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Uma sobrevida para o sushi?

A corrida para evitar a extinção do atum-azul, um dos peixes mais valorizados do mundo

Mercado de peixe Tsukili, em Tóquio: um exemplar do atum-azul pode custar mais de 50 000 dólares (Koichi Kamoshida/Getty Images)

Mercado de peixe Tsukili, em Tóquio: um exemplar do atum-azul pode custar mais de 50 000 dólares (Koichi Kamoshida/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 15 de março de 2011 às 15h42.

O Japão é tradicionalmente avesso a qualquer regulação mundial da pesca, como mostra a defesa velada que o país faz há anos da polêmica caça às baleias. Esse posicionamento é tão enraizado que o governo comanda um poderoso lobby nos organismos internacionais para barrar a aprovação de medidas restritivas a essa atividade econômica. Hoje, a atenção dos japoneses está especialmente voltada para o atum-azul, um gigante dos mares que pode medir até 4 metros de comprimento e pesar cerca de 700 quilos. Sua barriga provê uma carne gordurosa e suculenta, o toro, uma das maiores iguarias da culinária japonesa. Um único sushi de atum-azul pode custar mais de 20 dólares e um exemplar do peixe, nos leilões realizados no mercado Tsukiji, em Tóquio, chega a ser vendido por mais de 50 000 dólares. O problema é que a pesca ilegal, o desrespeito às cotas de captura e o crescente consumo de toro, sobretudo no Japão, mas também na Europa e nos Estados Unidos, levaram os cardumes de atum-azul ao colapso. Segundo a Comissão Internacional para a Conservação do Atum no Atlântico (Iccat, na sigla em inglês), os estoques do peixe foram reduzidos a menos de 15% de seus níveis históricos. O governo e a maioria dos japoneses, porém, parecem mais preocupados com as questões gastronômicas do que com as ambientais. Figuras ilustres, como o chef Nobuyuki Matsuhisa, dono de uma dezena de restaurantes nos Estados Unidos, continuam servindo o peixe, a despeito de protestos. Ainda que as perspectivas sejam sombrias, há uma esperança para o atum-azul, e ela também está no Japão, só que entre as empresas.

Visto pelos analistas como um dos principais vilões do setor de pesca, o conglomerado nipônico Mitsubishi, que responde por 40% de toda a importação que o Japão faz do atum-azul do Atlântico, resolveu mudar sua política. Para mostrar que está preocupado com a sobrevivência da espécie, o grupo diz ter reduzido significativamente as compras de atum-azul do Mediterrâneo. Além disso, deixou de adquirir por completo o peixe da região das ilhas Baleares, na costa orien tal da Espanha, importante área de reprodução da espécie. O grupo Mitsubishi se manifestou a favor do atum-azul pela primeira vez em setembro de 2009, quando defendeu publicamente uma diminuição na cota global de captura e a decretação de uma moratória para sua pesca. Desde então, ganhou alguma simpatia do Greenpeace, uma das ONGs mais aguerridas na defesa da espécie. "Quando vemos uma trading tomar medidas voluntárias para reduzir seu impacto, é fácil entender que algo está mesmo errado com os estoques oceânicos do peixe", diz Willie Mackenzie, responsável pela campanha de oceanos do Greenpeace. Isso não significa que a entidade tenha baixado a guarda em relação ao grupo. Ao contrário. "Estamos ávidos por saber como a companhia agirá na estação de pesca de 2010, que começará em breve", afirma Mackenzie.


Outras empresas já trilharam um caminho ainda mais radical que o escolhido pela Mitsubishi. Desde 2007, as redes de varejo Auchan e Carrefour, da França, a Coop, líder do setor na Itália, e o grupo ICA, da Noruega, deixaram de comercializar o atum-azul do Mediterrâneo em resposta a uma barulhenta campanha do WWF e do Greenpeace. Essas ONGs defendem a proposta de uma moratória, ou seja, que o consumo de atum-azul seja interrompido até que os estoques do peixe se recuperem. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), a pesca legal e a clandestina de atum-azul no Atlântico oriental e no mar Mediterrâneo chegaram a 61 000 toneladas em 2007. Apesar disso, na conferência da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies Ameaçadas de Extinção, realizada em março em Doha, a proposta de moratória no comércio internacional do atum-azul do Atlân tico, formulada por Mônaco, com apoio dos Estados Unidos, foi recusada. 

De qualquer modo, o barulho em torno da moratória serviu para mexer com o brio da Iccat, que perdeu credibilidade nos últimos anos ao definir cotas de pesca muito mais elevadas que as recomendadas por seus próprios pesquisadores. Em novembro, em Recife, onde realizou sua reunião anual, a entidade finalmente resolveu seguir a indicação do comitê científico, definindo em 13 500 toneladas a cota global de pesca do atum-azul do Atlân tico oriental e do Mediterrâneo. "O mercado está mudando, e as empresas que não assegurarem a sustentabilidade de suas pescarias nem respeitarem acordos internacionais e legislações nacionais perderão mercado para concorrentes mais conscientes", diz o brasileiro Fabio Hazin, atual presidente da Iccat. Ao que parece, algumas empresas começaram a se mexer nessa direção. Resta saber se no ritmo necessário para garantir que o sushi de atum-azul possa continuar a ser degustado no futuro.

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