A informação mais simples é mais bem absorvida, diz fundador do e-Farsas
Fundador de um dos primeiros serviços criados para desmentir boatos da internet, Gilmar Lopes explica como as fake news evoluíram nos últimos anos
Rodrigo Loureiro
Publicado em 19 de junho de 2020 às 05h55.
Última atualização em 19 de junho de 2020 às 09h52.
Gilmar Lopes fundou o site e-Farsas em 2002 após provar que alguns e-mails que recebia não passavam de boatos. Desde então, ele desvendou as principais mentiras da internet. Rumores que vão desde uma foto de um turista posando na frente do avião que bateria no World Trade Center até mensagens sobre benefícios quase milagrosos da hidroxicloroquina. No combate das fake news na era das redes sociais, Lopes afirma que a melhor arma é a comunicação eficiente. "A informação mais simples é mais bem absorvida.”
Em entrevista exclusiva para a EXAME, o especialista em desvendar fake news conta sobre o trabalho realizado em quase duas décadas, o papel das redes sociais e o crescente impacto das notícias falsas na sociedade atual:
Como foi que você começou a realizar este trabalho de checagem de informações?
Isso começou lá em 2002. Eu recebia correntes por e-mail e uma delas dizia que para cada mensagem encaminhada uma criança iria receber 5 ou 50 centavos. E seria por uma doação da America Online. Então, antes de repassar, eu resolvi pesquisar, entrei em contato com a empresa e descobri que era tudo mentira. A partir de então, meus amigos começaram a me desafiar para descobrir se outros e-mails também eram falsos e eu resolvi juntar todas essas histórias em um único lugar. No dia 1º de abril de 2002, o e-Farsas entrou no ar.
Você imaginava que as fake news teriam o impacto que têm hoje?
Naquela época eu não achava que isso se tornaria algo tão grande, que as notícias falsas se tornariam a pauta do momento. O termo fake news nem mesmo existia, a gente chamava de hoax ou apenas de boato.
O que mudou de lá para cá no seu trabalho?
A quantidade. Tem muita coisa e eu já não dou conta de fazer tudo. As pesquisas também precisam ser mais ágeis. Lá no começo do site, quando eu ainda utilizava internet discada, as atualizações eram semanais. Às vezes, quinzenais. O e-Farsas faz pelo menos cinco pesquisas por dia atualmente. Mas é preciso lembrar que hoje existem mais ferramentas para buscar informações na internet do que antes.
Mas parece que mesmo com mais ferramentas de pesquisa, a desinformação tem crescido na internet...
Quando eu tive a ideia de fazer o site, a ideia era utilizar a própria internet como ferramenta para confirmar ou desmentir algo que estava circulando na rede. Era mostrar que qualquer pessoa poderia fazer uma pesquisa. Agora estamos expostos há muitas informações. Recebemos informações de tudo o quanto é lugar, seja do WhatsApp, das redes sociais, dos sites... A quantidade de informação a qual estamos sendo expostos é muito grande.
Essa avalanche de conteúdo atrapalha?
A minha impressão é de que a informação mais simples é mais bem absorvida. Por exemplo, tente enviar um artigo científico sobre hidroxicloroquina em um grupo de WhatsApp. As pessoas vão te achar um cara chato. Mas se no mesmo grupo for enviado um meme com uma montagem e um texto curto sobre a droga, as pessoas vão consumir a informação mais facilmente por ser uma mensagem mais simples de ser entendida.
As redes sociais podem ser responsabilizadas pela disseminação de fake news?
Se a gente for analisar que as redes sociais funcionam apenas como uma ferramenta, o que é escrito dentro delas não deveria ser de responsabilidade da plataforma. Por outro lado, há muitos estragos causados por causa disso. A rede social precisa ter dispositivos para informar sobre notícias falsas em algumas postagens, mas isso não pode ser afeito apenas por algoritmos. É preciso que exista uma curadoria, um grupo de pessoas que atuam na verificação. Mas qual será o viés desta equipe? O que será bloqueado? Há um debate e que envolve o princípio de que as pessoas têm direito de se expressarem.
Você teve um certo problema com a checagem de informações do Facebook, certo?
Foi o seguinte. Houve uma comparação entre o tempo de conserto de uma ponte no Rio de Janeiro e outra no Japão, mostrando uma suposta ineficiência brasileira. Quando identificamos a notícia falsa, publicamos no site e fizemos uma postagem no Facebook, só que a rede social notificou o conteúdo alertando como fake news com base em uma pesquisa realizada por checadores de fatos independentes e que estavam na Indonésia. Mas o problema é que esta agência da Indonésia utilizou a nossa checagem como fonte. Ou seja, eu fui desmentido por mim mesmo.
Há uma mudança no perfil das notícias falsas disseminadas atualmente em relação ao conteúdo que circulava anos atrás?
Antes, os textos falsos tinham um formato quase padronizado: não eram datados, tinham tom alarmista com palavras escritas em letras maiúsculas e pediam para serem repassados. Hoje, o conteúdo falso circula como notícia, com layout jornalístico e com links para outros sites. Uma fake news recente citava até o número do processo que uma pessoa supostamente estaria respondendo, mas o problema é que aquele processo não era dela.
E em relação ao conteúdo?
Desde 2018 as fake news ficaram mais direcionadas. Existem grupos no WhatsApp em que as pessoas se reúnem e discutem quem elas vão atacar, criando notícias falsas e as espalhando na rede. A impressão é de que os alvos do momento são os grupos antifas.
Qual foi a notícia mais espetacular que você viu durante todo este tempo?
Sem dúvida foi uma foto de uma pessoa que estava visitando o World Trade Center, em Nova York, no dia 11 de setembro de 2001. Ela teria sido fotografada quase que posando acidentalmente enquanto um dos aviões que teria colidido com a torre vinha em sua direção. Era falso, claro.