O empresário Jorge Paulo Lemann: ele e seus sócios não atrapalham e delegam efetivamente a gestão aos executivos | Dania Maxwell/Bloomberg/ Getty Images /
Da Redação
Publicado em 14 de março de 2019 às 05h04.
Última atualização em 14 de março de 2019 às 05h04.
Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles compartilham uma filosofia de trabalho da qual deriva o modelo de gestão que se tornou lendário em todo o universo corporativo: a meritocracia. Para eles, a busca incessante por resultados é o que move uma organização. Aqueles que abraçam essa causa têm ascensão meteórica nas companhias controladas pelo trio e são recompensados com bônus milionários. Quem, por outro lado, não atinge as metas previstas não tem futuro naquele mundo.
Os três são extremamente pragmáticos. Não há meio-termo com eles. Se confiam no executivo, oferecem autonomia total. Não atrapalham, não interferem e delegam efetivamente a gestão — o que não é o caso da maioria dos ‘donos’ e de alguns conselheiros que intervêm no dia a dia operacional das empresas. Mesmo que discordem de alguma iniciativa, eles apoiam. Se der errado, porém, o responsável pela decisão responderá por isso. E a resposta pode ser a demissão. Quando os sócios intervêm, significa que os dias estão contados para o profissional. É hora de fazer as malas. Ninguém pode alegar ignorância sobre essa regra e muito menos quanto às metas a serem atingidas. São sempre nítidas, simples, claras e, sobretudo, ambiciosas.
Eis um ponto crucial em qualquer organização, independentemente do tamanho ou do setor de atuação. Funcionário nenhum pode ter dúvidas sobre as metas estabelecidas para sua atividade. Nesse ponto, minha identificação com o estilo de Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles é total. Existe até um acrônimo com a palavra Smart (‘inteligente’, na tradução do inglês), que resume os atributos de uma boa meta: Specific, Measurable, Attainable, Relevant and Trackable — ‘específicas, mensuráveis, factíveis, relevantes e monitoráveis’. Metas Smart garantem que todos saibam qual rumo tomar e como atingir o destino traçado para o negócio. São a tradução da estratégia de uma companhia. Uma frase atribuída ao filósofo romano Sêneca afirma que, ‘quando se navega sem destino, nenhum vento é favorável’.
Ao mesmo tempo que defende um relacionamento essencialmente profissional com seus comandados, o trio espera sinais de envolvimento profundo de suas equipes com as empresas em que trabalham, o que gerou uma cultura quase messiânica. Histórias a esse respeito correm nos corredores do grupo. Como a de um diretor que, irritado ao ver um carro da área comercial sem o logotipo da Ambev (como determinava a regra), correu ao estacionamento e chutou o veículo. Em outra oportunidade, um executivo perdeu o emprego porque foi visto durante o almoço com uma garrafa de uísque na mesa, o que seria incompatível com a imagem de dedicação absoluta ao trabalho e prejudicaria sua disposição em retomar o expediente à tarde.
Os três são sujeitos práticos no dia a dia. Mais de uma vez, Beto Sicupira e eu visitávamos lojas juntos e depois sentávamos num banco do shopping ou na praça de alimentação para despachar os assuntos pendentes. As decisões eram imediatas; não há espaço para tentativas de ganhar tempo. A informalidade se estende a outros campos. Desde os primórdios de seus negócios, eles raramente usam terno ou gravata. Preferem vestir calças de sarja bege, preferencialmente da marca Gap, ou jeans e camisas de mangas arregaçadas ou camisetas polo — um hábito incorporado à cultura do grupo e que se espalhou por inúmeras empresas brasileiras. Eu mesmo incorporei o estilo visual e o mantenho até hoje. É muito confortável.
Implacáveis na cobrança dos resultados, em geral se mostram afáveis no trato com as pessoas no dia a dia. Lemann fala pouco e ouve muito. Dos três, Sicupira é o mais agressivo, enquanto Telles apresenta um perfil mais contemporizador e revela uma fina ironia. Certa vez, durante uma reunião do conselho de administração na [Lojas] Americanas, comentei com os participantes que só podia servir guaraná da Brahma, controlada pelo 3G, mas que todos preferiam o guaraná Antarctica. Tratava-se de uma provocação bem-humorada de minha parte. Afinal, a liderança nacional nas vendas do refrigerante pertencia à arquirrival da Brahma. ‘No dia que a gente comprar a Antarctica, você poderá servir o guaraná da Antarctica’, disse Telles, devolvendo a provocação. Ri da brincadeira. Na ocasião, a rivalidade entre as duas companhias se assemelhava à de Corinthians e Palmeiras, Flamengo e Fluminense, Grêmio e Internacional, Atlético Mineiro e Cruzeiro, ou coisa parecida. Uma união das duas fabricantes de bebidas só existia no campo da fantasia. Pois, um mês depois, a Brahma incorporou a Antarctica. Telles me ligou logo após o anúncio: “Eu te dei a dica…”