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Verão dos insatisfeitos: Reino Unido e França enfrentam falta de confiança nos governos

Onda de revolta contra governos atinge dois dos maiores países da Europa

Emmanuel Macron: presidente da França fez aposta arriscada ao antecipar eleições para a Assembleia Nacional (Mohammed Badra/Pool /AFP/Getty Images)

Emmanuel Macron: presidente da França fez aposta arriscada ao antecipar eleições para a Assembleia Nacional (Mohammed Badra/Pool /AFP/Getty Images)

Rafael Balago
Rafael Balago

Repórter de macroeconomia

Publicado em 25 de julho de 2024 às 06h00.

Reino Unido e França viveram momentos políticos parecidos no começo do verão europeu. Os dois países tiveram eleições antecipadas e viram uma perda de apoio dos eleitores aos partidos no governo. Na França, ela foi parcial. Entre os britânicos, quase total.

Do lado inglês, houve uma mudança profunda: o Partido Conservador, que governava o país havia 14 anos, deixou o poder após uma derrota esmagadora. O partido passou de 372 para 121 assentos, enquanto os Trabalhistas foram de 201 para 402. Em maio, o então premiê Rishi Sunak havia antecipado eleições em uma tentativa de ganhar força, mas perdeu feio e deixou o cargo horas depois de a apuração cravar sua derrota. O trabalhista Keir Starmer assumiu o cargo na manhã de 5 de julho.

Em Paris, o presidente Emmanuel Macron se manteve no cargo, mas em situação mais apertada. Ele tentou um lance ousado em junho: depois de ver seu partido ir mal nas eleições do Parlamento Europeu, antecipou eleições para o Legislativo. Macron esperava que os franceses se unissem em torno dele para conter o avanço da extrema direita, simbolizada por Marine Le Pen.

No segundo turno, houve uma espécie de aliança unindo o centro, que inclui o partido do presidente, com as legendas de esquerda, mas a parceria é instável. O bloco de esquerda, chamado Nova Frente Popular, foi o mais votado, com 178 assentos, e a coa-lizão de Macron, Ensemble, teve 160. A extrema direita ficou em terceiro lugar. O presidente conseguiu seu objetivo principal, mas perdeu poder: sua coalizão deixou de ser a maior da Assembleia Nacional.

A insatisfação com os governos não é exclusividade europeia: em 36 eleições nacionais na América Latina desde 2015, 28 tiveram vitória do partido da oposição. Na Europa, o bloco de centro manteve maioria no Parlamento Europeu nas eleições de junho, com ligeiro avanço. O EPP, maior partido da Casa, aumentou sua bancada de 179 para 188 assentos, de um total de 720. No entanto, a extrema direita avançou e terá quase um quarto dos assentos.

“Nunca foi tão fácil ser oposição. A maioria dos governos é eleita com margens apertadas e ambientes polarizados. Além disso, grande parte dos países democráticos tem restrições fiscais sérias. Há pouco recurso para entregas relevantes”, avalia Mauricio Moura, professor na Universidade George Washington. “As demandas do eleitorado são desproporcionais ao que o mundo político e os orçamentos podem oferecer.” 

As razões para a revolta contra os governantes variam entre Reino Unido e França. Para os britânicos, pesou muito a piora na economia e nos serviços públicos após o Brexit, a saída do país da União Europeia. A medida foi aprovada em 2016 e levou quatro anos para ser implantada, com três trocas de primeiro-ministro nesse período.

Ao tomar posse, Keir Starmer, o novo premiê, deixou claro que quer fazer um governo focado na qualidade dos serviços públicos. “Quando a distância entre o sacrifício feito pelos cidadãos e o serviço que recebem dos políticos se torna muito grande, isso leva ao cansaço, à erosão da esperança, do espírito, da crença em um futuro melhor. Essa falta de confiança só pode ser curada com ações, e não com palavras”, disse Starmer no discurso de posse.

Leonardo Trevisan, professor de relações internacionais na ESPM, aponta que o Reino Unido teve crescimento da pobreza a partir de 2018, o que aumenta a pressão sobre os serviços públicos. “Uma cirurgia eletiva pode levar dois anos para ser realizada. Devemos ter agora uma política econômica voltada para certa recuperação do Estado”, avalia.

Na França, Macron gerou incômodo por reformas como a da Previdência, aprovada em 2023, que elevou a idade mínima de aposentadoria de 62 para 64 anos. O presidente foi questionado também por usar manobras constitucionais para driblar o Congresso, o que irritou políticos de esquerda e de direita.

“Macron está no segundo mandato e, por lei, não poderá ter um terceiro. Ele optou por fazer reformas estruturais, que não são populares, mas são política de Estado. A história poderá favorecê-lo mais à frente”, diz Hussein Kalout, pesquisador de Harvard, do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e ex-secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência do Brasil.  

No entanto, antes de sair do governo para entrar na história, Macron precisará lidar com uma situação política instável. A esquerda francesa vive rachas internos e tem demonstrado pouca vontade de ceder espaço nas negociações com o partido do governo. Até a conclusão desta reportagem, ainda não havia acordo para a nomeação de um primeiro-mi-nistro (chefe da Assembleia Nacional) para a França.

“Macron perdeu sua aposta por um reforço de apoio do eleitorado. Ele está enfraquecido, mas resignação e realismo não são seus pontos fortes”, disse Gérard Araud, membro do think tank americano Atlantic Council e ex-embaixador da França nos Estados Unidos. “A França está entrando em uma longa crise, cheia de incertezas e instabilidade política.”

O verão europeu terminará em setembro, e tanto o governo britânico quanto o inglês têm pouco tempo para entregar resultados antes que o frio da insatisfação popular volte a dominar as ruas. 

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