Revista Exame

O buraco sem fim dos fundos de pensão

Com rombo de bilhões de reais, os fundos de pensão de algumas das maiores estatais põem em perigo as economias de seus contribuintes


	 Jack Ma, do Alibaba: a oferta de ações do site chinês reforçou a aposentadoria de milhões de canadenses
 (Brendan McDermid/Reuters)

Jack Ma, do Alibaba: a oferta de ações do site chinês reforçou a aposentadoria de milhões de canadenses (Brendan McDermid/Reuters)

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Da Redação

Publicado em 27 de abril de 2015 às 05h56.

São Paulo - Em setembro do ano passado, o mundo assistiu à cena do chinês Jack Ma tocando o sino da bolsa de Nova York para comemorar a estreia no pregão do Alibaba, site de comércio eletrônico criado por ele. O evento marcou a maior oferta inicial de ações da história, de 25 bilhões de dólares.

A data teve um significado especial também para o futuro de 18 milhões de canadenses — embora a maioria deles nem desconfiasse disso. A abertura de capital do Alibaba gerou mais dinheiro para suas aposentadorias. Três anos antes, o Canada Pension Plan (CPP) investira 550 milhões de dólares no então desconhecido site chinês, por recomendação de seu escritório de Hong Kong.

Estima-se que o lucro da instituição com essa escolha tenha sido da ordem de centenas de milhões de dólares. Além do ganho financeiro, a operação consagrou o modelo vencedor adotado pelo fundo na década de 90, quando quase quebrou. O CPP, de lá para cá, tornou-se o nono maior fundo de pensão do mundo, com ativos de 195 bilhões de dólares. O que foi feito para o CPP chegar a esse resultado?

Antes de tudo, o contrário do que fizeram fundos de pensão de estatais brasileiras nos últimos anos — foi despolitizado ao máximo. Há duas décadas, o CPP tinha sérios problemas. O fundo para aposentadoria dos canadenses aplicava em títulos públicos regionais e nacionais, além de obras com perfil social, como habitações populares.

As aplicações serviam de suporte a políticas públicas e rendiam menos de 4% ao ano, taxa insuficiente para garantir os futuros benefícios dos aposentados. Em 1996, o fundo recebeu contribuição de 9 bilhões de dólares e pagou 14 bilhões em benefícios, contando com um patrimônio de 29 bilhões. Pelas projeções, quebraria em 2015.

A situação ficou tão grave que, em 1997, o governo mudou as regras do CPP. Foi criado, então, um comitê de investimentos com a missão de “ampliar ao máximo o retorno, sem correr riscos excessivos”. O comitê foi protegido do interesse político. Seus integrantes passaram a ser selecionados no setor privado, com experiência em áreas como contabilidade e finanças. Nos últimos dez anos, o patrimônio do fundo triplicou. O retorno em 2014 foi de 16,5%.

O fundo canadense é o sonho — ou deveria ser — de 130 000 carteiros brasileiros. O Postalis, fundo de pensão dos Correios, será em breve o mais odiado do país. Em 30 de abril, 99 900 participantes — três quartos do total, beneficiados pelo plano mais antigo da instituição — receberão seu primeiro contracheque com desconto seis vezes maior do que o normal.

Eles terão de pagar o equivalente a 26% do benefício por 15 anos para tapar o buraco deixado por antigos administradores do Postalis. Por obra deles, o déficit do fundo subiu de 930 milhões para 5,6 bilhões de reais de 2013 para 2014. Esse é o dinheiro que falta para o pagamento dos benefícios do plano até o último sobrevivente.

Como o déficit cresceu tanto subitamente? Em novembro de 2013, o economista carioca André ­Motta e Silva assumiu a diretoria financeira do Postalis. De lá para cá, tem trabalhado para colocar a carteira “nos padrões normais”, segundo ele. “Acredito que dê para salvar o Postalis”, diz. Motta e Silva registrou no balanço do fundo 2,5 bilhões de reais em investimentos malsucedidos em ações e créditos — de títulos da Argentina e da Venezuela a papéis de empresas como o hoje falido banco BVA e o encrencado grupo educacional Galileo.

Eram investimentos que já tinham dado errado, mas não estavam contabilizados. Outros 2 bilhões de reais foram lançados com base no aumento da expectativa de vida, em mudanças de juros e numa disputa com o patrocinador, os Correios.

