Telegram vs. Justiça Eleitoral: app pode ser expulso do país
Em meio ao debate sobre o impacto das fake news no processo eleitoral, TSE avalia suspensão do serviço russo de mensagens, que não tem representação no Brasil
André Lopes
Publicado em 15 de fevereiro de 2022 às 06h01.
Última atualização em 15 de fevereiro de 2022 às 12h38.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE ) e as principais plataformas digitais que atuam no Brasil vão assinar, hoje, 15, um documento para barrar a disseminação de fake news nas eleições deste ano. O acordo não é novo, já que funciona informalmente desde o ano passado, mas a intenção do evento é renovar o memorando e focar no pleito que está próximo.
Na lista de participante constam as redes sociais Twitter, TikTok, Facebook, WhatsApp, Google, Instagram, YouTube e Kwai. O evento será realizado a partir das 11h, com transmissão ao vivo e a participação do presidente da Corte, ministro Luís Roberto Barroso, e representantes das plataformas.
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Barroso, por sinal, entende bem e até intimamente a dificuldade de conter as fake news que circulam nas redes. O ministro teve que conviver com ataques do presidente Jair Bolsonaro à confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro e com uma penca de teorias conspiratórias sobre manipulações que ocorreriam nos bastidores do TSE via hackers.
O anúncio desta terça-feira é uma forma de o ministro fortalecer a defesa do sistema pelo qual trabalhou e o ocorre quase como um ato final de sua gestão. O colega Edson Fachin assume o cargo no próximo dia 22.
No entanto, na saída, há outras pedras incomodas no sapato de Barroso: o aplicativo de mensagens russo Telegram que não está participando do acordo assinado hoje. O app tampouco respondeu o contato do TSE para discutir eleições — e não foram poucos.
Por cartas, ligações e emails, o presidente do TSE requisitou ao CEO do app Pavel Durov que uma reunião fosse marcada com representantes do mensageiro no Brasil. No encontro, seriam discutidas as ações que o serviço poderia criar para mitigar o efeito massivo da distribuição de mensagens em grupos do Telegram.
Barroso ressaltou no ofício que o Telegram é um aplicativo de “rápido crescimento no Brasil”, e instalado em 53% dos smartphones ativos disponíveis no país. O app possui também uma alta capacidade de viralização com grupos que podem comportar até 200 mil membros, em relação aos canais, o Telegram possui uma dinâmica que se assemelha muito mais a redes sociais, não modera conteúdo — a não ser em casos como de terrorismo.
Além disso, o aplicativo é usado por políticos de todos os partidos, inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), como uma forma de divulgação de ações, além de um canal direto com eleitores. “No entanto, é por meio dele que muitas teorias da conspiração e informações falsas sobre o sistema eleitoral estão sendo disseminadas sem qualquer controle”, afirmou publicamente o ministro.
Sem o contato, o Barroso tem dito em entrevistas que a suspensão do aplicativo de mensagens Telegram é uma medida viável caso o Telegram continuasse a ignorar a Justiça Eleitoral. Caberia, nesse caso, ao Congresso Nacional suspender o serviço da plataforma no Brasil.
Em uma posição do TSE publicada no mês passado, o órgão afirmou que “nenhum ator relevante” às Eleições 2022 pode operar sem uma representação jurídica adequada, e que seria responsabilizada em eventuais descumprimentos da legislação eleitoral.
Um cenário de bloqueio de aplicativo já foi experimentado pelos brasileiros, que tiveram em mais de uma oportunidade o WhatsApp suspenso após decisão judicial.
Por ser considerada uma medida extrema, que interfere até mesmo em comunicações que envolvem a economia do país, o bloqueio atualmente abre a discussão de que é preciso uma violação grave para justificá-lo. "Seria como cortar a luz de um bairro inteiro porque uma pessoa não pagou a conta", afirma Adriano Mendes, sócio da Assis e Mendes Advogados, especializado em proteção de dados e de direito digital.
"O Brasil tem até mesmo mecanismo diplomáticos que podem pressionar o Telegram por uma resposta. Um deles é a convenção de Budapeste, um instrumentos internacional que permite às nações membro obterem aspectos penais, processuais e cooperativos no enfrentamento às práticas ilícitas no ambiente virtual", afirma Mendes. "Seria possível, por exemplo, durante o pleito, conseguir os dados do criminoso que operasse alguma central de distribuição de fake news", diz.
A constitucionalidade de um possível bloqueios está em discussão em uma ação no STF (Supremo Tribunal Federal) e ainda não há prazo para que o app deixe de funcionar no país.
Na Alemanha, app bloqueou 64 perfis
Diferentemente da postura de ignorar autoridades brasileiras, na Alemanha o Telegram acatou uma pressão do governo e bloqueou, na semana passada, 64 contas que disseminavam informações falsas, discursos de ódio contra minorias e combinavam até atos terroristas. A informação da suspensão das contas foi revelada pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung.
Foi a primeira vez que o app tomou a atitude no país, e só ocorreu após Ministério do Interior e o Departamento de Investigações pressionarem a plataforma. Além disso, a ministra do Interior da Alemanha, Nancy Faeser, conversou com os altos representantes da empresa.
As contas desativadas pertenciam a diversas pessoas que geriam grupos que espalham a desinformação sobre a pandemia de covid-19 e organizam protestos violentos contra o governo.
A Alemanha vinha pressionando o Telegram para desativar as contas e tomar medidas mais duras contra discursos de ódio. O tom subiu quando a ministra do Interior disse que poderia banir o aplicativo do país. O governo também estava disposto a aplicar multas em valores que poderiam chegar a até 55 milhões de euros.
Em entrevista a um jornal alemão na semana passada, Nacy Faese disse que vai continuar pressionando o telegram para que a plataforma cumpra as leis do país. "O Telegram não deve mais ser um acelerador para extremistas de direita, teóricos da conspiração e outros agitadores. Ameaças de morte e outras mensagens perigosas de ódio devem ser apagadas e ter consequências legais", disse.
Em outros países o Telegram também sofre restrições. Na China, o app é proibido sendo possível somente com VPN. Na Indonésia e na Índia é liberado, mas com algumas restrições como a garantia de que cumpra as leis locais de não disseminar o ódio ou mesmo incitar crimes e protestos violentos contra o governo. Rússia e Paquistão liberaram o app, após ter sido bloqueado por anos. Frequentemente os dois países aplicam restrições aos conteúdos. No Brasil, o Telegram seguirá alvo de intenso escrutínio até as eleições de outubro.