Eleições nos EUA: vitória de Trump pode ameaçar produção de etanol de milho no Brasil
Medidas protecionistas do republicano devem acirrar a disputa entre os EUA e o Brasil pela liderança na produção global do biocombustível
Repórter de agro e macroeconomia
Publicado em 6 de novembro de 2024 às 14h14.
Última atualização em 6 de novembro de 2024 às 14h20.
A vitória do republicanoDonald Trumpna eleição presidêncial dos Estados Unidos nesta quarta-feira, 6, deve acirrar a disputa entre os EUA e o Brasil pela liderança na produção global de etanol de milho — com os EUA atualmente na posição de maior produtor mundial do biocombustível. A análise é de Welber Barral, sócio-fundador da BMJ Consultores Associados e ex-secretário de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).
"Você pode ter mais medidas com políticas e subsídios para a produção de etanol de milho nos Estados Unidos, o que deve afetar o Brasil", afirma Barral. Em setembro, o Brasil aprovou a Lei do Combustível do Futuro , que altera os percentuais de mistura de etanol na gasolina e biodiesel no diesel, além de oferecer incentivos ao diesel verde e ao combustível sustentável de aviação (SAF, em inglês).
Os EUA são o principal produtor global de milho , com uma estimativa de produção de 386,18 milhões de toneladas para a safra 2024/25. Em relação à soja, os EUA ocupam o segundo lugar, com uma projeção de produção de 124,70 milhões de toneladas nesta temporada.
Durante a campanha, Trump prometeu à Federação Americana de Bureau de Agricultura (AFBF, na sigla em inglês) — a principal organização que representa agricultores, pecuaristas e comunidades rurais nos EUA, com presença em mais de 2.800 condados — que lutaria contra barreiras comerciais que considera "injustas".
Inclusive, nos estados do Meio-Oeste dos EUA, como Iowa — maior produtor de milho norte-americano —, Dakota do Sul e Dakota do Norte, grandes produtores de trigo, e Kansas, que se destaca na produção de trigo e gado, Trump saiu vitorioso. A exceção, entretanto, foi Illinois, segundo maior produtor de milho, onde Kamala Harris venceu.
No caso do etanol, por exemplo, ele quer não só aumentar a produção no país, mas também exportar o biocombustível para todo o mundo — o novo presidente prometeu reduzir os preços da energia para patamares recorde, o que deve diminuir os custos de produção no campo.
Segundo Trump, a política de incentivo à transição energética da gestão Biden encareceu os derivados do petróleo, o que inclui insumos agrícolas, como fertilizantes e defensivos agrícolas.
A estratégia do novo mandatário inclui também a edição da "Trump Reciprocal Trade Act", que prevê medidas de reciprocidade para derrubar barreiras comercias e priorizar os produtores americanos em detrimento de fornecedores estrangeiros terceirizados.
Para Barral, dois pontos de atenção emergem para o Brasil com a nova gestão Trump. O primeiro é o comércio bilateral: Brasil e EUA competem em grandes commodities agrícolas, como soja, milho e trigo. Medidas protecionistas de Trump podem desequilibrar essas relações comerciais, intensificando a concorrência no setor.
"Para o comércio exterior, é uma má notícia, pois implica em mais protecionismo no mundo. Durante a campanha, Trump não prometeu nada de liberalização, e sim mais protecionismo", afirma Barral. Em seu primeiro mandato (2017-21), Trump implementou uma série de medidas protecionistas, incluindo aumentos nas tarifas de importação de aço, alumínio e cobre.
O segundo ponto é o impacto no agronegócio. Embora Brasil e EUA não sejam grandes parceiros comerciais nesse setor, há destaque para a importação de suco de laranja brasileiro pelos EUA. Nesse sentido, as expectativas são de estabilidade, segundo Ibiapaba Netto, diretor-executivo da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR).
"O suco de laranja já recebe uma sobretaxa de US$ 415 por tonelada e com a diminuição da produção da Flórida não há mais o problema da ameaça brasileira ao produtor da Flórida. Além disso, os EUA possuem acordo de livre comércio com o México, que é um fornecedor importante de suco de laranja e isento de tarifas. No primeiro governo Trump houve uma revisão desse acordo e as tarifas preferenciais do México foram mantidas", diz o diretor.
Principais commodities agrícolas que o Brasil exporta
Relação comercial EUA e China
Durante o primeiro mandato, o protecionismo de Trump contra a China beneficiou a soja brasileira. Na época, o então mandatário norte-americano adotou uma série de medidas que afetaram a relação comercial entre os dois países, levando a China a intensificar as importações do grão brasileiro, seu principal fornecedor.
"Aumentamos a participação, a exportação para a China, em detrimento dos agricultores americanos, mas, em compensação, eles receberam subsídios por conta disso. Porque, bem ou mal, os produtores americanos — o interior dos Estados Unidos — são um grande celeiro de votos para o Trump. Então, ele tenta proteger sua base", afirma Josilmar Cordenonssi, professor de Ciências Econômicas da Universidade Mackenzie.
Na campanha, Trump declarou que pretende "acabar permanentemente" com a dependência dos EUA em relação à China para produtos agrícolas essenciais – ele também propôs melhorias em programas como os de preços mínimos, seguro de safra e cobertura de margem em laticínios, buscando fortalecer a produção nacional e reduzir a exposição ao mercado chinês.
"Os agricultores brasileiros, por sua vez, também têm uma afinidade ideológica com o Trump e apreciaram essa medida de protecionismo dele em relação à China e a retaliação que favoreceu os produtores brasileiros", diz o professor.
O acadêmico, entretanto, pontua que esse cenário de guerra comercial entre EUA e China pode mudar se Trump eventualmente fechar um acordo comercial com a China, que envolva a redução de tarifas, principalmente uma tratativa que envolva investimentos em fábricas nos Estados Unidos, o que geraria empregos no "Rust Belt", o cinturão da ferrugem —, isso pode fazer com que as tarifas sejam reduzidas, beneficiando os agricultores americanos.
"O cenário é muito incerto. Precisamos esperar. Se as coisas continuarem como estão, saímos beneficiados, mas, caso um acordo seja feito, o que é bem possível, tudo pode mudar. Afinal, Trump não segue uma questão ideológica; para ele, é uma questão mais negocial e comercial", afirma Cordenonssi.