Um levantamento feito para ­EXAME pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp), com base nos balanços de 2014, mostra que os 86 fundos com patrocínio de empresas estatais — com 792 000 participantes ativos e 408 000 dependentes — tiveram no cômputo geral o maior déficit de sua história: um rombo de 8,9 bilhões de reais, valor que significa a diferença entre o déficit de uns e o superávit de outros.

No ano anterior, a conta havia fechado positiva em 9,8 bilhões de ­reais. Os resultados recentes foram desastrosos em muitos casos. Na Funcef, dos funcionários da Caixa Econômica Federal, de um ano para o outro o déficit passou de 3,1 bilhões para 5,5 bilhões de reais.

O fundo culpa a queda da bolsa. Foi o terceiro ano seguido no vermelho, o que deve obrigar a Funcef a também iniciar a cobrança de contribuições extras dos participantes no ano que vem. Na Petros, dos empregados da Petrobras, o déficit foi de 2,3 bilhões para 6,2 bilhões de reais.

Já na Previ, dos funcionários do Banco do Brasil, a realidade é diferente, mas o superávit encolheu pela metade em 2014. Pesa no resultado a coleção de péssimos investimentos dessas instituições em negócios como a Sete Brasil, locadora de navios e plataformas de petróleo — de futuro incerto, depois de se complicar nas investigações da Operação Lava-Jato. Previ, Petros e Funcef detêm, juntas, 37,5% da empresa.

O resultado dos fundos de pensão em geral foi impactado pelo fraco desempenho dos mercados no ano passado. Nas contas da Abrapp, o retorno médio dos investimentos foi de 7%, ante a meta de 12%. “Não existe um problema imediato”, diz José Ribeiro Pena Neto, presidente da associação. “Mas o rombo dos fundos de pensão precisa ser resolvido nos próximos dez anos.”

O que torna o caso do Postalis mais difícil de resolver é que ele cristalizou a pior face da indicação política no Brasil: o desvio de dinheiro. Na gestão de Alexej Predtechensky, indicado à presidência pelo PMDB em 2006 e mantido no cargo até 2012, o Postalis alocou 371 milhões de reais num fundo registrado nos Estados Unidos pela gestora de ativos Atlântica para investimento em títulos da dívida pública brasileira.

Segundo investigação da Securities and Exchange Commission (SEC), órgão fiscalizador do mercado americano, a Atlântica — controlada pelo brasileiro Fabrizio Neves — pôs o dinheiro em papéis mais arriscados, como títulos da Argentina, e informou ao Postalis valor superior ao realmente aplicado.

A diferença foi desviada: 22 milhões de dólares para empresas de Neves e 1,5 milhão para a Spectra, do próprio presidente do Postalis. Em agosto de 2014, após a SEC ter concluído sua investigação, o investimento do Postalis foi baixado para 186 milhões de reais — corrigidos os valores, são 280 milhões a menos.

Agora o Postalis tenta reaver o dinheiro na Justiça. Processado pela SEC, Neves desapareceu. Ele e Predtechensky não foram localizados pela reportagem. Segundo a Previc, órgão do Ministério da Previdência que fiscaliza o setor, 12 autos de infração foram aplicados aos ­antigos gestores do Postalis.

A politização de fundos de pensão é um problema antigo no Brasil. E atingiu um novo patamar no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além do avanço do PMDB no Postalis, houve uma ascensão de sindicalistas ligados ao PT à diretoria de outros fundos. Em fevereiro, a Polícia Federal começou a investigar possíveis irregularidades na Petros.

João Vaccari Neto, ex-tesoureiro do PT, agora preso, é suspeito de intermediar uma reunião entre a Petros e representantes de um fundo de investimento comandado pelo doleiro Alberto Youssef. Os principais cargos do fundo são divididos entre petistas da Federação Única dos Petroleiros e do Sindicato dos Bancários de São Paulo. 

Na primeira fase da Lava-Jato, os policiais apreenderam no escritório do doleiro arquivos de informações dos negócios operados por ele na Petros. Desde o fim do ano passado, a Petrobras estendeu para a Petros a atuação dos escritórios de advocacia Trench, Rossi e Watanabe e Gibson, Dunn & Crutcher LLP.

Eles vasculham palavras-chave relacionadas à Lava-Jato em milhares de documentos, e-mails e mensagens de celular. Em nota, a Petros informou que “vem contribuindo com o trabalho dos escritórios”. Para realmente mudar, vai ser preciso fazer bem mais do que isso.

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