Revista Exame

Na Unimed o perigo ainda não passou

Pelo menos 2 milhões de clientes da operadora de saúde Unimed estão em cooperativas problemáticas. A de São Paulo já quebrou. Vem mais por aí?


	Aquino, da Unimed Brasil: desde 2009 ele tenta melhorar a gestão da rede no Brasil
 (Germano Luders/Exame)

Aquino, da Unimed Brasil: desde 2009 ele tenta melhorar a gestão da rede no Brasil (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 30 de setembro de 2015 às 05h56.

São Paulo — O presidente da operadora de planos de saúde Unimed no Rio de Janeiro, Celso Barros, é figurinha fácil no noti­ciá­rio esportivo da cidade. Durante 16 anos, entre 1998 e 2014, a cooperativa foi a maior patrocinadora do Fluminense, pagando até 25 milhões de reais por ano ao clube.

Tricolor confesso, Barros aparecia nas comemorações de títulos e interferia nas contratações. Era tanto dinheiro investido pelo executivo, e tanto tempo dedicado à causa, que a impressão era que as coisas iam às mil maravilhas para a Unimed Rio. Nada disso.

Mesmo sendo a maior das cooperativas que formam o sistema Unimed no Brasil, com 4,6 bilhões de reais de faturamento, a unidade do Rio teve prejuízo de 200 milhões de reais em 2014. As dívidas chegam a 1 bilhão de reais e fornecedores tiveram pagamentos atrasados no ano passado. Em dezembro, a Unimed Rio cancelou o contrato com o Fluminense.

E, em março, sofreu intervenção da Agência Nacional de Saúde (ANS) — na prática, funcionários da agência supervisionam o dia a dia para conter eventuais danos. O atendimento aos pacientes continua normal. Com 20 milhões de clientes em mais de 300 cidades, e 112 000 médicos associados, a Unimed é a maior operadora de planos de saúde do país.

Não chega a servir de consolo aos clientes cariocas, mas as dificuldades se repetem em outras sete unidades da Unimed Brasil afora. O maior exemplo, claro, é a Unimed Paulistana, que quebrou no fim de agosto, depois de quatro intervenções da ANS. Até o fim de setembro, a cooperativa terá de transferir seus clientes para outra operadora.

O mais provável é que a Unimed Fesp (Federação de São Paulo) ou a Central Nacional Unimed assumam a carteira de 750 000 clientes. A Justiça ordenou que, até lá, os clientes sejam atendidos pela Central Nacional Unimed, que tem como uma de suas funções justamente resgatar unidades em apuros.

As cooperativas de Jequié e Paulo Afonso, na Bahia, também estão com ordens para transferir seus clientes, e as de Manaus e Belém estão sob intervenção. Em Manaus, cada médico cooperado contribuiu em 2014 com 24 000 reais para cobrir déficits. As oito cooperativas sob intervenção da ANS têm 2,5 milhões de clientes, 12% do total da Unimed.

Nem sempre as intervenções resultam em fechamento das cooperativas e, na maior parte dos casos, como no Rio, o atendimento não chega a ser afetado. Mas, como o exemplo da Unimed Paulistana atesta, nada garante que a situação se mantenha desse jeito. É verdade que os resultados estão ruins para a maior parte das operadoras de planos de saúde do país.

Os custos com saúde têm crescido 15% ao ano no Brasil, o que derrubou os resultados. A maior delas, a Amil, teve prejuízo de 259 milhões de reais no ano passado. Mas a complexa estrutura da Unimed contribui para agravar a situação. Os presidentes são eleitos pelos médicos cooperados e brigas políticas entre os grupos que disputam o poder são comuns, como ocorreu em São Paulo.

Um conflito de interesses entre o médico e a cooperativa também contribui para que as margens sejam menores do que na concorrência. A Bradesco Saúde e a Sul América lucraram no ano passado cerca de 6% da receita, ante 4% da Central Nacional Unimed. Para o médico, quanto mais complexos os atendimentos, melhor. Para a cooperativa, quanto maior a simplicidade, maior o lucro. 

Em São Paulo, essa combinação fez com que a Unimed implodisse em setembro. Custos altos demais levaram a operadora à lona. Naturalmente, começou ali a busca por culpados. EXAME apurou que o antigo presidente, Paulo Leme, que ocupava o cargo até o ano passado, e o atual, Marcelo Nunes, acusam-se de malversação de recursos.

