Pós-pandemia: vestimenta descompromissada atende à versatilidade nos novos tempos (Gruizza/Getty Images)
Repórter
Publicado em 29 de outubro de 2024 às 06h00.
Última atualização em 30 de outubro de 2024 às 09h38.
Inspirado nas big techs do Vale do Silício, o dress code despojado — ou, melhor dizendo, a ausência de um dress code — é o que predomina hoje nas empresas de inovação e tecnologia. Quase tudo está liberado, da camiseta de banda ao terno, desde que apropriado para o trabalho. Mas, seja nas grandes corporações, seja nas startups em estágio inicial, o que mais se nota pelos corredores são trajes minimalistas e funcionais, “à la” Steve Jobs e Mark Zuckerberg: a clássica combinação de jeans, camiseta de algodão e um bom par de tênis.
Gleisson Cabral, Chief Artificial Intelligence Officer (CAIO) da startup paulista Mercado Bitcoin (MB), por exemplo, costuma se vestir assim e nem se lembra da última vez que usou uma gravata no ambiente de trabalho. “Gravata? Profissionalmente? Em sete anos de MB, eu nunca usei uma”, conta. “Aliás, hoje é raro o uso do acessório nas empresas do ramo”, acrescenta.
Na Montreal, companhia de TI com sede em Belo Horizonte, inclusive o CEO, Eduardo Coutinho, aposta na t-shirt e na camiseta polo para o cotidiano, deixando a camisa social só para reuniões externas. “Aqui é um ambiente onde as pessoas podem se vestir da forma que se sentirem confortáveis, mantendo o mínimo de apresentação. Até temos uma ação às sextas que permite usar bermudas”, relata o executivo.
Para Coutinho, a maior liberdade para se vestir no segmento tech, em comparação com a abordagem mais restrita de outros setores, tem muito a ver com o diálogo mais próximo da tecnologia com as novas gerações. “Esse visual descontraído passa uma imagem de mais acessibilidade. Você fica mais acessível para as outras pessoas — e vice-versa.”
Segundo os fashion experts, acima de tudo, é um claro retrato da era em que vivemos, muito conectada com inovação e flexibilidade, aspectos impulsionados exatamente pelo avanço tecnológico. “Isso, de certa forma, se traduz na maneira de se vestir. A moda masculina nesses ambientes reflete esse contexto, atendendo à demanda por versatilidade dos novos tempos”, observa Igor de Barros, diretor criativo da grife Foxton.
Pré e pós-pandemia
Essa ideia de uma vestimenta profissional mais descompromissada e confortável, uma característica já conhecida de gigantes do setor de tecnologia como Meta e Google, ganhou eco durante a pandemia e acabou ajudando a redefinir o vestuário masculino no trabalho também em outras áreas.
Diante da mudança na rotina, com as pessoas trabalhando em casa, as tendências de consumo de moda em geral também mudaram. Porém, enquanto para profissionais de outros ramos o teletrabalho e a flexibilização do dress code representaram uma ruptura, para Cabral, da startup de criptomoedas, não foi nenhuma novidade. Pelo contrário, era algo natural no seu entorno.
“A MB adotou o modelo work from anywhere antes mesmo da pandemia e, por causa disso, o home office é há muito tempo meu ambiente de trabalho na maior parte da semana. Posso me vestir de maneira bastante despojada, tanto em casa como em boa parte dos eventos do setor”, pontua o executivo. A camiseta, aliás, é tão parte da identidade da empresa que ela tem até uma loja online com t-shirts temáticas.
Na Reserva, a influência do universo tech no guarda-roupa ficou clara no perfil das vendas: no pós-pandemia, em vez de camisaria e alfaiataria tradicionais, a grife começou a vender mais polos e malhas, que oferecem um visual arrumado e confortável ao mesmo tempo. “Esse movimento reforçou a fusão entre roupas casuais e esportivas, que incorporam tecidos tecnológicos e funcionais, mas com um design que transmite sofisticação. Isso se traduz, por exemplo, em modelagens mais ajustadas ao corpo, mantendo a praticidade e o estilo”, explica Felipe Crepalde, gerente de estilo da Reserva.
É o fim da gravata?
