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Faculdades de curta duração têm papel de destaque nos EUA

Com cursos de dois anos, community colleges recebem de 55% a 60% dos calouros em um país em que a dívida estudantil é a segunda maior dívida das pessoas físicas

Universitários: escolas, que antes eram consideradas opções apenas para alunos pobres ou provenientes das “minorias étnicas” (negros, latinos etc.), atraem cada vez mais os filhos da chamada “classe média branca” (Pamela Moore/Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 30 de janeiro de 2014 às 10h50.

São Paulo – Metade da educação superior dos Estados Unidos é provida por faculdades que oferecem cursos de curta duração. Os community colleges, com cursos de dois anos, recebem de 55% a 60% dos calouros.

E essas escolas, que antes eram consideradas opções apenas para alunos pobres ou provenientes das “minorias étnicas” (negros, latinos etc.), atraem cada vez mais os filhos da chamada “classe média branca”, em um país em que todo o ensino superior é pago e caro – e em que a dívida estudantil se tornou a segunda maior dívida das pessoas físicas: perde para a dívida imobiliária, mas é maior do que a dívida com cartões de crédito.

O assunto foi tema da pesquisa “Estados Unidos: educação superior como política de desenvolvimento – papel dos community colleges, de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, professor titular aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp).

Realizado com apoio da FAPESP, o estudo deverá ser publicado em livro este ano, pela Editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Deverá sair na coleção de estudos internacionais mantida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).

“Enfoquei o papel dos community colleges na educação superior americana e o papel da educação superior americana no desenvolvimento dos Estados Unidos. Como pano de fundo para a investigação dos community colleges, procurei fazer uma reconstrução da educação superior americana desde o início do século XIX: como as velhas faculdades da época colonial se encontravam quando os Estados Unidos conquistaram sua independência; quais eram os desafios enfrentados pelo sistema educacional; e como ele se estruturou, etapa por etapa, a partir de então”, disse Moraes à Agência FAPESP.


Os community colleges surgiram no começo do século XX, com o objetivo de transpor o fosso que havia entre o ensino médio e o ensino superior.

“A escola média norte-americana, a high school, que se massificou no começo do século XX, não é bem uma escola preparatória para o ensino superior. Ao contrário do que ocorre no sistema europeu, sobretudo o francês e o alemão, em que o ensino médio é muito importante e de muito alta qualidade, a high school norte-americana era, e continua sendo, muito frágil”, disse Moraes.

Uma formação equivalente à do liceu francês ou à do ginásio alemão, de acordo com Moraes, só é obtida, nos Estados Unidos, nos dois primeiros anos da faculdade.

“Os community colleges surgiram para cobrir esse vão, cumprindo papel propedêutico. Na ocasião, chamavam-se junior colleges, em contraponto às faculdades de quatro anos, chamadas de senior colleges”, disse Moraes.

Os community colleges modificaram-se ao longo do tempo, agregando cursos com vocação profissionalizante, e deslancharam depois da Segunda Guerra Mundial, quando o Estado federal assumiu um papel muito grande na massificação do ensino superior.

Até essa época, o ensino superior norte-americano era dominado pelas universidades privadas, que são, até hoje, as instituições de maior prestígio, como Harvard, Stanford, Columbia, Princeton, Yale, MIT, entre outras.

“O núcleo duro da educação superior norte-americana era esse setor privado. Isso mudou completamente depois da guerra. Houve uma massificação muito grande, promovida pelo governo federal por meio de políticas de inclusão. Por exemplo, foram distribuídas maciçamente bolsas aos soldados veteranos para que eles pudessem cursar faculdades. Foi uma revolução que mudou a composição do ensino superior, que passou a ser predominantemente público”, disse Moraes.


No setor público cresceu, concomitantemente, o ensino superior de curta duração. Ele confere um diploma ao fim de dois anos e possibilita que o indivíduo tente, depois, uma complementação de dois anos em uma faculdade de longa duração. Há programas muito detalhados de articulação e transferência, permitindo que, mediante avaliação, os dois anos feitos nos community colleges sejam reconhecidos nas faculdades de longa duração.

Segundo Moraes, os estudantes de cursos superiores norte-americanos distribuem-se, grosso modo, na seguinte proporção, segundo dados de 2011:

Escolas privadas sem fins lucrativos mantidas por fundações (como Harvard, Stanford, Columbia, Princeton, Yale e MIT): 19% dos estudantes
Escolas privadas com fins lucrativos mantidas por grupos empresariais: 9%
Escolas públicas (englobam as grandes universidades estaduais, como a Universidade da Califórnia, a Universidade do Texas, a Universidade da Flórida, e cerca de 1.100 community colleges): 72%
Vale lembrar que as escolas públicas também são pagas, embora haja elevado número de bolsistas. E que os recém-formados já ingressam no mercado de trabalho com grandes dívidas resultantes do custeio de seu estudos.

