Na tentativa de frear invasões do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no tradicional “abril vermelho”, o governo vai anunciar um pacote de medidas, em cerimônia na próxima semana no Palácio do Planalto, com o objetivo de impulsionar assentamentos de terra pelo país. A expectativa é que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva participe do evento.
O movimento vem demonstrando descontentamento com o ritmo de desapropriações no terceiro mandato do petista, de quem é aliado histórico. Também se queixa por até hoje não ter sido recebido pelo presidente em uma reunião.
As ocupações promovidas pelos sem-terra são consideradas um fator de desgaste para o Executivo em um momento de polarização política. Aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro usam as invasões para atacar a gestão petista. As ações também desagradam o agronegócio, setor do qual o governo tenta se aproximar.
Fim do 'abril vermelho'?
O anúncio da próxima segunda-feira visa desencorajar o MST a promover o seu tradicional “abril vermelho”. No mês de aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, que deixou 19 mortos em 1996, o movimento tradicionalmente promove marchas e invasões. Em abril do ano passado, os sem-terra ocuparam, por exemplo, uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Pernambuco, e da Suzano Papel e Celulose, no Espírito Santo.
Lideranças do movimento se mostraram dispostas a aguardar a apresentação das medidas pelo governo antes de decidir como será a atuação dos militantes sem-terra neste mês.
O plano do Ministério do Desenvolvimento Agrário é anunciar na próxima semana um pacote de ações, com a compra de terras, financiamento de agricultura familiar, metas de reforma agrária, de demarcação de terras de quilombos e apresentação de uma prateleira de terras — levantamento de áreas devolutas ou devedoras de impostos que possam ser usadas para assentamentos.
Novas terras
O ministro Paulo Teixeira afirma que o objetivo é “acelerar” a disponibilização de terras com as novas medidas.
"Queremos apontar duas direções. A primeira é de uma entrega de novos assentamentos, com uma meta. O segundo aspecto é do diálogo. Este é um governo que está dialogando, que está aberto a aperfeiçoamento, que está aberto a buscar recursos para ampliar as possibilidades de atender a reforma agrária", afirmou Teixeira após uma reunião com Lula na quarta-feira.
Na ocasião, o presidente recebeu representantes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), outro movimento que luta por reforma agrária, que apresentaram ao presidente uma pauta de reivindicações.
Dados do ministério mostram que desde o início do terceiro mandato de Lula, em janeiro do ano passado, foram assentadas 10.995 famílias. A atualização mais recente foi em dezembro de 2023.
O MST, movimento historicamente ligado ao PT, considera que o ritmo é insuficiente para atender a demanda. Há uma estimativa de que 110 mil famílias, pertencentes a diversos movimentos de luta por terra, estejam acampadas pelo país.
Ainda de acordo com o movimento, o governo Lula, em sua maioria, apenas concluiu processos de assentamentos que tinham sido iniciados nos governos Dilma Rousseff e Michel Temer e paralisados na gestão de Jair Bolsonaro.
O MST ainda se queixa que as desapropriações de terra estão paradas na Casa Civil. A pasta não comentou. Em uma entrevista semana passada, o ministro Rui Costa atribuiu a insatisfação dos sem-terra aos problemas herdados do governo anterior.
"O povo que luta pela reforma agrária sofreu por quatro anos, sendo maltratado, desprezado. É evidente que isso cria uma expectativa e uma ansiedade grande e um desejo que as coisas aconteçam de forma instantânea, imediata. Mas a realidade nem sempre é assim porque pegamos um país muito desarrumado".
O leque de medidas pró-MST ameaça criar novos atritos com o agronegócio, setor notoriamente resistente ao governo Lula, mas que vem recebendo acenos em uma tentativa de aproximação. Encontros com o segmento já começaram a ocorrer, em um roteiro que prevê também lançamento de obras, mais crédito e viagens a locais onde a produção agrícola tem peso expressivo na economia.
A iniciativa vem na sequência de um primeiro ano de mandato com turbulências. Lula chegou a afirmar que o agro tinha um “problema ideológico” com o governo e comparou parlamentares da bancada ruralista a “raposas cuidando do galinheiro” durante a discussão sobre o marco temporal das terras indígenas. O veto de Lula ao projeto foi derrubado pelo Congresso.
O 'abril vermelho' em 2023
- Área da Embrapa: Os sem-terra invadiram uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Petrolina (PE) e mantiveram 600 famílias acampadas. No mês de aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, que deixou 19 mortos em 1996, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) tradicionalmente promove marchas e invasões pelo país.
- Propriedade da Suzano: No que chamou de “Jornada Nacional de Lutas em Defesa da Reforma Agrária”, cerca de 200 famílias invadiram uma propriedade de 11 mil hectares em Aracruz (ES). O local é usado para plantação de eucalipto para a confecção de celulose. O MST alegou que as terras pertencem ao governo do estado e foram griladas pela empresa Aracruz Celulose, adquirida pela Suzano Papel e Celulose.
- Sedes do Incra: O MST também fez protestos em sedes do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 12 estados. Segundo o movimento, as ocupações tinham como objetivo entregar documentos e pedidos de abertura de negociações. Pressionado, o presidente Lula cedeu ao grupo e trocou sete das 29 superintendências do Incra por nomes indicados por movimentos populares do campo de cada estado.