Robomaníacos
Eles vivem num mundo de controladores, Assembly, circuitos, sensores, polias, motores, correias...
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 12h28.
Sábado de Carnaval. O professor de robótica Sérgio Costa acorda cedo para se reunir com o bloco da sucata. Samba no pé de manhã? Nem pensar. O grupo vai gastar sola de sapato garimpando, em lojas de aparelhos eletrônicos usados da região da rua Santa Ifigênia, centro de São Paulo, componentes para construir robôs.
Placas, sensores, motores, correias, polias, nada se perde, tudo se transforma. Uma impressora matricial fornece dois motores de passo para mover as pernas do robô. Quatro serras circulares e um motor de kart podem compor um modelo de batalha. Velhas câmeras de vídeo situam as engenhocas no espaço e dão asas à programação de processadores de imagem. Tudo em nome de uma paixão que começa na infância.
Fascínio por coisas que se mexem sozinhas, curiosidade incontrolável sobre o que as faz se movimentar e uma paciência imensa para desmontar, explorar cada componente e montar tudo de novo até o último parafuso. Esse é o caldo de onde brotam os robomaníacos. Na história de cada um sempre tem pai, tio ou amigo da família com gosto por eletrônica e uma oficina franqueada às crianças. Foi assim com o técnico em vidros elétricos para carros Leonardo Marcilio Schunk, 23, o professor de tecnologia Sérgio Américo Boggio, 55, e o recém-formado engenheiro mecatrônico Celso Ramos de Souza, 25. Não falta inspiração em filmes, desenhos animados ou seriados de TV com robôs.
Os carrinhos de controle remoto são as primeiras vítimas dos garotos. A destruição criativa fornece luzes, sons e movimento para robôs com corpo de caixa de sapato, como o primeiro de Sérgio Costa, 34, ou de lata de leite em pó, como o do empresário Loreno Minati, 30. Mais tarde eles começam a produzir suas placas, protegendo o circuito com esmalte de unha, como lembra Marcos Ribeiro Pereira Barretto, 41, professor de mecatrônica da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Em geral, fazem colegial técnico e, por razões diversas, nem todos seguem para a universidade. Mas continuam fiéis aos seus projetos robóticos.
Attos, robô limpador de pisos e carpetes, é exibido com orgulho por seu criador, o catarinense Loreno Minati, no site de sua empresa de automação (www.cebeletro nica.com.br/attos_fotos.htm). Com jeitão de cafeteira, Attos tira a sujeira girando duas escovas sob as ordens de um PIC 16F84, da Microchip, um microcontrolador tão trivial no mundo da robótica quanto um Pentium na computação, programado na trabalhosa linguagem Assembly. Sensores proporcionam navegação sem trombadas, e uma câmera de bordo transmite por VHS as imagens do ambiente, permitindo a Minati vigiar sua cria pelo canal 10 do televisor. Fazia parte do projeto um dispositivo de carga inteligente, abortado por outra idéia: o Concept, um manequim esperto, projetado para interagir com humanos em eventos. "Terá sensores de presença nos olhos, reconhecimento de voz nos ouvidos, voz sintetizada para falar com as pessoas e alguns movimentos", adianta. O software de reconhecimento de imagem está em desenvolvimento em Delphi, enquanto cabeça e braços recebem motores. E o criador já pensa em dar ao manequim expressão facial com solenóides, incluir webcam, acoplá-lo a um quiosque e por aí vai. Como seria de esperar, o Attos perdeu peças para o Concept, que, nas contas de Minati, deverá custar perto de 10 mil reais.
Tudo é caro e difícil de achar nesse hobby que filtra os aficionados pelo bolso. Para dar aulas a adolescentes carentes no fim de semana, o professor Barretto apela para lojinhas da Santa Ifigênia, onde consegue comprar, por cerca de 10 reais cada, kits para montar amplificador, pisca-pisca e sirene. Fora dessa área, pouca coisa se salva. Os kits de peças de ferro da francesa Meccano o professor Sérgio Boggio vai pinçar - quando encontra - em lojas paulistanas de brinquedos sofisticados para dar aulas de mecatrônica a turmas do segundo ano do ensino médio no Colégio Bandeirantes. Kits RoboLab, da Lego Dacta, que custam de 500 a 1200 reais, já vão direto para as escolas, acompanhados de aulas estruturadas para os professores. Lego robótico nas lojas, só os kits MindStorms, ainda mais caros.
