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As novas maravilhas da China

A maior hidrelétrica, a ferrovia mais alta, estádios sem igual na história das Olimpíadas -- numa ambição ilimitada, o país enfileira obras e investe como nenhum outro para transformar a infra-estrutura num diferencial na corrida por investimentos estrang

Chongqing, uma das cidades que mais crescem no mundo: a Chicago da China é um retrato do rápido avanço econômico do interior do gigante asiático (--- [])
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h30.

Construído entre 2001 e 2004 ao custo de 400 milhões de dólares, o porto da cidade de Guangzhou, no sul da China, é o quinto maior do mundo. No ano passado, ele movimentou o equivalente a 3,2 milhões de contêineres de 20 pés. É quase cinco vezes mais que as atividades registradas no porto de Itajaí, em Santa Catarina, uma das referências brasileiras para esse tipo de carga. Tudo em Guangzhou foi planejado minuciosamente para facilitar e agilizar as operações -- incluindo-se aí uma novíssima rodovia com cerca de 80 quilômetros erguida sobre pilares de concreto para driblar o solo pantanoso da região. O plano original prevê também áreas para a expansão, de forma que acompanhe o ritmo de crescimento da economia chinesa. "O complexo é uma coisa impressionante", afirma Arnaldo Huebl, vice-presidente da Federação das Indústrias de Santa Catarina, que integrou uma comitiva de 77 empresários brasileiros que visitaram em outubro o porto chinês. "O terminal de Guangzhou é um dos projetos apresentados pelo governo de Pequim como diferencial competitivo do país na corrida para atrair investimentos estrangeiros."

A China é hoje o país que mais investe em obras de infra-estrutura. Entre as já concluídas, encontram-se a maior hidrelétrica da história, um gasoduto de mais de 4 000 quilômetros desenhado como uma artéria atravessada no território chinês, do oeste ao leste, e a singular ferrovia que, para chegar ao Tibete, faz um percurso a 5 000 metros acima do nível do mar. Com base na crença de que não há como manter o atual ritmo de crescimento econômico do país sem esses investimentos, continua surgindo em todos os cantos uma série de projetos faraônicos. Cidades inteiras brotam praticamente do nada e vários distritos estão entre os campeões mundiais de crescimento, caso de Chongqing, na região central do país, também conhecido como "a Chicago da China". Toda essa movimentação faz com que o mercado imobiliário chinês seja atualmente um dos mais efervescentes do planeta. Só no setor de shoppings, os chineses devem ter, até 2010, sete dos dez maiores empreendimentos do mundo.

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As obras se espalham por diferentes setores. Na área de transportes, por exemplo, cerca de 40 bilhões de dólares estão sendo gastos para multiplicar a extensão do metrô da capital e da cidade de Xangai. O governo também investiu em modernos trens de levitação magnética, conhecidos como Maglev. A composição de Xangai é considerada o trem de uso comercial mais rápido do mundo, sendo capaz de percorrer 40 quilômetros em menos de oito minutos. Outro destaque são os empreendimentos da área de energia, algo essencial para garantir o combustível necessário à manutenção do progresso chinês. Nesse campo, o grande investimento em curso consiste na ampliação do gasoduto oeste­leste (veja quadro na pág. 60).

O dinheiro que vem sendo gasto também ajuda a colocar em prática um ambicioso plano para o desenvolvimento do interior do país. A idéia é reduzir as enormes disparidades geográficas da China, levando capital e know-how para as regiões pobres e trazendo de lá os recursos naturais ainda não totalmente explorados. Como resultado das obras já realizadas, as províncias do interior têm crescido ao ritmo de 12% ao ano, acima da já alta média nacional de 11,1%. "É uma tática de crucial importância para o futuro do país", afirmou a EXAME Zhang Xiaojing, chefe de macroeconomia da Academia Chinesa de Ciências Sociais. "Investir em infra-estrutura é a melhor forma de gerar empregos e criar estabilidade, evitando que haja uma migração desproporcional para as metrópoles. As grandes obras também são excelentes para captar fundos externos."

Alguns projetos têm um interesse político, como os 3,4 bilhões de dólares aplicados na construção da ferrovia Qinghai--Tibete, inaugurada em julho do ano passado. "Para a China, esses trilhos significam uma aproximação concreta com o Tibete, uma iniciativa de poder que deixa clara a intenção da China de não aceitar a emancipação da região", afirma Zhang. Foram necessários cinco anos e mais de 100 000 trabalhadores para a obra ficar pronta. Hoje, com 1 956 quilômetros de extensão, ela "representa um milagre na história das ferrovias do mundo", como disse o presidente chinês, Hu Jintao, quando a obra foi inaugurada.

