Revista Exame

Nas melhores cidades para fazer negócios, riqueza atrai riqueza

As melhores cidades para fazer negócio aproveitam suas vocações e mostram capacidade para enfrentar a adversidade, segundo um ranking da Urban Systems

São Caetano do Sul: a expansão de setores como saúde e construção compensou a perda de empregos no setor automotivo  (Germano Lüders/Exame)

São Caetano do Sul: a expansão de setores como saúde e construção compensou a perda de empregos no setor automotivo (Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2019 às 05h48.

Última atualização em 16 de outubro de 2019 às 10h42.

Um dos berços da indústria automotiva no Brasil, a cidade de São Caetano do Sul, localizada na região metropolitana de São Paulo, tinha 9.944 empregos nas fábricas locais de carros e autopeças em 2014. Passados cinco anos e uma das mais profundas recessões do Brasil, o número caiu para 1.100. A queda brutal teve impacto na economia de São Caetano do Sul, onde o setor automotivo representava quase 10% dos empregos. Mas a cidade vem passando por um processo de diversificação da economia, atenuando parte dos efeitos da crise. De 2014 a agosto deste ano, o total de postos formais diminuiu de 113.000 para 109.000. Apesar de não ter recuperado o nível pré-crise, os sinais são animadores. Os empregos que exigem ensino superior cresceram 8% em 2017. De 2016 para 2017, o número de empresas instaladas na cidade aumentou 3,5%, com destaque para as dos setores de saúde e de construção civil — este último registrou alta de 50%.

A capacidade de crescimento em meio à adversidade foi o que alçou São Caetano do Sul à liderança do ranking de 2019 das 100 melhores cidades para fazer negócio com população superior a 100.000 habitantes, elaborado exclusivamente para EXAME pela consultoria Urban Systems. A cidade do ABC paulista superou Vitória, a capital capixaba, campeã de 2018, quando São Caetano do Sul ficou em segundo lugar. São Paulo repetiu o desempenho do ano passado e mantém a terceira colocação. Elaborado desde 2014, o levantamento analisa 27 indicadores, agrupados em desenvolvimento econômico, capital humano, desenvolvimento social e infraestrutura.

A edição deste ano permite um olhar sobre um período singular. Ao longo dos seis levantamentos, o Brasil passou da euforia à recessão — e, por ora, enfrenta uma lenta retomada da economia. Nesse sentido, as melhores cidades para fazer negócio são aquelas que consistentemente investiram em políticas públicas e souberam explorar suas vantagens. “As empresas querem se instalar em lugares com profissionais qualificados, com boa infraestrutura e com qualidade de vida elevada”, afirma Thomaz Assumpção, presidente da Urban Systems.

São Caetano do Sul reúne em boa medida esses predicados. A começar pelo setor educacional. A cidade é uma das poucas no país a ter uma universidade pública bancada com recursos da prefeitura e cursos como engenharia, ciência da computação e medicina. Mas os investimentos no ensino abrangem desde os ciclos iniciais. Os 20.000 alunos da rede municipal recebem tablets para uso em sala de aula. Em agosto, a prefeitura firmou uma parceria com o Google para empregar nas aulas ferramentas da empresa de tecnologia. O município gasta, em média, quase 2.800 reais por habitante com educação, quase o triplo de Vitória, que lidera a categoria capital humano no ranking da Urban Systems. O grande diferencial, porém, está na pujança econômica. São Caetano do Sul tem um PIB per capita de 83.656 reais por ano, ante 30.407 da média nacional. E tem o maior Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) do país, 0,86, ante 0,50 da média brasileira.

É verdade que esses indicadores retratam um município de 160 000 habitantes, basicamente ocupado por classe média e cercado por bolsões de pobreza de cidades vizinhas, como São Bernardo do Campo e a própria capital paulista. Mas foi a prosperidade de São Caetano do Sul que atraiu a Rede D’Or para a cidade. Em junho de 2017, o grupo abriu ali uma unidade do Hospital São Luiz com 15 andares e 300 leitos, num investimento de 350 milhões de reais. Segundo Maurício Uhle, diretor regional do ABC da Rede D’Or, dois fatores foram fundamentais para a decisão: o poder aquisitivo da população, que tem alto índice de cobertura de plano de saúde (quase 620 por 1.000 habitantes, três vezes a média nacional); e o potencial de a cidade se tornar uma referência em saúde para a região. “A cidade é pequena, mas, por causa dos municípios no entorno e da alta renda, vimos que precisávamos estar aqui”, diz Uhle.

