Sergio Furio: ele veio da Espanha para atacar um mercado concentrado no Brasil (Germano Lüders/Exame)
Natália Flach
Publicado em 18 de julho de 2019 às 05h30.
Última atualização em 18 de julho de 2019 às 15h16.
O mercado de crédito já é o segundo que mais atrai fintechs no Brasil — são 95 companhias ligadas a empréstimos entre as 529 desse gênero que atuam no país, segundo o Radar Fintech Lab. A competição exige dos participantes capacidade para conquistar a confiança dos clientes, analisar riscos, oferecer juros baixos, além de propiciar condições adequadas de pagamento. Tudo isso tendo bancos e financeiras tradicionais como concorrentes.
Não é por acaso que o espanhol Sergio Furio tem pressa em expandir a Creditas, empresa de crédito com garantia, fundada por ele em 2012. Em dois anos, a Creditas triplicou seu valor de mercado, passando de 250 milhões de dólares para 750 milhões, e o número de clientes cresceu quatro vezes. Se continuar nesse ritmo, a companhia deverá alcançar a marca de 1 bilhão de dólares de valor de mercado em pouco tempo, tornando-se o mais novo unicórnio (as startups avaliadas em sete dígitos) brasileiro.
A visão de Furio encontrou um terreno fértil neste Brasil de 2019. A expectativa do Ministério da Economia é aumentar a relação entre crédito e produto interno bruto até o fim do mandato do presidente Jair Bolsonaro, passando dos atuais 45% para 60% até 2022. O Banco Central também tem uma agenda para reduzir a concentração bancária, com licenças para que empresas possam atuar como intermediadoras de empréstimo. O BC autorizou, além da Creditas, uma leva de novatas a conceder financiamento por meio de plataforma própria, como QI, HB Capital, BMP Money Plus, Ótimo e Listo.
Ainda estão em análise 11 solicitações. Outras novatas, como a Mova e a Nexoos, foram autorizadas a intermediar empréstimos entre pessoas, também conhecido como peer-to-peer landing. O número deve continuar crescendo. Só o escritório de advocacia Pinheiro Neto, de São Paulo, está ajudando 36 companhias, inclusive varejistas, a montar um plano de negócios e apresentar ao regulador. “As fintechs costumam ser mais eficientes do que os bancos por ter estruturas mais enxutas e baseadas em tecnologia. É um movimento que não tem volta, que vai mudar o mercado como um todo”, afirma Fabrício Winter, sócio e líder de projetos da consultoria Boanerges & Cia.
A Creditas é uma das estrelas dessa nova geração de startups que viram a possibilidade de reestruturar a dívida das famílias e reduzir os juros cobrados em um mercado altamente concentrado. Furio decidiu explorar o nicho quando sua então namorada e atual mulher, Ana, comentou que as taxas de juro chegavam a três dígitos por ano no Brasil. Impressionado, ele desembarcou do outro lado do Atlântico e montou a Creditas. A startup chegou ao atual valor de mercado graças a um aporte de 200 milhões de dólares da gestora japonesa de investimentos SoftBank.
A rodada de investimentos contou ainda com a captação de 31 milhões de dólares dos fundos Santander Innoventures, Amadeus Capital e Vostok Emerging Finance. “Se uma empresa do nosso portfólio está entregando resultado, colocamos mais dinheiro. A Creditas é um desses exemplos”, diz o irlandês David Nangle, presidente do fundo Vostok, que também investiu nas fintechs brasileiras Guiabolso, Nibo, Magnetis e FinanZero.
Ao todo, os 231 milhões de dólares recebidos pela Creditas na rodada mais recente equivalem a quase três vezes o montante que a empresa recebeu ao longo de sua história. Os planos para o dinheiro incluem reforçar o quadro de funcionários, investir em um polo tecnológico na Espanha, abrir uma operação no México (que tem desafios parecidos com os brasileiros) e atuar de forma inovadora em novos mercados. Um deles é no financiamento imobiliário e de veículos.
A ideia é colocar uma série de apartamentos e carros à disposição dos clientes, que vão pagar cerca de 20% mais nas prestações durante dois anos. Ao fim desse período, eles poderão comprar os bens descontando o total já desembolsado ou poderão devolvê-los, substituindo-os por modelos mais novos. “Por que escolher entre a compra e o aluguel quando se pode ter um produto financeiro que mistura os dois?”, diz Furio. Ainda não está definido se a Creditas terá uma carteira própria de veículos e de imóveis.
Outro segmento a ser explorado pela fintech é o de crédito consignado voltado para funcionários de empresas privadas, cuja garantia é o próprio desconto na folha de pagamentos. Para mitigar o custo de bater de porta em porta, a Creditas aposta no uso da tecnologia e na parceria com uma companhia que já atua nesse mercado. Para isso, não faltam opções. Uma possibilidade é a Creditoo, fundada pelo empreendedor Ramires Paiva, que no início das operações recebeu aporte do próprio Furio e depois ficou incubada na Creditas ao longo de 2017. A Creditoo já emprestou mais de 50 milhões de reais e tem cerca de 1 000 empresas conveniadas. “Nossa meta é dobrar o volume nos próximos meses”, diz Paiva, que está negociando mais uma rodada de investimentos. Outra fintech que vê oportunidade no consignado privado é a Paketá Crédito.
Além de ofertar taxas mais competitivas, o fundador Fabian Valverde pretende levar educação financeira para os clientes e quer ajudá-los a realizar seus sonhos. Para isso, montou um marketplace que oferece desde pacotes de viagem até smartphones a preços mais acessíveis. “É o que chamo de crédito com propósito”, diz Valverde. As iniciativas ajudam a dar sustentabilidade às fintechs de crédito para além da competição por menores taxas. A ideia é oferecer a melhor experiência para os clientes. Para isso, a Creditas estuda seguir os passos do gigante de tecnologia Amazon e romper com os limites dos mundos físico e virtual. Além de receber solicitações online de financiamento, vai montar postos de atendimento itinerantes para apresentar as linhas de crédito e tirar dúvidas.
O caminho para ameaçar os bancões é longo, mas conhecido. As fintechs respondem por apenas 0,3% da concessão de crédito no Brasil, que somava 3,3 trilhões de reais em maio, segundo o BC. O restante fica a cargo principalmente das cinco maiores instituições do país. Nos Estados Unidos, as fintechs tornaram-se responsáveis pela maioria dos empréstimos pessoais sem garantia no ano passado, de acordo com um estudo da empresa de informações financeiras TransUnion.
O Brasil é o país com o segundo maior spread- bancário do mundo, com 32%, atrás de Madagascar, segundo o Banco Mundial. Isso tende a mudar com o Cadastro Positivo, que está em vigor desde 9 de julho para criar uma base de dados de bons pagadores e deve estimular a competição. A dúvida é quanto os bancos tradicionais podem reduzir suas margens para se defender dos ataques e tentar manter a fatia de mercado.
As grandes instituições adotaram essa postura quando startups de meios de pagamento passaram a ameaçar o predomínio de suas credenciadoras de cartões, numa corrida por participação de mercado que tem beneficiado os consumidores. Nessa maratona por novos clientes, um risco para as novatas é formar carteiras com inadimplência excessivamente alta. O Brasil tem hoje 63 milhões de pessoas com contas atrasadas, um número que a Creditas e a nova leva de startups de crédito querem reduzir — fazendo um empréstimo por vez.