“É um sistema contraditório, que, por um lado, resolveu de modo satisfatório o problema da descentralização geográfica, elemento fundamental de democratização, propiciando ao candidato ter uma escola a pelo menos 50 quilômetros de sua casa, de modo a não precisar mudar de cidade para acessar o ensino superior; e que, por outro lado, possui distorções gravíssimas, sendo muito elitizado, hierarquizado e dependente de recursos problemáticos, como a economia da guerra, antes, e o endividamento estudantil, agora”, disse Moraes.


O pesquisador citou o caso de Harvard como exemplo da elitização. “Uma graduação em Harvard custa, em média, US$ 40 mil anuais (quase R$ 8 mil reais por mês), só com o preço da faculdade, sem contar moradia, alimentação, material didático e outras despesas – o que, para a média das famílias americanas, constitui um gasto absolutamente inviável”, disse. “Claro que as universidades públicas são bem mais baratas, mas seu custo subiu muito mais do que o aumento da renda média das famílias nos últimos anos.”

Perto de 120 universidades compõem o pelotão de elite do sistema – e incluem grandes universidades estaduais. São elas que concentram cerca de 70% dos doutorados, 70% das verbas de pesquisa e de onde saem os principais quadros intelectuais do país, afirmou o pesquisador.

Publicação

Conforme escreveu Moraes no livro que será publicado (ao qual a Agência FAPESP teve acesso), a pesquisa realizada por ele buscou compreender a estrutura e a história da educação superior norte-americana, tentando mostrar como se formou, passo a passo, “um conjunto de dispositivos que enfrentavam desafios mutantes: formar as elites, incorporar os imigrantes e americanizá-los, fornecer força de trabalho qualificada, inventar e inovar, gerar uma cultura hegemônica para uma nação com inclinação imperial”.

A narrativa, que segue a ordem cronológica, deixa de lado o período colonial e toma como ponto de partida o momento de formação da jovem república, nas primeiras décadas do século XIX. E delimita as etapas subsequentes com base em dois grandes eixos conceituais.


Primeiro, os fatos notáveis que constituem a superfície visível e imediata da história, como a Lei Morrill, que criou uma rede de escolas superiores no país mediante a doação de terras federais, ou o ato de reinserção dos veteranos, o G.I. Bill, que massificou o sistema de ensino superior depois da Segunda Guerra Mundial, colocando o setor público e, principalmente, o governo federal e os governos estaduais como protagonistas da expansão.

O segundo eixo abrange as transformações de longo prazo da sociedade norte-americana, com redirecionamentos e efeitos perceptíveis a cada três ou quatro décadas, como as mudanças demográficas, econômicas, na estratificação social, no aparecimento de processos e produtos marcantes, identificadores de uma era (a ferrovia, o automóvel, o avião, a informática e a telemática, a biotecnologia etc.).

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São Paulo – Metade da educação superior dos Estados Unidos é provida por faculdades que oferecem cursos de curta duração. Os community colleges, com cursos de dois anos, recebem de 55% a 60% dos calouros.

E essas escolas, que antes eram consideradas opções apenas para alunos pobres ou provenientes das “minorias étnicas” (negros, latinos etc.), atraem cada vez mais os filhos da chamada “classe média branca”, em um país em que todo o ensino superior é pago e caro – e em que a dívida estudantil se tornou a segunda maior dívida das pessoas físicas: perde para a dívida imobiliária, mas é maior do que a dívida com cartões de crédito.

O assunto foi tema da pesquisa “Estados Unidos: educação superior como política de desenvolvimento – papel dos community colleges, de Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes, professor titular aposentado do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas (IFCH-Unicamp).

Realizado com apoio da FAPESP, o estudo deverá ser publicado em livro este ano, pela Editora da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Deverá sair na coleção de estudos internacionais mantida pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).

“Enfoquei o papel dos community colleges na educação superior americana e o papel da educação superior americana no desenvolvimento dos Estados Unidos. Como pano de fundo para a investigação dos community colleges, procurei fazer uma reconstrução da educação superior americana desde o início do século XIX: como as velhas faculdades da época colonial se encontravam quando os Estados Unidos conquistaram sua independência; quais eram os desafios enfrentados pelo sistema educacional; e como ele se estruturou, etapa por etapa, a partir de então”, disse Moraes à Agência FAPESP.


Os community colleges surgiram no começo do século XX, com o objetivo de transpor o fosso que havia entre o ensino médio e o ensino superior.

“A escola média norte-americana, a high school, que se massificou no começo do século XX, não é bem uma escola preparatória para o ensino superior. Ao contrário do que ocorre no sistema europeu, sobretudo o francês e o alemão, em que o ensino médio é muito importante e de muito alta qualidade, a high school norte-americana era, e continua sendo, muito frágil”, disse Moraes.

Uma formação equivalente à do liceu francês ou à do ginásio alemão, de acordo com Moraes, só é obtida, nos Estados Unidos, nos dois primeiros anos da faculdade.

“Os community colleges surgiram para cobrir esse vão, cumprindo papel propedêutico. Na ocasião, chamavam-se junior colleges, em contraponto às faculdades de quatro anos, chamadas de senior colleges”, disse Moraes.

