Revista Exame

A malha de estradas brasileiras é um vigésimo da americana

Um estudo exclusivo mostra que o país precisa fazer no mínimo mais 21 000 quilômetros de estradas duplicadas para dar competitividade à economia. O custo das obras: 250 bilhões de reais. O prazo de execução: oito anos

Cruzamento das vias Anhanguera e Bandeirantes, em São Paulo: boas estradas são exceção no Brasil (Mauricio Simonetti/EXAME.com)

Cruzamento das vias Anhanguera e Bandeirantes, em São Paulo: boas estradas são exceção no Brasil (Mauricio Simonetti/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 13 de junho de 2013 às 07h48.

São Paulo - Poucas horas antes do Dia D, em 6 de junho de 1944, o general Dwight “Ike” Eisenhower, comandante supremo das Forças Aliadas, em mensagem aos soldados que estavam prestes a desembarcar nas praias francesas para retomar a Europa de Hitler, disse: “Os olhos do mundo estão sobre vocês!”

Durante a campanha na Europa, que terminou no ano seguinte com a capitulação da Alemanha, os olhos de Eisenhower se voltaram para algo completamente distinto: as estradas alemãs. O general americano se impressionou com o tamanho e a qualidade do sistema rodoviário do inimigo, que permitia a Hitler deslocar com rapidez tanques e tropas.

Era a confirmação de uma ideia que havia muito ocupava a mente de Ike: não se faz um grande país sem boas estradas. Em 1919, ele tinha feito parte do comboio de 81 veículos do Exército americano que levou dois meses para atravessar os Estados Unidos de costa a costa, numa ação que tinha como objetivo denunciar a deficiência da malha rodoviária americana.

Por isso, quando se tornou o 34º presidente dos Estados Unidos, em 1953, uma das primeiras grandes iniciativas de Ike foi criar a Lei de Ajuda Federal às Estradas de 1956: um projeto que, de 1956 a 1992, dotou o país de 66 000 quilômetros de rodovias duplicadas — as chamadas autoestradas, mais ágeis e seguras do que as vias de pistas simples. Hoje, a rede americana de autoestradas cruza o país em todas as direções, somando um total de 75 200 quilômetros.

Enquanto os Estados Unidos montavam um dos maiores sistemas rodoviários do mundo, o Brasil pouco fez. Temos apenas 11 000 quilômetros de  estradas duplicadas, a maioria concentrada no centro-sul do país. Apenas o estado de São Paulo conta com uma densidade de autoestradas que se aproxima do caso americano.

Nove estados brasileiros não têm nenhum quilômetro sequer desse tipo de rodovia. No total, a malha brasileira é de 212 000 quilômetros de vias pavimentadas — quase um vigésimo da extensão americana, de 4,2 milhões.

Dotar o Brasil de uma infraestrutura do nível americano parece utópico — ainda mais contando com um governo que está embananado para levar a leilão um lote de 7 500 quilômetros de rodovias. Mas é possível tirar uma boa parte do atraso em tempo relativamente curto.

EXAME teve acesso a um estudo inédito da consultoria Bain&Company com uma proposta factível e que melhoraria, em muito, a situação do transporte no país. O estudo defende a duplicação de 21 000 quilômetros de rodovias já existentes. Isso aumentaria a extensão de estradas com duas pistas para 32 000 quilômetros. 

“Ainda é menos da metade da malha americana de autoestradas, mas já teríamos uma in­fraestrutura com qualidade mínima para atender a economia brasileira”, afirma Fernando Martins, sócio da Bain&Company e autor do estudo.

O custo do empreendimento é calculado em 250 bilhões de reais — um quarto do valor gasto para a execução do plano de Eisenhower. As obras poderiam, pelo menos no campo da teoria, ser concluídas em até oito anos — desde que não parem nos velhos entraves burocráticos nem na demora excessiva para a obtenção de licenças ambientais.


Sendo mais realista, é razoável falar num prazo de 15 anos para a execução. Só para comparar: a China precisou de uma década para construir 2,5 milhões de quilômetros de estradas — com uma rede duplicada que equivale a oito vezes a nossa atual. Para driblar a ineficiência estatal, os 21 000 quilômetros de estradas seriam executados pela iniciativa privada.

É o mais indicado num país onde 87% das rodovias privadas são classificadas como boas ou ótimas, enquanto 66% das principais estradas públicas são consideradas ruins ou, no máximo, regulares. Segundo o estudo, 13 000 quilômetros poderiam ser privatizados na forma de concessões, gerando um investimento de 157 bilhões de reais, pagos pela cobrança de pedágios.

Nos trechos que passam por regiões menos desenvolvidas, o modelo adotado teria de ser o de parceria público-privada. O investimento nessa parte seria de 92 bilhões, dividido entre empresas e governo.