A predominância do visual mais despojado, entretanto, não significa a morte de clássicos como a gravata nas empresas de tecnologia, na visão da stylist Myrna Seguel. Para ela, se a premissa do dress code no setor é a liberdade, quer dizer que há flexibilidade para vestir desde uma t-shirt com jeans até um traje social — tudo depende da cultura da empresa, da ocasião e da preferência de cada um.
“Ainda existe espaço para gravatas e looks mais formais, como o terno e o costume. Em eventos, reuniões com clientes e apresentações de projetos, por exemplo, muitas vezes é necessária uma postura mais rígida e, nesses casos, essas vestimentas continuam comuns”, observa a especialista. “Sem falar daqueles que, pessoalmente, preferem manter um visual mais formal, independentemente do ambiente”, prossegue.
É a mesma percepção de Cabral no dia a dia: “Os profissionais de inovação prezam por conforto e praticidade, por isso a dupla camiseta e calça jeans faz tanto sucesso, mas aqui e ali aparecem profissionais usando calça de alfaiataria com camisa. Vai depender da ocasião”. Coutinho, da Montreal, que possui bancos públicos entre os clientes, quando tem um encontro com autoridades, por exemplo, precisa trocar o usual jeans pelo terno.
O melhor dos dois mundos
Com o término do home office em muitas empresas do setor, como na Amazon recentemente, e consequentemente o aumento dos compromissos presenciais, composições versáteis, que transitam entre as duas propostas — o confortável e o arrumado —, estão em alta entre esses profissionais. Acompanhando o movimento, diversas marcas da indústria fashion investem em design sofisticado, mas com materiais diferenciados, o que resulta em peças mais maleáveis e ajustadas, de alta respirabilidade, com proteção UVA/UVB e que não amassam.
A Reserva tem, por exemplo, ternos que podem ser lavados na máquina e secam rapidamente, sem necessidade de passar, e tênis com cara de sapato, sem cadarços; a Urban Performance, camisas e calças de alfaiataria confeccionadas em malha; a Foxton, jaquetas em tecido nobre, como linho, mas com linguagem casual; a Yuool, linhas de calçados minimalistas e com solados superleves.
Para Crepalde, essas inovações, que têm entre as inspirações o figurino prático dos profissionais do ramo tech, já ganharam o homem contemporâneo. “Quem pode se vestir assim no ambiente corporativo não quer saber de outra coisa”, ele afirma. “Seja no trabalho presencial, seja no home office, acredito que será difícil aqueles que se acostumaram com esse conceito de roupa, funcional e confortável, retornarem às peças tradicionais”, avalia o gerente de estilo.
Liberdade não quer dizer ir ao trabalho com qualquer roupa, lembra Myrna Seguel. “Ainda assim, é preciso passar uma imagem profissional”, diz a estilista. Não é porque não existe um dress code documentado na maioria das companhias de tecnologia que está realmente “tudo” liberado nesses ambientes (como em qualquer outro com a mesma flexibilidade).
São bem-vindos:
→ Sneakers, especialmente com design discreto
→ Camisetas com gola careca ou V
→ Camisas polo
→ Calças de sarja, chino ou jeans com lavagem escura
→ Blazers, de tecidos mais leves ou mesmo de malha
→ Sobreposição de camiseta lisa com camisa de botão
→ Estampas discretas, como listras finas, xadrez pequeno e padrões minimalistas
→ Cardigãs e suéteres de tricô leve
→ Relógio discreto ou smart watch, queridinho dos amantes de tecnologia
→ Mochilas de couro ou outro material de qualidade
→ Cores neutras, fáceis de combinar, como branco, preto, cinza, azul-marinho e bege
Não convém:
→ Camisetas com frases polêmicas e provocativas
→ Cores muito vibrantes
→ Jeans manchados e rasgados
→ Camisas de time
→ Bermudas (a não ser que permitidas oficialmente) e regatas
→ Chinelos e tênis de academia
→ Mochilas esportivas
→ Acessórios exagerados, como relógios e joias chamativas demais
→ Roupas excessivamente justas
→ Blusas desgastadas, golas laceadas, colarinho encardido
→ Peças amassadas e calçados sujos