Os community colleges modificaram-se ao longo do tempo, agregando cursos com vocação profissionalizante, e deslancharam depois da Segunda Guerra Mundial, quando o Estado federal assumiu um papel muito grande na massificação do ensino superior.

Até essa época, o ensino superior norte-americano era dominado pelas universidades privadas, que são, até hoje, as instituições de maior prestígio, como Harvard, Stanford, Columbia, Princeton, Yale, MIT, entre outras.

“O núcleo duro da educação superior norte-americana era esse setor privado. Isso mudou completamente depois da guerra. Houve uma massificação muito grande, promovida pelo governo federal por meio de políticas de inclusão. Por exemplo, foram distribuídas maciçamente bolsas aos soldados veteranos para que eles pudessem cursar faculdades. Foi uma revolução que mudou a composição do ensino superior, que passou a ser predominantemente público”, disse Moraes.


No setor público cresceu, concomitantemente, o ensino superior de curta duração. Ele confere um diploma ao fim de dois anos e possibilita que o indivíduo tente, depois, uma complementação de dois anos em uma faculdade de longa duração. Há programas muito detalhados de articulação e transferência, permitindo que, mediante avaliação, os dois anos feitos nos community colleges sejam reconhecidos nas faculdades de longa duração.

Segundo Moraes, os estudantes de cursos superiores norte-americanos distribuem-se, grosso modo, na seguinte proporção, segundo dados de 2011:

Escolas privadas sem fins lucrativos mantidas por fundações (como Harvard, Stanford, Columbia, Princeton, Yale e MIT): 19% dos estudantes
Escolas privadas com fins lucrativos mantidas por grupos empresariais: 9%
Escolas públicas (englobam as grandes universidades estaduais, como a Universidade da Califórnia, a Universidade do Texas, a Universidade da Flórida, e cerca de 1.100 community colleges): 72%
Vale lembrar que as escolas públicas também são pagas, embora haja elevado número de bolsistas. E que os recém-formados já ingressam no mercado de trabalho com grandes dívidas resultantes do custeio de seu estudos.

“É um sistema contraditório, que, por um lado, resolveu de modo satisfatório o problema da descentralização geográfica, elemento fundamental de democratização, propiciando ao candidato ter uma escola a pelo menos 50 quilômetros de sua casa, de modo a não precisar mudar de cidade para acessar o ensino superior; e que, por outro lado, possui distorções gravíssimas, sendo muito elitizado, hierarquizado e dependente de recursos problemáticos, como a economia da guerra, antes, e o endividamento estudantil, agora”, disse Moraes.


O pesquisador citou o caso de Harvard como exemplo da elitização. “Uma graduação em Harvard custa, em média, US$ 40 mil anuais (quase R$ 8 mil reais por mês), só com o preço da faculdade, sem contar moradia, alimentação, material didático e outras despesas – o que, para a média das famílias americanas, constitui um gasto absolutamente inviável”, disse. “Claro que as universidades públicas são bem mais baratas, mas seu custo subiu muito mais do que o aumento da renda média das famílias nos últimos anos.”

Perto de 120 universidades compõem o pelotão de elite do sistema – e incluem grandes universidades estaduais. São elas que concentram cerca de 70% dos doutorados, 70% das verbas de pesquisa e de onde saem os principais quadros intelectuais do país, afirmou o pesquisador.

Publicação

Conforme escreveu Moraes no livro que será publicado (ao qual a Agência FAPESP teve acesso), a pesquisa realizada por ele buscou compreender a estrutura e a história da educação superior norte-americana, tentando mostrar como se formou, passo a passo, “um conjunto de dispositivos que enfrentavam desafios mutantes: formar as elites, incorporar os imigrantes e americanizá-los, fornecer força de trabalho qualificada, inventar e inovar, gerar uma cultura hegemônica para uma nação com inclinação imperial”.

A narrativa, que segue a ordem cronológica, deixa de lado o período colonial e toma como ponto de partida o momento de formação da jovem república, nas primeiras décadas do século XIX. E delimita as etapas subsequentes com base em dois grandes eixos conceituais.


Primeiro, os fatos notáveis que constituem a superfície visível e imediata da história, como a Lei Morrill, que criou uma rede de escolas superiores no país mediante a doação de terras federais, ou o ato de reinserção dos veteranos, o G.I. Bill, que massificou o sistema de ensino superior depois da Segunda Guerra Mundial, colocando o setor público e, principalmente, o governo federal e os governos estaduais como protagonistas da expansão.

O segundo eixo abrange as transformações de longo prazo da sociedade norte-americana, com redirecionamentos e efeitos perceptíveis a cada três ou quatro décadas, como as mudanças demográficas, econômicas, na estratificação social, no aparecimento de processos e produtos marcantes, identificadores de uma era (a ferrovia, o automóvel, o avião, a informática e a telemática, a biotecnologia etc.).

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