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Preço do bitcoin não se compara ao seu real valor

O bitcoin tem sido um assunto polêmico desde seu nascimento e, para analisá-lo, é preciso saber diferenciar o seu preço do seu valor

 (Andriy Onufriyenko/Getty Images)
(Andriy Onufriyenko/Getty Images)
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Tatiana Revoredo

Publicado em 14 de janeiro de 2021 às, 17h50.

Última atualização em 14 de janeiro de 2021 às, 20h11.

Ninguém sabe a real identidade de seu criador, conhecido pelo pseudônimo de Satoshi Nakamoto. Seu white paper surgiu em uma lista de e-mails sobre criptografia no "Dia das Bruxas", em 31 de outubro de 2008. O “Bloco Gênesis” (primeiro bloco de bitcoin, extraído em 3 de janeiro de 2009, base de todo o sistema de negociação Bitcoin em vigor até hoje) trouxe uma mensagem “secreta” nos dados brutos do bloco.

Esta mensagem refere-se à manchete de um artigo da edição de 3 de janeiro de 2009 do The [London] Times sobre o fracasso do governo britânico em estimular a economia após a crise financeira de 2007-08. Embora Satoshi nunca tenha comentado sobre o significado deste texto, a maioria acredita que ele serve como uma declaração de missão para o próprio bitcoin: ser ativo de proteção da riqueza contra a inflação monetária.

Independentemente do que está no imaginário das pessoas, o bitcoin revoluciona a intermediação financeira e sua relação com a política monetária centralizada. Ao possibilitar transações de valor sem a necessidade de um terceiro validador de confiança, o bitcoin tem provocado impactos econômicos, sociais, políticos e econômicos.

Apesar disso, ao mesmo tempo em que o preço do bitcoin foi subindo ao longo dos anos, inúmeras manchetes negativas surgiam, enumerando motivos para desacreditar o bitcoin.

Bitcoin não tem lastro” (o dólar americano, o euro e o franco suíço também não tem valor intrínseco, nem lastro, segundo o Federal Reserve); “o bitcoin não é uma boa reserva de valor porque é volátil” (a única constância nos mercados é a volatilidade, inclusive do ouro, que tem sido considerado reserva de valor há mais de 4 mil anos); “bitcoin é modismo passageiro” (modismos não duram 12 anos, como bem disse John Laforge, do Wells Fargo); “bitcoin é uma bolha similar à mania das Tulipas”, de 1634-1637 (como demonstrado aqui, bitcoin não é uma bolha, nem possui nada similar a mania das tulipas); “bitcoin é anônimo e só usado por criminosos” (Bitcoin é, na verdade, o método de pagamento mais transparente já desenvolvido e tem potencial para se tornar uma ferramenta poderosa na luta contra o crime financeiro, segundo a The Elliptic, empresa que auxilia exchanges, instituições financeiras e governos em compliance e no combate à crimes financeiros).

Como se percebe, a maioria destas manchetes são infundadas e acabaram gerando nas pessoas o que os bitcoiners apelidaram de “FUD", sigla, em inglês, que significa "Fear, Uncertanty, Doubt” ("Medo, incerteza, dúvida", em português).

Este cenário, todavia, começou a mudar desde o ano passado.

Quando todos os ativos tinham despencado de valor (veja Futures CME daily report), por conta da paralisação da atividade economia provocada pelo novo coronavirus, me perguntaram sobre o futuro dos criptoativos, e eu disse que “essa pandemia pode levar as pessoas a perceberem o real valor e a importância do dinheiro, e a se questionarem sobre a importância de ter uma reserva de valor e meio de troca com amplitude global como o bitcoin”.

De fato, apesar da queda que o fez perder 25% em março, o bitcoin se recuperou, e seu preço reina absoluto entre as principais classes de ativos, com seu valor de mercado ultrapassando o de inúmeras empresas como Bank of America, Verizon, JP Morgan, Berkshire Hathaway, e muitas outras.

Vimos, ao longo de 2020, inúmeros fatores que contribuíram para o “boom” no preço do bitcoin.

Primeiro, a oferta de bitcoin no mercado foi reduzida pelo halving, evento que ocorre a cada quatro anos e reduz à metade a quantidade de bitcoins minerados por dia. Depois, houve a popularização do bitcoin no mercado institucional, com grandes gestores de ativos, incluindo Tudor Investment e Guggenheim Partners, anunciando compras de bitcoins ou apostas em preços usando contratos futuros na bolsa CME, com sede em Chicago (EUA). As antigas empresas de Wall Street, como o Morgan Stanley, opinaram com pronunciamentos otimistas.

Houve, ainda, o lançamento de um fundo de bitcoin pela Fidelity Investiments, empresas como Square Inc. e Microstrategy Inc investindo no criptoativo, a decisão do PayPal de negociar e permitir compras com criptoativos a partir de outubro do ano passado.

Por fim, em 4 de janeiro deste ano, sobreveio a resolução da OCC, principal órgão regulador bancário americano, permitindo que bancos dos EUA participem da verificações em redes blockchain abertas como Bitcoin e Ethereum, bem como usem stablecoins e atividades de pagamentos.