O problema é que os coloridíssimos kits de Lego são fascinantes e fáceis de lidar. O tijolo RCX, cérebro dos robôs, tem sensores de temperatura, toque, luz e rotação e armazena até cinco tarefas programáveis em segundos, num software baseado em ícones. Bico. Que o diga o designer Arthur Secek, 19, que passou o colegial enfurnado no laboratório de robótica do Pueri Domus, em São Caetano do Sul. No primeiro ano, fez uma fábrica de embalar chicletes em caixas de fósforo. No segundo, construiu um robô que jogava o Jogo da Velha e lhe rendeu o emprego na Edacom, distribuidora da Lego, onde monta e desmonta o que for. Só seu último robô, que os colegas chamam de "filho do Secek", se mantém inteiro.
No outro extremo, da maior dificuldade, mora o hardware idealizado. "A parte mecânica é a pior", reclama Leonardo Schunk, que manda fazer sob medida os eixos dos seus carrinhos e improvisa tudo o que pode em sua impecável oficina de Mauá, arredores de São Paulo. Toda economia é bem-vinda para o EXP1, o robô explorador que ele está montando com o poderoso microcontrolador AVR Atmel numa placa caseira.
Também está no hardware difícil e caro o maior obstáculo às batalhas de robôs. Febre há pouco mais de um ano nos Estados Unidos, onde protagonizam programas de TV de grande audiência, as máquinas de guerra são raras por aqui. Apareceram com a primeira Guerra de Robôs promovida pela Unicamp no ano passado, na categoria de 25 a 50 quilos.
A equipe Los Cuervos, da mecatrônica da Poli, levou dois robôs. Um com quatro serras, motor de kart para acioná-las e motores de pára-brisa de caminhão para mover as rodas. Outro de impacto, com dois motores de arranque de Gol, cada um acionando uma roda de carrinho de pedreiro. Participaram equipes da EFEI de Itajubá, da Unicamp e do Instituto Tecnológico de Aeronáutica. Saiu vencedor o robô da EFEI, o único que funcionou até o fim do torneio. Os demais, teleoperados por controle remoto de aeromodelos, pifaram com problemas na eletrônica de acionamento.
A diversão das batalhas se repetirá este ano, com mais escolas e o mesmo gargalo: o dinheiro. Mesmo não sendo autônomos e muito inteligentes, os robôs de batalha exigem equipamentos caros, como transmissores e receptores de rádio e motores. Os dois guerreiros da Poli custaram 3 mil reais. Embora as peças possam ser reaproveitadas, parte da turma desanimou e quer se concentrar no futebol de robôs, estimulada pelo desafio da visão computacional.
E quem disse que o hardware do futebol conspira menos contra os robomaníacos? Os Cuervos construíram cada um dos três jogadores com dois motores de passo, um PIC, dois acionadores de motor, receptor de rádio e bateria de 9 volts, ao custo de 60 reais. Acima da quadra, uma câmera de vídeo manda a imagem para uma placa de captura antiga, comandada por um decrépito PC Pentium 100. Está tudo funcionando, mas a equipe acha que não dá nem para pensar em competir sem melhorar os equipamentos.
Por essas e outras, o professor Costa resolveu criar com peças novas e recicladas e vender pela web ( www.symphony.com.br ) kits que vão desde o Basic 1, de 69 reais, até o educacional Explorer, de 1 300 reais. Assim, pode continuar a espalhar o gosto pela robótica nas aulas, garimpar sucata e trocar informações nas listas de discussão todos os dias, sábado de Carnaval incluído.
O mais simples dos robôs é do tipo BEAM. Idealizado pelo pequisador americano Mark Tilden, o BEAM deve ser feito com eletrônica minimalista (circuito de dois transistores, motor e capacitor, por exemplo), material reciclável (componentes de celular, pager, toca-CDs, aparelhos que os robomaníacos adoram estripar) e mover-se com energia solar. Enquanto capta luz, o BEAM se move, a esmo, como um inseto tonto.
Receita de robô básico
2 CDs detonados
2 pneus de espuma para aeromodelo
2 motores de corrente contínua com redutor de velocidade
1 rodízio de cadeira (para dar equilíbrio)
1 tubo de caneta esferográfica (para servir de espaçador entre os discos)
1 placa eletrônica com microcontrolador, parafusos e/ou cola
programação em Basic, C ou Assembly, dependendo da placa utilizada
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