A presença do São Luiz deve fomentar a criação de uma cadeia no setor de saúde, mas a cidade do ABC não está disposta a perder mais empregos no setor automotivo. Em janeiro, a General Motors, que tem fábrica em São Caetano do Sul, ameaçou sair do Brasil caso não voltasse a ter lucro. Em março, a ameaça foi revertida após intervenção do governador João Doria (PSDB), que concedeu incentivos fiscais para garantir a permanência da montadora. “Nunca vamos abrir mão de nossa vocação industrial, mas temos estimulado o crescimento de outros segmentos empresariais”, diz o prefeito José Auricchio Junior (PSDB).

Na situação oposta à de São Caetano do Sul estão cidades do estado do Rio de Janeiro, que viram sua economia perder força com o enfraquecimento da indústria do petróleo nos últimos anos. Só na capital fluminense o número de empresas do setor diminuiu 30% desde 2014. O número total de empresas instaladas no Rio encolheu 3%; e o de empregos, 13%. O resultado pode ser visto no ranking da Urban Systems. Há cinco anos, havia seis cidades fluminenses na classificação, sendo três entre as dez melhores: Niterói, Rio de Janeiro e Macaé. Na edição de 2019, dos cinco municípios que aparecem entre as 100 melhores, apenas Niterói permanece no pelotão de frente, em 11o lugar (embora estivesse na sexta posição em 2018).

A capital do estado agora amarga a 42a posição. Para o economista Sérgio Besserman Vianna, a crise no setor de óleo e gás é só um dos motivos que explicam a decadência do Rio de Janeiro. Tão ou mais grave é o crescimento da ilegalidade no cotidiano da cidade — dos casos de corrupção envolvendo políticos à força das milícias em diversas regiões. “Numa sociedade assim, o mercado tem um peso menor”, diz Besserman. O ambiente de insegurança tem inibido investimentos. Um exemplo é o varejista Magazine Luiza, que tem lojas em 19 estados — e nenhuma no Rio de Janeiro. Em 2017, Luiza Trajano, presidente do conselho de administração, chegou a declarar que a ausência da rede no estado era resultado do alto índice de roubos de carga.

Plataforma na Baía de Guanabara: a crise do setor de petróleo é um dos fatores que explicam a decadência do Rio de Janeiro | Luca Atalla/Pulsar Imagens

O antiexemplo do Rio mostra que a consolidação de uma cidade que favorece o ambiente de negócios depende, em última instância, da qualidade de vida de quem mora e trabalha nela. E quem tem se destacado nesse quesito são as cidades paulistas. São Paulo tem 38 municípios no ranking. Das dez primeiras, sete são do estado — no ano passado eram quatro. O estado tem as melhores estradas, o maior porto da América Latina, bons aeroportos e as melhores universidades do país. E, nos últimos anos, os índices de violência diminuíram. Em 2001, a taxa de homicídios em São Paulo era de 33 para cada grupo de 100.000 habitantes. Em 2019, o número caiu para 6,4.

Cria-se, portanto, um ciclo virtuoso: as melhores cidades atraem mais empresas e tornam-se cada vez mais prósperas. Tome-se o exemplo da empresa TerraMagna, que monitora lavouras por meio de satélites. A agrotech foi fundada em 2016 em São José dos Campos, que ocupa a 24a posição no ranking, por três sócios oriundos de outros estados. Eles chegaram à cidade para estudar no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), referência no ensino de engenharia. Depois de graduados, resolveram permanecer na cidade. “Decidimos instalar a empresa aqui em razão da alta oferta de mão de obra qualificada e da boa qualidade de vida”, diz Bernardo Fabiani, um dos fundadores da TerraMagna.

Boa parte dos 21 funcionários veio do ITA ou do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. E estar no interior não dificulta reuniões com clientes, que, em sua maioria, estão no interior de São Paulo, Mato Grosso e Goiás. São José dos Campos localiza-se a 1 hora do Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos. “É natural que o estado mais rico do país, com tradição empreendedora, tenha um maior número de cidades com bom ambiente de negócios”, diz Wilson Mello, presidente da Agência Paulista de Promoção de Investimentos e Competitividade.

