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Regiões tropicais precisam rever estratégia de vacinação

Recomendação atual baseada no hemisfério não é adequada para as regiões próximas aos trópicos, onde a dinâmica de circulação do vírus é diferente

Vacina: países com grande extensão latitudinal precisam adotar duas políticas distintas de vacinação contra a gripe (Denis Charlet/AFP)
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Da Redação

Publicado em 24 de junho de 2014 às 12h11.

São Paulo – Estudos recentes têm mostrado que países com grande extensão latitudinal, como o Brasil, precisam adotar duas políticas distintas de vacinação contra a gripe : uma que acompanhe o calendário recomendado para o hemisfério Sul e outra, o calendário do hemisfério Norte.

O alerta foi feito por Nancy Cox, diretora da Divisão de Influenza do Centro de Controle de Doenças (CDC), dos Estados Unidos, em editorial publicado recentemente no Bulletin of the World Health Organization, editado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

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Hoje, a recomendação da OMS é para que países situados no hemisfério Sul vacinem suas populações entre os meses de abril e maio, enquanto no hemisfério Norte a imunização costuma ser indicada entre setembro e dezembro.

Em ambos os casos, na hora de formular a vacina, é feita uma previsão das cepas de influenza que estarão circulando nos meses de inverno com base em dados coletados por uma rede internacional de vigilância epidemiológica coordenada pela OMS.

“Em todos os países de clima temperado, há um pico sazonal na atividade do vírus influenza bem definido nos meses de inverno. No entanto, em países de clima tropical e subtropical, a sazonalidade do influenza é mais variável e sua atividade pode ser observada ao longo de todo o ano – sendo frequentemente mais intensa nos períodos chuvosos”, disse Cox no editorial.

A cientista do CDC comentou os resultados de um estudo realizado em dez países asiáticos – todos situados no hemisfério Norte – entre 2006 e 2011. A pesquisa, publicada na mesma edição do Bulletin of the World Health Organization, foi conduzida em Bangladesh, Camboja, Índia, Indonésia, Laos, Malásia, Filipinas, Cingapura, Tailândia e Vietnã.

A análise mostrou haver circulação do vírus influenza durante todos os meses do ano, em todos os países. No entanto, dois padrões distintos ficaram evidentes. Na Indonésia, Malásia e em Cingapura, países próximos à linha do Equador, não era possível perceber um pico bem definido na atividade viral. Já nas outras sete nações – situadas mais ao norte, mas ainda na região tropical – foi visto um pico de atividade mais claro entre os meses de julho e outubro, período das chuvas de monções (e verão no hemisfério Norte).

“Esse pico contrasta com o pico de inverno típico da sazonalidade do influenza verificada nas regiões de clima temperado do hemisfério Norte. Uma mesma relação entre latitude e período de pico de influenza foi verificada no Brasil”, disse Cox, referindo-se a dados do primeiro artigo a levantar a questão, publicado em 2009 na PLoS One por cientistas brasileiros.

De acordo com Wladimir Alonso, um dos autores do estudo e pesquisador associado do Fogarty International Center do National Institutes of Health (NIH), nos Estados Unidos, mesmo antes de 2009 já existia entre especialistas a suspeita de que a sazonalidade do vírus seria diferente em regiões tropicais. “Nós fizemos o primeiro artigo quantitativo sobre o tema”, contou.

O grupo brasileiro reuniu amostras de pacientes infectados pelo influenza coletadas no Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, e no Instituto Evandro Chagas, no Pará, entre 1999 e 2007. Foram então comparadas as cepas encontradas nas amostras com as cepas que fizeram parte da formulação da vacina do hemisfério Sul no ano correspondente.

“Além de comparar o cenário histórico, ou seja, as vacinas que tinham sido dadas com as cepas que de fato circularam, analisamos um cenário hipotético e vimos que a formulação vacinal recomendada para o hemisfério Norte teria capturado melhor as cepas existentes nas amostras no momento em que a vacina foi oferecida”, disse Alonso.

Segundo o pesquisador, esse primeiro estudo mostrou uma concordância maior com a vacina do hemisfério Norte tanto nas amostras coletadas no Pará quanto nas amostras da região Sudeste.

“No entanto, estudos mais recentes em colaboração com a Fiocruz (RJ) têm revelado que nas regiões Sul e Sudeste do Brasil a recomendação feita para o hemisfério Sul é de fato a mais adequada. Já no Norte e em parte do Nordeste, com exceção da Bahia, seria melhor seguir o calendário e a formulação recomendada para o hemisfério Norte, pois são locais onde não há um inverno bem definido e a dinâmica de circulação de vírus obedece a outras condições climáticas ainda não bem compreendidas”, disse Alonso, que também participou de um estudo que verificou uma situação semelhante na China.

Circulação do influenza

De acordo com a pesquisadora do Instituto Adolfo Lutz Terezinha Maria de Paiva, coautora do artigo da PLoS One, está sendo feito atualmente um mapeamento para entender a dinâmica de circulação do influenza no Centro-Oeste do Brasil.

“Já recebemos amostras de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Piauí, Tocantins e Rondônia. A princípio, os dados parecem ser compatíveis com os observados nas Regiões Sul e Sudeste”, disse Paiva.

Na avaliação de Cox, de Alonso e de Paiva, já há evidências suficientes para mudar a estratégia de vacinação em diversos países situados em regiões tropicais e equatoriais, inclusive o Brasil.

“Penso ser realmente importante que as pessoas que conhecem esses dados consigam sensibilizar os decisores políticos de seus países. No caso da Índia, por exemplo, o período de vacinação já foi mudado. E ainda há alguns países, principalmente os mais pobres da Ásia, que não adotam nenhuma estratégia de vacinação, apesar do grande fardo que a gripe representa para as sociedades em desenvolvimento”, disse Cox à Agência FAPESP.

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