que possui grupos específicos para tratar de comércio exterior, é quem tem a última palavra sobre o assunto, fazendo que ambos trabalhem de mãos dadas para a definição da política comercial dos EUA.
Na União Europeia, a Comissão Europeia viabiliza o desenvolvimento e a implementação da política de comércio internacional, em atuação coordenada com o Conselho e o Parlamento Europeu. De acordo com a comissão, , a atual estratégia para a política comercial do bloco se baseou em consulta pública ampla, incluindo mais de 400 propostas de partes interessadas, eventos públicos em quase todos os estados-membros e um estreito envolvimento com o Parlamento Europeu, governos da UE, empresas, sociedade civil e o público.
Mapeamento de setores e parceiros estratégicos em todos os elos da cadeia de produção para avaliação cautelosa de possíveis políticas industriais, negociação de novos acordos comerciais com parceiros estratégicos e escopo amplo de temas, medidas de facilitação ou redução de burocracia ao comércio, combate implacável ao comércio internacional desleal – pelo fortalecimento de medidas antidumping, compensatórias e salvaguardas – e ilegal (pirataria, fraudes, etc.) e atuação conjunta dos setores público e privado em ações ESG no âmbito nacional e internacional, inclusive a possibilidade de adoção de medidas similares as adotadas por outros países, devem estar na mesa.
Essas medidas não parecem ser incompatíveis com à acessão do Brasil na OCDE – se o fossem, outros países também não deveriam fazer parte da organização. Logo, ao menos no âmbito do comércio exterior, seria um retrocesso não seguir com à aceitação do Brasil na OCDE. Independentemente da política a ser adotada, transparência, previsibilidade, segurança jurídica e participação da sociedade são fundamentais para o seu sucesso e podem proteger e estimular novos investimentos no país. Vamos precisar!
*Fernando Bueno é sócio da área de Comércio Internacional e Relações Governamentais do Demarest Advogados.