Pois bem, se ampliarmos o panorama e olharmos a trajetória dos doze anos de existência do bitcoin, a adoção institucional só começou nos últimos dois anos.

Como explicar então o fato do bitcoin ter se consagrado o ativo de melhor desempenho da década? Para respondermos a esta pergunta, necessário se faz destacarmos a diferença entre valor e preço.

De forma bastante resumida, preço é o que se paga por algo, enquanto valor é o benefício proporcionado.

O que se paga hoje por um bitcoin (“preço”) é reflexo da preocupação com a expansão monetária dos últimos anos, acentuada com a pandemia, e a percepção do mercado de que realmente o bitcoin funciona como “ativo de proteção da riqueza contra a inflação monetária”.

O que se pagará por um bitcoin (preço) nos próximos anos? Difícil prever o comportamento de um ativo global cujo preço varia conforme a oferta e a demanda, sofrendo influências de toda ordem (um hackeamento de uma corretora na Ásia, a realização de lucro dos mineradores situados na Geórgia, a entrada no mercado de criptoativos de um grande fundo de pensão norte-americano, etc.).

Mas, independente disso, seu “preço” nem se compara ao seu real “valor” (benefícios propiciados à toda sociedade).

Relembrando alguns conceitos comentados nos primeiros artigos desta coluna: bitcoin é um sistema de liquidação global para todas as transações que acontecem em sua rede, e que nunca foi “hackeado”. É uma rede financeira aberta, o ecossistema de valor criado em torno desta rede e, também, a tecnologia na forma do protocolo "blockchain”.

Ainda, a tecnologia tem importância fundamental na evolução do dinheiro, e, por isso, para compreendermos o real valor do bitcoin, devemos saber a resposta para a seguinte pergunta: no que Blockchain Bitcoin se diferencia das demais tecnologias existentes?

Partindo do conceito de blockchain, eu gosto de duas definições. Para os que possuem expertise mais focada em negócios, minha primeira definição é: blockchain é um sistema de registro de transações, mantido em uma rede distribuída de participantes “desconfiados” (que não se conhecem ou não confiam entre si).

Uma segunda definição um pouco mais técnica é: blockchain é um sistema de registro de transações, ponto-a-ponto, distribuído, baseado em consenso, que fornece imutabilidade de dados, procedência e, por fim, que elimina o gasto duplo.

E aqui está o ponto chave para diferenciar a tecnologia do bitcoin das demais tecnologias, o problema do gasto duplo.

Antes do bitcoin, não havia nem como um valor digital ser transferido, nem como um ativo digital ser dividido em várias partes. Isso significa que se eu digitalizasse uma nota de 100 reais e quisesse transferir essa nota para alguém, só poderia enviar uma cópia dela.

Todos estamos acostumados com computadores. Estamos todos enviando e-mails, enviando fotos, mas poucos se dão conta que estamos sempre enviando cópias de e-mails (e não o e-mail propriamente dito), estamos enviando cópias de nossas fotos (e não a foto original, que permanece em nosso dispositivo). Sempre que você clica no botão enviar em um smartphone ou em um computador, você sempre retém o original.

E quando se trata de transações financeiras, você toca no botão de envio e você tem um intermediário, uma empresa, uma instituição, que transfere o dinheiro de uma conta para outra. E esse é o problema que o bitcoin resolve – o problema do gasto duplo.

Agora, quando você clica no botão "enviar bitcoin", você não está enviando uma cópia, você está realmente enviando um objeto digital. Bitcoin resolveu o problema do gasto duplo, tornou único um ativo em meio digital, possibilitou a desintermediação financeira, transferindo a confiança para os dados.

Eis o que torna o bitcoin revolucionário e o eleva a categoria de “General Purpose Technology” (GPT, na sigla em inglês, ou "tecnologia de núcleo", em português): o bitcoin é uma GPT e, como tal, possibilita casos de uso ainda inimagináveis, capazes de alterar drasticamente as sociedades por meio de seu impacto nas estruturas econômicas e sociais pré-existentes. Outros exemplos de tecnologias de núcleo são a eletricidade, eletrônica, automóvel, computador, Internet, medicina e inteligência artificial.

Ora, assim como novos casos de uso para a eletricidade, medicina, Internet, continuam surgindo após anos de seu descobrimento, os benefícios propiciados pelo bitcoin (seu real valor) têm se manifestado a cada dia. E à medida que forem surgindo, bem como seus desdobramentos (tokenização de ativos, DeFi, WBTC, stablecoins, altcoins, etc), serão analisados nesta coluna.

Quais benefícios trazidos pelo surgimento do bitcoin já estão evidentes? Quantos mais casos de uso poderão surgir? Como o bitcoin impactará as estruturas econômicas existentes? Pense nisso até nosso próximo encontro. Vamos descobrir juntos qual será o futuro do dinheiro. Mantenha a curiosidade em alta. Até breve!

No curso "Decifrando as Criptomoedas" da EXAME Academy, Nicholas Sacchi, head de criptoativos da Exame, mergulha no universo de criptoativos, com o objetivo de desmistificar e trazer clareza sobre o funcionamento. O especialista usa como exemplo o jogo Monopoly para mostrar quem são as empresas que estão atentas a essa tecnologia, além de ensinar como comprar criptoativos. Confira.