O futuro do 4K corre o risco de cair nas mãos de trolls
Um novo grupo de detentores de patentes quer cobrar royalties pela exibição de vídeos comprimidos com o novo padrão HEVC
Da Redação
Publicado em 28 de julho de 2015 às 08h21.
Você pode não perceber, mas o vídeo que você assiste em um Blu-ray, na TV digital, no YouTube, no Netflix, na INFO e em praticamente todos os outros cantos da internet depende de uma tecnologia em comum: o codec h.264 (também conhecido como MPEG-4 Parte 10, ou, simplesmente, "AVC"). É ele que permite que um vídeo 1080p some uma quantidade de dados suficientemente pequena para que ele possa ser transmitido pela rede sem perda significativa de qualidade. Você já imaginou o que aconteceria se todos esses publicadores de conteúdo tivessem que pagar pelo privilégio de usar esse codec? É isso que o grupo HEVC Advance pretende fazer com a próxima versão do h.264, o HEVC/h.265, cuja maior promessa é cortar pela metade a banda necessária para transmitir vídeos em 4K.
O que é HEVC?
Como o h.264, o HEVC é um codec de vídeo ou, mais especificamente, um formato de codificação de vídeo. O que a codificação faz é criar uma representação matemática do sinal analógico capturado pela câmera para que ele possa ser processado por um computador. A maioria dos codecs é denominada de lossy porque alguns dados são perdidos durante essa conversão, mas também existem formatos lossless que mantêm toda a informação capturada.
Desse modo, ao contrário do que acontece com as gravações de vídeo em filme analógico, cada frame de um vídeo digital típico não é necessariamente uma foto completa da cena - os arquivos seriam gigantescos se assim fosse. Câmeras projetadas para a produção de vídeos sem perda de dados, por exemplo, normalmente são equipadas com SSDs e não simples cartões de memória porque elas precisam de uma mídia muito mais rápida e com maior capacidade de armazenamento.
Não deve soar surpreendente, portanto, que a esmagadora maioria dos vídeos que qualquer pessoa assiste vêm de algum tipo de mídia comprimida. Graças a um raro equilíbrio entre qualidade e eficiência, o h.264 se tornou o codec mais popular por uma larga margem.
Basicamente, o h.264 funciona quebrando cada frame em blocos chamados macroblocks. Em vez de sempre gravar os pixels correspondentes da forma como estão, o software busca blocos similares em outros frames. Se um padrão for identificado, um grupo de frames subsequentes pode ser codificado como um vetor de movimento. Dessa maneira, o vídeo é reorganizado em um grupo de imagens (GOP) composto por três tipos diferentes de frames: I-frames, P-frames e B-frames.
Os I-frames são fotos completas da cena que servem de referência para reconstruir os outros dois, que ocupam menos espaço. Além de comprimir o vídeo de acordo com a sequência de frames, o codec também comprime cada frame individual prevendo a distribuição de pixels na imagem através da transformada discreta de cosseno (é o que acontece dentro de uma foto em JPEG, por exemplo).
Essa estrutura é melhorada ainda mais pelo HEVC (também chamado de h.265), que se baseia nos sucessos do h.264 para dobrar o grau de compressão sem perda de qualidade. Como no h.264, o HEVC divide cada frame em várias partes, desta vez chamadas de coding tree blocks, que são mais numerosos e flexíveis do que os macroblocks citados acima. O HEVC também usa transformadas mais longas e que podem cobrir uma área maior.
Discutir as especificidades de cada codec seria ultrapassar em muito o escopo deste artigo. O ponto aqui é que o HEVC é o fruto do grande desenvolvimento na capacidade computacional que experimentamos nos últimos anos. Ele foi projetado para se aproveitar do processamento paralelo casa vez mais comum nos vários tipos de computadores que usamos. O resultado é um arquivo mais difícil de ser decodificado, mas que também ocupa menos espaço na memória.
Na prática, a grande mudança que ele provoca é que vídeos em geral se tornam mais acessíveis para todos os tipos de público. O 4K, em especial, se tornaria uma resolução mais viável em sites de streaming de vídeo, mas os vídeos em 1080p também vão exigiriam uma banda menor de internet.
Qual é o problema?