Investimentos bilionários
ObraValorPrazo previsto para a conclusãoDetalhes
Expansão do Metrô de Pequim e Xangai40 bilhões de dólares2015O governo estabeleceu que ambas as cidades alcançarão a marca de 400 quilômetros de linhas construídas (o dobro da infra-estrutura atual). Paralelamente, o metrô chegará a outras 20 cidades chinesas até o ano de 2010
Trem de alta velocidade (TGV) entre Pequim e Xangai17 bilhões de dólares2010É o maior projeto no planejamento da rede ferroviária de médio e longo prazos.Aferrovia terá 1 318 quilômetros e reduzirá o tempo de viagem entre Pequim e Xangai para 5 horas (ante as atuais 9 horas)
Ampliação do gasoduto oeste-leste13 bilhões de dólares2010A primeira fase do projeto, inaugurada em 2004, compreendeu a construção de 4 221 quilômetros de tubulações ao custo de 25 bilhões de dólares.A partir do próximo ano, a PetroChina deve expandir o complexo, com mais 7 000 quilômetros
Novo aeroporto internacional de Pequim3,3 bilhões de dólares2008Com a reforma, que começou em agosto de 2004, a capacidade do terminal deve quase triplicar, chegando à casa de 80 milhões de passageiros por ano

Além do trecho que cruza os montes Tanggula, a 5 072 metros acima do nível do mar (o ponto mais elevado já alcançado por um trem), cerca de 80% do percurso passa a 4 000 metros de altura, em terreno congelado, de proteção ambiental e ar rarefeito. Em razão da altitude, os vagões são equipados com máscaras de oxigênio; e as janelas, com filtro contra os raios ultravioleta. A ferrovia vem trazendo novos investimentos ao Tibete e um incremento do fluxo turístico sem precedentes na história. Desde a inauguração da Qinghai­Tibete, chegaram à região mais de 530 milhões de dólares em investimentos domésticos e estrangeiros, quase o equivalente ao total recebido durante os cinco anos anteriores. Paralelamente, houve um boom de visitantes. Até 2010, segundo estimativas do governo, o local deve receber 6 milhões de turistas, o dobro do fluxo atual. Mas nem todos estão contentes com a obra. Segundo os críticos, a médio e longo prazo, o empreendimento pode trazer mais problemas do que benefícios ao Tibete, em razão do crescimento exagerado do fluxo de pessoas à região.

Em Pequim, o pacote de obras é ainda mais notável, por causa da realização dos Jogos de 2008. Além da construção das instalações para as competições, como o deslumbrante Estádio Olímpico de Pequim, cuja arquitetura imita um ninho de pássaros, o governo também está empenhado em melhorar toda a infra-estrutura que será utilizada pelos visitantes. O aeroporto da cidade, o Beijing Capital, ganhou um projeto de Norman Foster, o mesmo autor do City Hall de Londres e dos modernos terminais de Stansted, na Inglaterra, e Chek Lap Kok, em Hong Kong. O Beijing terá teto transparente e estruturas em vermelho e amarelo -- como a bandeira chinesa. Para deixar tudo pronto até o próximo ano, serão gastos 3,3 bilhões de dólares. Os chineses referem-se à obra como o "novo" aeroporto internacional, que vai ganhar uma pista extra e um terceiro terminal de passageiros, com 900 000 metros quadrados e 99 portas de embarque. O local foi concebido para receber até 80 milhões de passageiros por ano (atualmente são 35 milhões).

Como acontece com obras como o porto de Guangzhou, parte do esforço realizado no Beijing Capital tem como objetivo impressionar os visitantes com a capacidade empreendedora dos chineses e deixar aos investidores um recado claro: traga seu capital para o país, pois ele será bem tratado. "O novo aeroporto será o cartão-postal da cidade e vai entrar para a lista dos terminais de primeira classe do mundo", afirmou a EXAME Zhu Jingyuan, projetista-geral da obra. Segundo estatísticas do Banco Mundial (Bird), os chineses atraíram um quarto de todo o investimento direto estrangeiro destinado aos países em desenvolvimento durante a última década. A idéia é aumentar a cota para 30% até 2010.

Por trás da construção de muitos dos novos e monumentais cartões-postais da China, porém, existem algumas questões que não contribuem muito para a imagem do país no exterior. Durante a construção de Três Gargantas, a maior hidrelétrica do mundo, por exemplo, houve escândalos de subornos milionários. A corrupção foi uma das razões que fizeram com que os custos saltassem dos originais 8 bilhões para 24 bilhões de dólares. Não está computado aí o enorme custo social e ambiental da barragem, que forçou a mudança de mais de 1,2 milhão de pessoas e submergiu várias cidades, destruindo relíquias arqueológicas de valor incalculável. Segundo a organização ecológica Os Amigos da Terra, a obra ainda contaminou o Yang Tsé, o principal rio da Ásia, e representa um sério risco para as cidades vizinhas no futuro, devido à crescente erosão do terreno.

A China Three Gorges Project Corporation (CTGPC), que administra o empreendimento, reconhece parte do desastre. Mas argumenta que os benefícios energéticos compensam os problemas. Aos poucos, porém, devido à crescente pressão internacional, esse tipo de postura começa a mudar no país, pois o governo de Pequim teme que, sem demonstrar mais transparência na política e nos negócios, além de maior preocupação com questões como a sustentabilidade do planeta, os grandes investimentos tendam a se afastar da China. Com tratores passando por cima de monumentos históricos e sem resolver problemas como a corrupção e a poluição, o tiro de transformar os investimentos em infra-estrutura num grande diferencial para o país corre o risco de sair pela culatra.

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