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A agricultura brasileira na Nasdaq: Lavoro estreia na bolsa dos EUA

Primeira varejista de insumos agrícolas da América Latina a fazer parte da Nasdaq, Lavoro quer captar entre US$ 100 mi e US$180 mi para aquisição de revendas regionais

Ruy Cunha, CEO da Lavoro: abertura de capital da empresa na Nasdaq permitirá manter estratégia de aquisições (Eduardo Frazão/Exame)

Ruy Cunha, CEO da Lavoro: abertura de capital da empresa na Nasdaq permitirá manter estratégia de aquisições (Eduardo Frazão/Exame)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 1 de março de 2023 às 08h03.

Última atualização em 1 de março de 2023 às 10h20.

Ao viajar pelos municípios rurais espalhados pelo país, é comum encontrar dezenas de revendas de insumos agrícolas. As camionetes paradas na porta e o cafezinho na recepção dão o tom do quanto a loja física ainda é importante aos produtores rurais, mesmo que os negócios sejam fechados por e-commerce ou WhatsApp. Mas a pulverização de tantas lojas com bandeiras diferentes parece ter os dias contatos, à medida que o varejo de insumos tem se tornado um ringue para inserção de grandes players regionalmente. É essa estratégia de aquisição de revendas - e os ganhos de escala - que moveu a entrada da Lavoro na bolsa de valores norte-americana de tecnologia Nasdaq.

Nesta quarta-feira, 1, a Lavoro passa a ser a primeira varejista de insumos agrícolas da América Latina a ser listada na bolsa norte-americana, sob o ticker LVRO. "Nós nascemos de um [fundo de] private equity, já pensando que algum dia essa empresa teria que captar dinheiro. Ela nasceu para isso", diz Ruy Cunha, CEO da Lavoro.

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A estreia é o fim de um longo processo de negociação -- mais de um ano e meio desde o início das conversas ao lançamento do ticker -- com a norte-americana The Production Board (TPB), firma de investimentos com foco em startups voltadas para produção de alimentos, sustentabilidade e tecnologia. A operação ocorrerá por meio da TPB Acquisition Corporation I, um SPAC do grupo TPB, que anunciou em meados de janeiro a aprovação da combinação de negócios proposta com a Lavoro. A aguardada bell ringing ceremony será na sexta-feira, 3.

Pois bem. Em 2016, a gestora Pátria Investimentos concluiu a tese de que faria sentido investir no varejo de insumos agrícolas no Brasil. Não por acaso: o país é o maior importador de fertilizantes do mundo e a consolidação de empresas via aquisições de revendas é movimento comum em outros mercados como Estados Unidos e Argentina -- a exemplo da canadense Nutrien, que concentra market share significativo em ambos os países.

A tese também está calcada em um fato pouco contestável: a demanda por alimentos no mundo seguirá crescendo nas próximas décadas -- e uma parte significativa do suprimento virá da América do Sul. Portanto, seria um movimento natural dada a importância do continente, e mais especificamente do Brasil, no fornecimento de grãos, fibra e energia ao mundo.

"Claramente o agro está subrepresentado no Ibovespa. Existe um grande mar de oportunidade. Qual o problema? Acho que o agro precisa se aproximar do mercado financeiro. E talvez o mercado financeiro tenha que perder o medo do agro também", diz Cunha.

DNA financeiro

Isso significa que no DNA da Lavoro já havia a aptidão para o mercado financeiro. Primeiramente, por ter nascido da gestora de private equity Pátria Investimentos. Além disso, as negociações foram feitas em conjunto com TPB. Para quem não conhece, seu CEO, David Friedberg, é conhecido por aportar recursos que tenham aptidão em sustentabilidade, produção de alimentos e tecnologia.

Um exemplo é a criação da The ClimateCorporation, adquirida pela Monsanto, em 2013, e posteriormente pela alemã Bayer. Hoje, a Climate FieldView é um dos softwares de monitoramento agrícola mais utilizados no mundo -- o terminal bloomberg das fazendas.

