O futuro dos partidos políticos brasileiros
As mudanças constitucionais dos últimos anos no Brasil podem levar a uma reconfiguração do sistema de partidos — mas não necessariamente para melhor
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Congresso Nacional: a hiperfragmentação partidária atravanca a política, e as novas regras não deverão alterar muito esse quadro (Renato Cortez)
Publicado em 19 de dezembro de 2019, 05h48.
Última atualização em 19 de dezembro de 2019, 10h14.
Afirmar que o sistema partidário brasileiro está em “crise” é eufemismo. Jamais tivemos uma confusão partidária tão grande. O novo partido do presidente Jair Bolsonaro, Aliança pelo Brasil, é o sintoma da doença da hiperfragmentação. Segundo os cientistas políticos Cesar Zucco (FGV Ebape) e Timothy Power (Oxford), o Brasil é o país com o maior número de partidos na Câmara dos Deputados desde que a fragmentação de sistemas partidários é medida.
Diante disso, o país tem dois desafios. O primeiro é sistêmico. As eleições municipais de 2020 serão as primeiras após a reforma eleitoral de 2017, que tende a diminuir o número de partidos. As siglas se adaptarão às novas regras? Ou as mudanças servirão apenas para guiar ajustes pontuais, sem implicações para o sistema? O segundo desafio é do presidente — deste e dos próximos. Mesmo que o número de partidos caia, ainda será difícil montar uma base de apoio consistente. Como fazer reformas diante de um Legislativo tão disperso?
Comecemos pelo primeiro desafio. A principal alteração nas regras eleitorais é a proibição de coligação nas eleições proporcionais — vereadores em 2020, deputados em 2022. A mesma emenda constitucional aprovou uma cláusula de barreira: os partidos precisarão de, no mínimo, 1,5% dos votos para a Câmara, em nove estados, com um mínimo de 1% dos votos em cada estado, para ter acesso ao fundo partidário e à propaganda gratuita. Essas mudanças devem levar à extinção de alguns partidos pequenos.
Nas eleições proporcionais é comum um partido com pouco apoio popular aliar-se a outro (ou outros) maior para conseguir eleger um representante. Ao proibir isso, deu-se um passo para diminuir o número de partidos. Mas dificilmente cairá o número de partidos “médios” (entre dez e 50 deputados). Há hoje 14 deles, e apenas um (o PT) com mais de 50 representantes (são 53). O PSL tinha 52, mas perdeu 13 para o novo partido de Bolsonaro.
Há, ainda, uma consequência menos visível da mudança. A estratégia de coligações em nível municipal incentivava os partidos a criar comissões provisórias em vez de permanentes. Assim ficava mais fácil pressionar líderes locais a aderir às alianças impostas pelo diretório nacional. Sem coligações, a tendência é que se formem comissões permanentes. Os líderes municipais saem fortalecidos, os partidos ficam mais institucionalizados, o jogo fica mais previsível: ganha o sistema.
Por outro lado, a pequena reforma eleitoral de 2019 — que permite o uso do fundo partidário para contratar advogados e contadores — deverá facilitar esquemas escusos. Bolsonaro não quis vetar essa possibilidade, pois seu relacionamento com o Legislativo não é dos melhores, e provavelmente o Congresso derrubaria o veto. A dinâmica bélica entre Executivo e Legislativo não será exclusividade de Bolsonaro. Trata-se do “novo normal”.
Essa falta de cooperação entre os Poderes é fruto direto de um novo desenho institucional feito por Eduardo Cunha e Michel Temer, ambos do MDB. Sob o comando de Cunha, o Congresso Nacional aprovou ainda, em 2015, a obrigação de executar as emendas individuais dos parlamentares. A única coisa que o Executivo pode fazer é retardar o pagamento de algumas. Finalmente, o governo Temer transformou cerca de metade dos cargos de confiança em postos que só podem ser ocupados por funcionários concursados, diminuindo o número de indicações políticas possíveis no governo federal.
Com menos estratégias disponíveis para a barganha política, e com um número de partidos políticos que continuará alto apesar da reforma eleitoral de 2017, o futuro do sistema partidário poderá ser muita coisa — mas não tão melhor do que se encontra hoje.
Sérgio Praça é cientista político, professor da FGV CPDOC e colunista de EXAME
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