Trem em São Paulo: ajuste da tarifa vai pressionar a inflação (Friedemann Vogel/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 14 de maio de 2014 às 06h37.
São Paulo - A sabedoria popular diz que, em caso de dúvida sobre a dose correta de um remédio, o mais prudente é ser cauteloso. Essa receita manjada vale para inúmeras situações. Mas sua aplicação é menos óbvia na política monetária. A função atribuída a um banco central é, acima de tudo, a de guardião da estabilidade da moeda.
Isso significa não deixar que os preços, cujo aumento corrói o valor de compra, escapem de controle. Por essa linha de raciocínio, um banco central deveria usar seu remédio — a taxa de juro — ao menor sinal de subida de preços. A premissa é ainda mais válida num país com o histórico inflacionário que o Brasil tem.
Aqui, recentemente, o BC demorou a agir contra a inflação. Os juros só começaram a subir em abril do ano passado, após o índice oficial de inflação ter alcançado 6,6% — 0,1 ponto percentual acima do teto da meta do próprio BC. De lá para cá, houve nove elevações homeopáticas da taxa básica de juro, a Selic, que saiu de 7,25% para 11% ao ano.
A demora do BC teria o objetivo de evitar que um tranco excessivo nos juros abatesse o já baixo crescimento da economia — pouca gente crê em avanço do produto interno bruto superior a 1,5% em 2014. O problema é que, enquanto o Banco Central avalia o efeito da alta de juro, a inflação só piora.
A expectativa do mercado é que o índice termine o ano em 6,5%. Algumas consultorias econômicas vão além e apostam em 7%, em 2014, e 6,8%, em 2015. No fim das contas, o país fica no pior dos mundo: crescimento baixo, juros elevados e inflação resistente.
Por que a inflação continua alta, a despeito do endurecimento da política monetária? Um dos motivos seria que o nível atual de juros, embora alto, é insuficiente para controlar a ascensão dos preços. Um estudo do Fundo Monetário Internacional indica que a taxa de juro real (descontada a inflação) mínima para isso seria de 5,5%.
Hoje, ela está em 4,8%. “Por isso o Banco Central, ao contrário do que disse que vai fazer, precisa aumentar mais os juros”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central. Vale notar que o cálculo do juro mínimo é um conceito de difícil aplicação. Mas, independentemente da teoria, o que tem preocupado os especialistas são as expectativas da inflação daqui por diante.
O foco do receio está nos preços administrados, que só podem ser reajustados com a anuência do governo. Por decisão política, os reajustes de tarifas de transporte público, energia e combustíveis vêm sendo contidos.
No ano passado, o índice dos preços administrados ficou abaixo de 2%. Ou seja, aumentos virão. E, quando se sabe que alguns preços vão subir no futuro, muitas empresas reajustam preços para se defender, provocando uma dispersão de aumentos em diversos setores.
“A inflação no Brasil não decorre de uma inércia, de um olhar para o passado. Ela é resultado de expectativas”, afirma Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central. “Quando se olha para a frente e se vê que as coisas vão piorar, os preços sobem.”
Para mudar isso, caberia ao governo acabar com o pessimismo provocado pelo intervencionismo e por desarranjos na política fiscal. “São problemas que reduzem a eficácia da política de combate à inflação”, diz o economista Marcos Lisboa, vice-presidente da escola de negócios Insper, de São Paulo.