Leme havia contratado como executivo Augusto Cruz, ex-presidente da varejista Pão de Açúcar. Executivos próximos a Leme dizem que, na gestão dele, as despesas caíram de mais de 100% para algo próximo a 85% do total arrecadado em 2013. “Antes dele, tinha clínica ortopédica que apresentava conta de 80 infiltrações em 40 pacientes”, conta um ex-diretor.

“Os controles foram abandonados pela gestão seguinte.” Em nota, a administração atual afirma que os índices de eficiência apresentados pela gestão anterior não eram reais. E devolve afirmando que enviou ao Ministério Público provas, obtidas em auditorias, de que a gestão anterior pagava caro demais a fornecedores. Os executivos da atual gestão e da anterior não deram entrevista.

Consenso difícil

Transformar uma empresa com essa estrutura num negócio viável exige consenso entre os milhares de cooperados. Eudes Aquino, presidente da Unimed Brasil — entidade que funciona como uma federação nacional das Unimeds —, começou em 2009 um projeto para racionalizar a estrutura administrativa.

Até agora, os avanços são pontuais e em cooperativas que já são lucrativas. Nas problemáticas, a coisa só muda quando a situação está insustentável. No Rio, Barros mudou a equipe de gestão em novembro de 2014, trazendo um vice-presidente da Amil, Alfredo Cardoso, para controlar os gastos. A equipe cortou oito das 12 superintendências e demitiu 2 000 funcionários.

A maior fiscalização reduziu o total de despesas médicas de mais de 100% da receita, no ano passado, para 83%, neste ano. A medida mais importante, entretanto, foi recorrer à Justiça para liberar parte dos 350 milhões de reais em reservas técnicas que ficam depositadas em bancos (e são usadas para pagar dívidas em caso de quebra da operadora).

Foi com esse dinheiro que a Unimed Rio pagou fornecedores, como os hospitais da Rede D’Or e o laboratório Dasa. A ação foi malvista pela ANS, que decretou uma intervenção para acompanhar de perto a recomposição do caixa da empresa.

Executivos próximos à companhia dizem que os números devem melhorar até o fim do ano, com as receitas de um novo hospital próprio na Barra da Tijuca, que custou 400 milhões de reais e foi financiado por dívida bancária (a Unimed Rio não pôde recorrer ao BNDES porque tem impostos em atraso).

O investimento no hospital e o atraso em sua construção pioraram a situação. Executivos próximos a Barros defendem a construção do hospital e os contratos com o Fluminense. “Quando o patrocínio começou, tínhamos 200 000 clientes e hoje temos 1,1 milhão”, diz um diretor. Barros e Aquino não deram entrevista.

Há bons exemplos em que se inspirar. As Unimeds que têm bons resultados absorveram cooperativas regionais, simplificaram suas estruturas e ganham com a escala — elas têm no mínimo 700 000 clientes. Constroem consensos políticos entre os grupos de médicos e, principalmente, controlam custos por ter redes próprias de hospitais.

A mais avançada nesse modelo é a Unimed de Belo Horizonte, que tem 80% do mercado na região metropolitana, com 1,2 milhão de clientes. A cooperativa tem três hospitais e uma maternidade, além de 11 unidades de pronto-atendimento, e está construindo um hospital de 200 leitos em Betim.

“Mais da metade dos atendimentos de emergência e um quarto das internações são feitos na rede própria, o que diminui os custos”, diz o presidente da Unimed BH, Samuel Flam. Para reduzir fraudes e cobranças excessivas, a Unimed BH faz treinamentos para que os médicos se vejam mais como donos do negócio do que como prestadores de serviço.

No ano passado, a cooperativa lucrou 166 milhões de reais e distribuiu 11 000 reais a cada um dos 5 000 cooperados. É pouco, mas mostra uma saúde financeira rara no mundo Unimed. A Unimed BH tem exportado alguns de seus sistemas de gestão para outras unidades, como as de Vitória, Porto Alegre e Curitiba, que também são lucrativas.

As Unimeds de Campinas e Vitória têm centros próprios de tratamento para câncer e laboratórios. No Paraná e no Rio Grande do Sul, algumas cooperativas uniram-se numa central de compras única.

Uma medida que a Unimed BH e que outras grandes operadoras estão tentando adotar é estabelecer um preço fechado por tratamento — o que, em tese, incentiva os hospitais a encurtar o tempo das internações e, também, reduz os riscos. São medidas esperadas há algum tempo. Mas, se o ocaso da Unimed Paulistana provou alguma coisa, foi justamente que não há tempo a perder.

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