Ferrovia da VLI em Uberaba: a cidade aproveita sua localização para ser um polo de logística | L. Adolfo/Futura Press

Essa dinâmica da prosperidade que atrai prosperidade tem aprofundado a desigualdade entre as regiões brasileiras. Em 2014, o Sul e o Sudeste somavam 71 cidades entre as 100 melhores para fazer negócio, enquanto o Norte e o Nordeste reuniam 18 representantes. Em cinco anos, a distância entre os dois grupos se ampliou: 79 ante 12. Romper esse ciclo é um desafio. “As cidades em regiões menos favorecidas não estão fadadas ao fracasso”, diz David Kallás, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper. Uma das saídas é apostar em polos tecnológicos, como têm feito Recife e, mais recentemente, Fortaleza, que avançou dez casas no ranking desde o ano passado, para a 81a posição.

A capital cearense tenta aos poucos ocupar um espaço no ecossistema de startups do país. A cidade tem uma vantagem: ela é o ponto de entrada dos cabos de fibra óptica, que chegam por linhas submarinas e ligam o país à Europa e aos Estados Unidos. Por isso, é ampla a oferta de infraestrutura no local. Recentemente, a prefeitura criou um programa para incentivar a criação de um hub de startups e empresas de impacto social na Praia de Iracema, um dos cartões-postais de Fortaleza. “Temos vantagens competitivas na área de tecnologia que podem atender setores como o de telecomunicações”, afirma o prefeito Roberto Cláudio (PDT).

Até pouco tempo atrás, cidades do Nordeste viam na industrialização a saída para o desenvolvimento. Não deu certo. Agora a economia digital pode se mostrar uma estratégia mais acertada. Por uma razão simples: para chegar com serviços ao cliente, um aplicativo não percorre estradas nem depende de portos eficientes, ao contrário de bens manufaturados. Num país de dimensão continental como o Brasil — e com infraestrutura logística deficiente —, os altos custos de frete inibem a formação de um parque industrial fora do eixo Sul-Sudeste. O aplicativo de finanças pessoais Mobills está sediado em Fortaleza. “Não precisei sair daqui para entregar meu aplicativo a 5 milhões de usuários de 30 países”, diz Carlos Terceiro, um dos fundadores da startup, que tem 30 funcionários.

Quem escolhe sair dos grandes centros tem uma vantagem adicional: menores custos de mão de obra. O salário médio de Fortaleza é de 2.568 reais. Em São Paulo, 3.816. “Em cidades como São Paulo, o custo de um programador começa a ser proibitivo”, diz Renato Mendes, sócio da aceleradora de negócios Orgânica. “Temos orientado vários de nossos clientes a contratar esses profissionais em centros menos concorridos”, diz Mendes, que já atendeu empresas como a varejista Netshoes e o Banco Votorantim.

Competição de programadores em Fortaleza: a capital cearense aposta na economia digital | Divulgação

O que os bons exemplos também mostram é que, antes de se reinventar, é bom explorar suas vantagens. O grande ativo de Uberaba, em Minas Gerais, é a localização: a cidade está num raio de 500 quilômetros de São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Por essa razão, a prefeitura vende o município como “a capital logística da América Latina” para investidores brasileiros e estrangeiros. “Nossa ambição é tornar a região um dos polos de logística mais importantes do país”, diz o prefeito Paulo Piau (MDB). Em 2016, a operadora logística VLI instalou lá um terminal para escoar a produção de grãos e açúcar de Goiás, Mato Grosso e Minas Gerais ao Porto de Santos.

Com o terminal, a empresa deixou de utilizar pequenos terminais na região. O ganho de produtividade foi alto: antes, o tempo para carregar um trem chegava a 70 horas; agora leva apenas 8. No ano passado, passaram pelo embarcador de Uberaba 5,3 milhões de toneladas de grãos e açúcar. A meta é ocupar toda a capacidade instalada, de 8,7 milhões de toneladas. “A região tem boas estradas que nos ligam a regiões produtoras”, diz César Toniolo, gerente-geral de Terminais Sudeste da VLI. Os exemplos das cidades que despontaram servem para as demais e para o país: o caminho para criar prosperidade começa pela solução de problemas de base. 

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