Varejo em alta

Segundo a consultoria Markestrat, em nível global, os 10 principais players do varejo de insumos agrícolas ocupavam 20% do market share em 2015. As mesmas empresas atualmente representam 30% do market share, o que aponta para uma tendência de consolidação nos próximos anos.

No Brasil, esse movimento foi similar -- com um adicional de que o mercado era amplamente pulverizado. Nos últimos anos, houve forte concentração de mercado entre varejistas de agroquímicos e sementes. A falta de dados públicos dificulta as análises. Mas, nas estimativas da Lavoro, a participação de mercado dos 10 maiores players do varejo saltou de 22% para 39% de 2016 a 2022. Em comparação, nos EUA seis empresas detêm mais de 60% do mercado.

Nesse recorte específico para varejo de agroquímicos e sementes, a Lavoro é atualmente responsável por 10% do mercado brasileiro - seguida de perto por concorrentes como Agrogalaxy, Sumitomo e Bunge.

“A gente percebe que o jogo virou de grandes players e de quem tem acesso a demanda de capital. Isso tem efeitos gerais no setor, como a indústria de insumos tentando fazer movimentações para se adaptar às revendas ou criando as próprias, e o agricultor mais atento a essa postura do mercado”, avalia Arthur Becker, consultor associado da Markestrat. Ele cita o exemplo da Bunge, que adquiriu 30% da revenda Agrofel em 2019.

Crescimento acelerado e muitas aquisições

Desde sua fundação, o Grupo Lavoro tem crescido em média 25% ao ano e acumula uma cartela de 60 mil clientes em território nacional espalhados por aproximadamente 30 milhões de hectares.

Enquanto as primeiras aquisições foram feitas na Colômbia e no Mato Grosso, ambas em 2017, agora o Grupo Lavoro acumula 24 aquisições e 28 empresas. Entre elas, a fabricação própria de insumos.

“A escala permitiu investir em outras coisas que uma revenda menor não pode. Por exemplo, produto de marca própria. A gente deixou de ser apenas varejista e se tornou produtor de insumos também. Criamos uma holding chamada Crop Care e ela começou a comprar empresas de insumos, incluindo biológicos, fertilizantes especiais, adjuvantes e importação de agroquímicos”, conta Cunha, CEO da Lavoro.

O CEO da empresa brasileira estima que o faturamento da Lavoro chegue a R$ 10 bilhões até o final do ano, sendo o varejo de insumos e grãos responsável por 95% deste resultado. Com a abertura de capital na bolsa de Nasdaq, a princípio, a expectativa é captar de US$ 100 milhões a US$ 180 milhões. São 3.000 funcionários, 900 deles vendedores.

Os recursos devem ser destinados a manter a agressiva estratégia de aquisição de revendas regionais. O atual pipeline já conta com 80 empresas mapeadas, que variam de estágios iniciais de interesse a propostas perto da conclusão, incluindo empresas brasileiras e também em países da América do Sul. Cunha estima que seja possível fazer entre quatro e cinco aquisições por ano no próximo biênio.

Ainda assim, parte da captação também visa financiar a agenda da Lavoro em serviços. A ideia da empresa é estar presente em mais momentos da vida do produtor, desde a compra de insumos e grãos ao monitoramento de pragas, aplicação de produtos e até serviços financeiros e de seguro. Produtores venceram -- ou vêm superando -- nos últimos anos barreiras de infraestrutura, como conectividade e chegada de banda larga, para o uso de novas tecnologias no campo. Mas o gap ainda é significativo. "O papel das revendas é tornar acessível", diz Cunha.

Dentro da estratégia da prestação de consultoria para uso de produtos biológicos, a Lavoro vem investindo pesado em aquisições para ser uma das maiores produtoras de bioinsumos do país. A ideia é verticalizar a revenda com produtos próprios e ampliar as margens das vendas.

Para dar cabo desse objetivo, a empresa desembolsará R$ 100 milhões na "maior fábrica de biológicos no País”, segundo Cunha, com expectativa de operação para o final do ano no município de Itápolis, interior de São Paulo.

É um desafio e tanto. A estreia numa das principais bolsas de valores do mundo mostra que o agro brasileiro é um mar de oportunidades -- que tem muito a ser explorado.

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