O problema do HEVC no momento não é técnico, é econômico. Tanto o HEVC quanto o h.264 são padrões abertos, mas a implementação de ambos não é necessariamente aberta. Embora o padrão tenha sido criado por associações internacionais como o ITU-T e o MPEG, seu desenvolvimento exigiu o uso de muitas tecnologias patenteadas. Existem soluções open source de excelente qualidade como o encoder x264 e o decoder do ffmpeg, mas, em geral, usar o h.264 significa esbarrar em alguma patente de empresas como a Apple, a Microsoft e a Fujitsu (só para citar algumas).
Essa situação sempre causou muito constrangimento na indústria. A Mozilla, por exemplo, demorou anos para suportar o codec no Firefox justamente por causa de sua utilização de tecnologias proprietárias. Para garantir que o padrão continuaria sendo suportado pela maior parte do mercado, o consórcio de empresas que atualmente gerencia os direitos do h.264, chamado de MPEG LA, relaxou as exigências de pagamento de royalties.
Quem paga essa conta atualmente são os produtores de hardware com encoders ou decoders de h.264 (players de Blu-ray e SoC com codecs de hardware, por exemplo), empresas que vendem conteúdo por demanda (discos de filmes em h.264, por exemplo) e serviços de assinatura de conteúdo que utiliza o padrão. Essas duas últimas categorias só são cobradas a partir de 100 mil unidades anuais vendidas ou do registro de 100 mil inscrições, ambos com restrições de valor máximo. Crucialmente, vídeos entregues pela TV aberta ou pela internet, como é o caso do Netflix, não são cobrados.
Como a MPEG LA também licencia os direitos do HEVC, esperava-se que a situação continuaria a mesma e, de fato, foi isso que a empresa prometeu. No entanto, a MPEG LA não tem controle exclusivo sobre esses padrões. Qualquer detentor de direitos pode sair do grupo e defender seus interesses por si só. Foi justamente isso que aconteceu quando um grupo de empresas que faziam parte do MPEG LA fundou o HEVC Advance em março deste ano.
O novo grupo diz representar a Dolby, a Mitsubishi Electric, a Philips, a Technicolor e a General Electric. Eles ainda estão tentando reunir mais membros e almejam reunir até 500 patentes relacionadas ao HEVC. A princípio, o HEVC Advance só tinha causado alguma confusão e incerteza no mercado, mas neste último dia 22 surgiu a notícia de que eles começariam a cobrar 0,5% do lucro bruto atribuível ao uso de HEVC por publicadores de conteúdo em geral. Isso significaria cobrar uma taxa 0,5% do Facebook, da Apple, da Amazon e de outros provedores de vídeo da internet. Além disso, a cobrança seria retroativa, de modo que quem já produz conteúdo em h.265 há algum tempo, como é o caso do Netflix, seria forçado a pagar por todo esse período. Fabricantes de hardware, incluindo TVs e smartphones, também teriam suas tarifas aumentadas em relação às do h.264 sem limites de arrecadação máxima.
Existem alternativas?
Considerando que as tarifas propostas pelo HEVC Advance podem ser até 7 vezes maiores que as já existentes para o h.264, é difícil imaginar uma situação em que o mercado em geral adotaria o HEVC. Balcanização é ruim para as empresas, mas também é muito ruim para o consumidor. Ninguém quer voltar a um passado em que formatos determinavam quem assistia um filme ou outro.
Naturalmente, existem muitos outros codecs além do HEVC e do h.264, mas apenas dois até agora se mostraram candidatos viáveis para o futuro dos vídeos em UHD. Trata-se do VP9 do Google e do Daala da Mozilla. Ambos são interessantes por não cobrarem royalties, mas destronar os variantes do MPEG-4 obviamente não é uma tarefa simples.
O maior problema de ambos é que seu principal foco é a internet. Ou seja, tanto o VP9 quanto o Daala sacrificam mais qualidade em nome de uma bitrate ainda menor. Se um dos dois começar a ganhar mais penetração, é provável que o mercado se divida entre VP9 na internet (graças ao peso do YouTube) e HEVC para conteúdo nativo.
De qualquer maneira, o HEVC já tem uma vantagem considerável de adoção. Vários smartphones já possuem um decoder de hardware compatível e o próprio Netflix usa o codec em streams de 4K para TVs mais modernas.
De qualquer maneira, só podemos torcer para que os membros do MPEG LA não caiam na promessa de dinheiro rápido e fácil do HEVC Advance. No longo prazo, um mercado unido é benéfico para todos.