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A pequena Kunumi vai brigar contra o Google

Depois de lançar três startups de sucesso, um professor universitário cria a Kunumi para competir no promissor mercado de inteligência artificial

Guilherme Salgado, João Cavalcanti, Clarissa Accioly e Alberto Colares: startup recém-criadatem clientes que vão do Sírio-Libanês ao Itaú  | Germano Lüders /

Guilherme Salgado, João Cavalcanti, Clarissa Accioly e Alberto Colares: startup recém-criadatem clientes que vão do Sírio-Libanês ao Itaú | Germano Lüders /

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Letícia Toledo

Publicado em 20 de outubro de 2017 às 05h55.

Última atualização em 23 de outubro de 2017 às 19h11.

O professor e pesquisador da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Nivio Ziviani é um caso raro de acadêmico brasileiro que conseguiu transformar pesquisas em milhões de reais. Nos últimos 20 anos, fundou três startups especializadas em ferramentas de busca na internet que tiveram seus trabalhos iniciais na UFMG. Todas foram vendidas. A Miner, especializada em organizar buscas de segmentos específicos, foi criada em 1998 e vendida no ano seguinte ao grupo UOL por 4 milhões de reais. A Akwan, fundada em 2000, ajudou a desenvolver os primórdios do sistema de busca da internet e foi adquirida pelo Google, em 2005, por um valor nunca revelado. Por causa dessa aquisição, Belo Horizonte tornou-se o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento do Google na América Latina. Por último, a empresa de buscas voltada para o comércio eletrônico Neemu foi adquirida pela fabricante de software Linx por 55,5 milhões de reais em 2015. Quando Ziviani, doutor em ciência da computação pela Universidade de Waterloo, no Canadá, decide iniciar uma empreitada, portanto, vale a pena prestar atenção. Assim como os outros três negócios anteriores, a nova empresa é difícil de entender, e coloca o Brasil em concorrência com gigantes da tecnologia, como Google, Amazon e Apple.

Iniciada no começo de 2016, a Kunumi é fruto de quatro anos de estudos de ­Ziviani e do hoje diretor de tecnologia da empresa, Juliano Viana, ex-aluno da UFMG. A dupla criou uma plataforma tecnológica que imita o funcionamento do cérebro. Com sua rede neural artificial, a plataforma consegue analisar gigantescas bases de dados, encontrar padrões e trazer soluções para diferentes problemas que levariam décadas para ser resolvidos por seres humanos. É, em resumo, uma startup de inteligência artificial, o mesmo campo de pesquisa que está no radar das principais companhias de tecnologia do mundo. “Desenvolvemos um sistema que pode ser usado em qualquer lugar do planeta. Não tem complexo de inferioridade, podemos brigar com as grandes empresas ao redor do mundo. Pesquiso o que eu digo que são as ondas da tecnologia. Com a Miner, entrei na onda da metabusca. Com a Akwan e a Neemu, a onda foi a da busca. Agora, com a Kunumi, é a onda da inteligência artificial, que está mais para um tsunami”, diz Ziviani.

A Kunumi já começou com clientes tão distintos quanto bancos e hospitais. A lista inclui nomes como a construtora MRV, o hospital Sírio-Libanês, a operadora de planos de saúde Unimed, o banco Itaú e a montadora Fiat. “Nossa proposta é solucionar vários tipos de problema em diferentes mercados. Isso exige uma estrutura mais robusta de pesquisa, não há uma solução pronta de inteligência artificial”, diz Alberto Colares, presidente da Kunumi. Devido à alta necessidade de se adaptar aos diferentes problemas dos clientes, metade dos 60 funcionários são engenheiros. A Kunumi tem escritórios em São Paulo, Belo Horizonte e Roterdã, na Holanda.

Um dos primeiros projetos da Kunumi foi desenvolvido em parceria com o hospital paulistano Sírio-Libanês. Nele, a plataforma da empresa é usada para melhorar o tratamento na unidade de terapia intensiva (UTI). Foram utilizados mais de 6 000 prontuários com dados de pacientes que estiveram internados, como pressão, pulso, temperatura e idade. O sistema da Kunumi foi utilizado para prever óbitos na UTI e, logo nos primeiros meses, se mostrou 25% mais preciso do que o software anterior. “O objetivo principal desse projeto era entender se seria possível utilizar o sistema da Kunumi num hospital complexo como o Sírio. Descobrimos que a inteligência artificial pode trazer um grande benefício para a medicina”, diz Fabio Gregory, superintendente de novos negócios do Sírio-Libanês. O projeto rendeu uma apresentação do sistema no Congresso Internacional de Emergência e Terapia Intensiva, realizado em Bruxelas.

Nivio Ziviani: “O potencial da Kunumi é muito maior do que todas as outras empresas que já fundei” | Rafael Motta/Editora Globo/AG. o Globo

Clientes internacionais também já fazem parte do currículo da Kunumi. Entre os projetos mais curiosos está o realizado para a empresa de streaming de música Spotify. A Kunumi desenvolveu uma música que foi assinada pelo rapper Mauro Mateus dos Santos, o Sabotage, morto em 2003. “Recriamos o estilo do Sabotage, a mente dele, para que a máquina aprendesse a falar o ‘sabotês’”, diz Colares. O resultado foi a música Neural, lançada no fim do ano passado. Em um projeto similar, a Kunumi fechou contrato com a Time Warner para criar roteiros de desenhos animados. Para isso, a plataforma da startup foi alimentada com o extenso banco de dados de episódios da série ­Looney Tunes. “A rede neural vai aprendendo a característica psicológica de cada personagem e consegue traçar o que aconteceria em cada nova situação criada”, afirma João Cavalcanti, diretor de cultura e tendências da Kunumi.

O conceito por trás da tecnologia da Kunumi, o Machine Learning (conhecido como “Aprendizado de máquina”), tem sido largamente empregado por companhias como Google, Amazon, Microsoft e Apple. A consultoria McKinsey estima que as gigantes de tecnologia tenham gastado entre 20 e 30 bilhões de dólares em 2016 em inteligência artificial — valor três vezes maior do que o de 2013. As redes neurais criadas por essas empresas são utilizadas para construir e melhorar desde assistentes virtuais, como a Siri, da Apple, até carros autônomos. Com exceção da Apple, essas companhias também anunciaram a criação de fundos de investimento dedicados exclusivamente a investir em inteligência artificial. Assim como a Kunumi, o Google também está de olho no campo da saúde. No início deste ano, a empresa americana anunciou uma parceria com três hospitais para usar sua tecnologia de machine learning na tentativa de prever dados como o tempo que os pacientes permanecerão internados. “A área é nova, e o Google não vai focar todos os nichos. Há espaço para novatas”, diz Paulo Humberg, presidente da empresa de investimentos em internet A5.

No segundo ano de operação, a Kunumi deverá faturar 15 milhões de reais em 2017. Quando questionado se ela pode ser uma nova aquisição do Google, Ziviani diz que o plano é ser concorrente. “A Kunumi não vai ser vendida. Seu potencial é muito maior do que todas as outras que já fundei”, diz. A ver. Mas, pelo menos no discurso, a Kunumi, ou “Menino”, em tupi-guarani, não tem medo dos grandalhões.

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