Revista Exame

A indústria de fragrâncias passa por uma revolução — como o vinho

Os consumidores estão começando a identificar os diferentes tipos de fragrância em perfumes

Flor de jasmim, ingrediente do perfume Goldea The Roman Night Absolute, da Bulgari

Flor de jasmim, ingrediente do perfume Goldea The Roman Night Absolute, da Bulgari

DR

Da Redação

Publicado em 17 de janeiro de 2019 às 05h00.

Última atualização em 17 de janeiro de 2019 às 05h00.

Houve uma época, e não estamos falando de muito tempo atrás, em que escolhíamos vinho como compramos água: bastava estar em um garrafão de 5 litros ou em uma garrafa azul que já ia para nossa mesa. Essa história mudou muito de cerca de 30 anos para cá. Hoje, não só aprendemos a diferenciar um cabernet sauvignon de um tannat como sabemos a procedência, temos nossas preferências e usamos palavras como terroir sem parecer (muito) pedantes. O mercado agora sinaliza que outro produto está seguindo o mesmo caminho: o perfume.

“A indústria de fragrâncias passou por uma revolução, impulsionada por um cliente mais curioso, bem-educado e criterioso”, diz o venezuelano Luis Miguel Gonzalez Sebastiani, gerente global de perfumes da marca Bulgari. “A abundância de informações, agora disponíveis nas pontas dos dedos, permite que nossos clientes aprendam, troquem, compartilhem e classifiquem o tipo de perfumaria a que estão expostos todos os dias. Isso impulsiona uma busca constante por autenticidade, qualidade, desempenho, o que eleva o nível para a maioria dos perfumistas. Os bons e velhos tempos em que apenas se lançava uma nova fragrância com um produto médio e muito marketing acabaram.”

A criação de um perfume é quase uma alquimia. “O perfumista trabalha com uma paleta com cerca de 3.000 ingredientes, uma parte natural e outra sintética”, afirma Jean Bueno, gerente de perfumaria de O Boticário. “O processo de desenvolvimento de uma fragrância começa como uma tela em branco, em que o artista vai misturando as cores. Um só produto tem de 50 a 400 ingredientes.” Alguns perfumes são tão específicos que, para sua formulação, é preciso criar um aroma totalmente etéreo: cheiro de uma tarde de verão no Mediterrâneo, de combustível queimado no autódromo, da casa da bisavó no interior, de uma doceria à moda antiga. Para isso, os pesquisadores usam um aparelho dotado de uma técnica chamada headspace, capaz de captar o odor de determinado ambiente. Ele tem espécies de cotonetes que “absorvem” as moléculas responsáveis pela produção de odores do local, as quais depois são decifradas por máquinas — assim, o cheiro pode ser reproduzido artificialmente.

O processo de entendimento da complexidade de um perfume e o refinamento do consumidor têm, segundo Bueno, aumentado de alguns anos para cá. “Passamos agora por um momento de sofisticação do mercado. Antes, usavam-se muito splash, água de colônia, lavanda — era tudo muito básico. O que o consumidor procurava era o cheiro de pós-banho. Hoje é diferente. Existe uma preocupação maior com a qualidade. Os ingredientes e os processos tornam-se únicos em cada produto.”

O mercado global de perfumes movimentou 49,4 bilhões de dólares em 2017, segundo a consultoria Euromonitor. Em 2013, foram 41 bilhões. E, para 2020, a projeção é de 53,7 bilhões. Segundo Bueno, o crescimento se deve ao maior conhecimento por parte do consumidor. “Há alguns anos o consumidor procurava um perfume suave, doce ou amadeirado. Hoje, existe cliente que pede determinado ingrediente. Ele sabe a diferença entre eau de toilette e eau de parfum e questiona a dosagem.”

Uma questão que ganha cada vez mais peso no mercado de consumo em geral diz respeito à sustentabilidade. “As marcas de cosméticos estão, como consequência, cada vez mais preocupadas com isso. A Natura, por exemplo, está entre as empresas mais sustentáveis do mundo”, diz o perfumista Isaac Sinclair, da casa de perfumaria Symrise. Uma prática da empresa brasileira bastante reconhecida foi o reflorestamento da zona rural de Abaetetuba, no nordeste do Pará. Antes tomada por pastagens degradadas, resultado das queimadas entre as safras de cana-de-açúcar, a região agora concentra plantações de espécies como andiroba, murumuru e ucuuba, cultivadas pela população local e usadas como matéria-prima de cosméticos.

A Bulgari lançou recentemente sua fragrância mais ecologicamente correta, a Man Wood Essence, com fornecedores de matéria-prima sustentável. “Selecionamos com critério nossos parceiros, colocando o ecodesign, a sustentabilidade e a responsabilidade social como prioridades”, diz Sebastiani. É uma evidência de que fragrância boa não se reconhece apenas pelo nariz.


O bê-á-bá da perfumaria

As principais famílias olfativas para você virar um connoisseur

Cítrica/aromática: composta de fragrâncias leves, refrescantes e energéticas, com notas cítricas (limão, tangerina, laranja, lima) ou ervas aromáticas (tomilho, sálvia, menta, alecrim, anis).

Lavanda: combina notas de flores de lavanda, gerânio e musk. É mais fresca, alegre e vibrante.

Floral: é a mais importante das famílias olfativas femininas. As fragrâncias são envolventes e transmitem feminilidade e delicadeza. Essa família pode se dividir em subtipos — fresco, bouquet, frutal ou ambarado, por exemplo.

Oriental: tem notas intensas que lembram os cheiros do Oriente (como resinas adocicadas, bálsamos da Arábia e especiarias da Índia) ou notas animálicas (como âmbar, almíscar e civete), associadas ao sândalo e à baunilha.

Floriental: combina o bouquet floral com a sensualidade das fragrâncias orientais. Pode se dividir em subtipos, como frutal, amadeirado ou gourmand.

Chypre: marcantes, suas fragrâncias resultam de uma combinação de madeiras e musgos.

Fougère: nasceu de uma mistura de lavanda, gerânio e cumarina (do perfume Fougère Royale, de 1882) e evoluiu com notas frescas, cítricas, herbais, florais e frutais. É a mais expressiva das famílias masculinas. Pode se dividir em fresco, aromático, amadeirado e ambarado.

Amadeirada: inicialmente considerada uma subfamília, ganhou espaço com o crescimento do mercado. Suas fragrâncias, baseadas em madeiras clássicas, como vetiver, sândalo e cedro, viraram clássicos do mercado masculino.

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