Ganho de produtividade

O efeito da melhoria do transporte rodoviário na economia seria expressivo. O aumento da taxa de investimentos previsto para o período de obras  é  de 0,9% ponto percentual por ano, e no produto interno bruto, de 1,25 ponto ao ano — um impulso precioso para um país que não tem conseguido crescer nem 3% ao ano.

As 100 maiores cidades brasileiras, entre elas 20 capitais, ganhariam ligação por rodovias duplicadas. “Capitais da Região Norte ficaram de fora porque seria caro incluí-las na proposta. Nesse caso,  estradas de pistas simples podem atender à demanda”, diz Martins.

Importante: o plano prevê que todas as rodovias próximas sejam ligadas por alças ou rodoa­néis, como ocorre nos Estados Unidos, evitando o percurso entre cidades. Quem já ficou parado no trânsito da marginal Tietê, em São Paulo, tentando passar de uma estrada a outra, sabe a economia de tempo — e de paciência — que isso representa.

A lógica da escolha das rodovias a ser duplicadas é óbvia. As prioritárias são os corredores para o transporte da produção e para o abastecimento das áreas­ mais povoadas. O Brasil tem nas rodovias o principal meio de escoamento do que produz. Quase dois terços das cargas são distribuídos por caminhões.

Nos Estados Unidos, a proporção não chega a 30%. Nesse cenário, seria de esperar que o Brasil investisse em estradas de qualidade. Nada disso. Além de pequena, a malha brasileira é notória pelos buracos e pelos traçados com curvas perigosas, causadores de acidentes, lentidão e desgaste nos veículos.

A empresa de transporte de passageiros Itapemirim comparou durante um ano os custos de trafegar com seus ônibus em rodovias com boas­ e más condições de asfalto. O resultado: estradas ruins aumentam os custos em quase 15%. De acordo com a escola de negócios Fundação Dom Cabral, o país perde a cada ano 80 bilhões de reais com a infraestrutura rodoviária capenga.


“O Brasil tem deficiência em rodovias, hidrovias e ferrovias, mas, se tivesse de priorizar investimentos, teríamos de começar pelas estradas”, diz Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Infraestrutura e Logística da Dom Cabral.

A pedido de EXAME, a Bain&­Com­pany fez uma simulação dos ganhos de produtividade no transporte de cargas entre Belém e São Paulo, rota quase obrigatória para as empresas da Zona Franca de Manaus que têm no Sudeste seu principal mercado ou usam portos da região para o comércio exterior.

Com a duplicação das rodovias Belém-Brasília e Brasília-São Paulo, haveria um ganho na velocidade média de 44 para 60 quilômetros por hora. A viagem, hoje feita em seis dias ao custo de 9 000 reais, passaria a ser feita em quatro dias, por 7 244 reais. A redução de custos compensa o gasto com pedágios, estimado em 696 reais.

“A economia de combustível e o desgaste menor de veículos, além do tempo livre que poderá ser utilizado para mais viagens, dão um ganho de produtividade de quase 12%”, afirma Martins, da Bain. Na verdade, o ganho pode ser maior.

“Em épocas de chuva, um caminhão leva até dez dias saindo de Belém para São Paulo”, diz Paulo Sarti, presidente da empresa de logística Penske na América do Sul. Para a produtora de eletrodomésticos Whirlpool, que tem fábrica em Manaus, os custos de frete chegam a 12% do custo final de um produto.

Nos Estados Unidos, os gastos da Whirlpool com frete não ultrapassam 3%. Culpa das estradas. Trazer um contêiner da China até Santos sai mais barato para a empresa do que levar uma carreta de Manaus para São Paulo — 8 000 ante 12 000 reais.

A proposta de criação de corredores novos atende um sonho de produtores de grãos do Centro-Oeste: acabar com a dependência dos portos do Sul. Hoje, como a saída pelo norte significa encarar estradas esburacadas e portos acanhados, a opção da maioria dos produtores é por enfrentar as filas nos distantes portos do Sul.

Quase 70% da exportação brasileira de soja, que em 2013 pode chegar a 38 milhões de toneladas, sai por Santos e Paranaguá. O volume gera um tráfego de 700 000 caminhões. “Se houvesse boas estradas rumo ao norte, certamente inverteríamos a matriz de escoamento”, diz Rodrigo Koelle, gerente de logística da Cargill.

Segundo a Aprosoja, associação que reúne produtores de Mato Grosso, o frete de Sorriso (MT) a Santos sai por 320 reais a tonelada. O produtor de Illinois, estado da região central dos Estados Unidos, paga 40 reais para levar o produto a Nova Orleans, no oceano Atlântico, e 70 reais até Oregon, no Pacífico — a um “pulo” da China, maior comprador de soja do mundo.

“Essa diferença é riqueza que o Brasil perde”, diz Carlos Fávaro, presidente da Aprosoja. Está na hora de melhorar as estradas — e parar de perder riqueza pelo caminho.

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