Revista Exame

Extrema, o paraíso tributário das empresas

Para a cidade mineira de Extrema, a atração de empresas de outros estados com benefícios fiscais virou uma bênção. Para o país, é só mais um capítulo do nosso manicômio tributário

Entrada com privilégio: em portos como o de Navegantes, em Santa Catarina, produtos importados são favorecidos com imposto reduzido (Ildefonso Filho/EXAME.com)

Entrada com privilégio: em portos como o de Navegantes, em Santa Catarina, produtos importados são favorecidos com imposto reduzido (Ildefonso Filho/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 31 de julho de 2012 às 21h04.

Extrema - As montanhas da Serra da Mantiqueira e suas cachoeiras não são o maior ativo de Extrema, uma pequena cidade do sul de Minas Gerais.

O maior trunfo do município com menos de 30 000 habitantes é sua localização, na divisa com o estado de São Paulo, ao longo da rodovia Fernão Dias.

A pouco mais de 100 quilômetros da capital paulista, a cidade mineira é um polo industrial. Empresas como Kopenhagen, Bauducco e Rexam têm fábricas ali.

Também há centros de distribuição de marcas como Fiat, Centauro e Johnson&Johnson. Nos próximos doze meses, outras dez fábricas e centros logísticos deverão ser implantados.

Extrema já abriga 104 empresas de grande e médio porte, o que faz da cidade a segunda mais industrializada de Minas Gerais, depois de Betim.

Boa parte delas chegou atraída pela concessão de benefícios e incentivos fiscais esta­duais e municipais. Na esfera estadual, o principal estímulo é a redução do imposto sobre circulação de mercadorias e serviços.

Já o município oferece isenção de tributos locais por cinco anos, prorrogáveis por mais cinco, e em alguns casos a doação de terrenos. “Não é qualquer empresa que queremos. Hoje escolhemos a dedo”, afirma o prefeito Luiz Carlos Bergamin.

A última grande empresa a aportar em Extrema foi a Panasonic, que deve investir 200 milhões de reais na construção de sua primeira fábrica de geladeiras e máquinas de lavar no país.

O afluxo de empresas levou desenvolvimento e riqueza — o PIB per capita de Extrema é 47 367 reais, o triplo do registrado na capital, Belo Horizonte.


O contexto que beneficia Extrema — e outras cidades do país, em diversos estados — tem um pano de fundo perverso. Trata-se da pesadíssima carga tributária que sufoca a economia do país. Oferecer brechas às empresas para aliviar um pouco esse fardo virou uma arma nas mãos dos governos estaduais e municipais.

A lógica dos governantes é: abrir mão de arrecadação para trazer empregos e renda a seus territórios. Estima-se que cerca de 38 bilhões de reais deixaram de ser arrecadados em ICMS em 2010 em razão dos benefícios fiscais.

Dado o apetite voraz do Estado brasileiro — o total arrecadado no país apenas com esse imposto foi 271 bilhões de reais —, o corte de imposto não é má notícia.

Também é legítimo que prefeitos e governadores briguem pelo desenvolvimento de suas regiões. Porém, no conjunto, a guerra fiscal é mais um capítulo da sandice que virou a estrutura tributária brasileira.

“O dinheiro do contribuinte brasileiro está sendo desviado para uma empresa ter mais vantagem sobre o seu concorrente”, diz o economista Paulo Rabello de Castro. “Isso não gera um benefício amplo e cria distorções.”

Do ponto de vista estrito da lógica econômica, é difícil justificar por que Sobral, no interior do Ceará, se tornou um centro produtor de calçados ou por que o estado de Goiás atraiu três montadoras de automóveis — Mitsubishi, Hyundai e Suzuki.

Em ambos os casos, nem mercado consumidor, nem um parque de fornecedores de peças existiam previamente nas cidades escolhidas. Um dos maiores desafios ao bom-senso é o passeio de mercadorias.

Em vez de ser levadas ao mercado pelo caminho mais curto e direto possível, as cargas fazem rotas em triângulo: saem da fábrica e se dirigem não para a loja, mas para um armazém que fica em um paraíso fiscal.

Há ainda situações mais absurdas e criminosas. Numa delas, a mercadoria nem vai para o armazém — apenas sua nota fiscal atravessa uma divisa interestadual para ganhar uma vantagem.


Num sistema distorcido, há os que ganham e os que perdem. Extrema, obviamente, está do lado dos poucos vencedores. Nos últimos 20 anos, a cidade mudou o perfil econômico. No passado, vivia da agricultura e da pecuária. Agora, no lugar das antigas fazendas emergem empreendimentos industriais.

A nova fase repercutiu nos números locais. De 1999 a 2008, o PIB de Extrema cresceu 336% em termos nominais, enquanto o do Brasil avançou 99%. Foi durante essa década de ouro que nomes de peso como Bauducco, Fiat e Johnson&Johnson chegaram à cidade. Extrema começa até a enfrentar problemas de metrópoles.

A escassez de moradia fez o preço dos imóveis disparar. Apartamentos que eram vendidos por 80 000 reais em 2008 agora saem por 250 000. O mesmo efeito inflacionário ocorre no mercado de trabalho.

“Quase todos os dias alguém pede demissão. Afinal, é tanta oferta na cidade que é muito difícil segurar os funcionários”, diz Celso de Almeida, um dos donos do Tetra Supermercado.

A solução é buscar gente nas cidades vizinhas. Metade dos 800 funcionários da Kopenhagen vem de municípios como Itapeva e Cambuí. De Bragança, que fica no estado de São Paulo, dez ônibus levam mão de obra diariamente para Extrema.

De outro lado, a ida de empresas para locais como Extrema incomoda. Depois que a Panasonic fechou um acordo com Minas Gerais, o governo de São Paulo reagiu. “Tivemos de dar benefícios semelhantes às concorrentes Whirlpool e Electrolux, que estão em São Paulo”, diz Andrea Calabi, secretário paulista da Fazenda.

Ele estima que São Paulo perca 1,5 bilhão de reais por ano com a guerra. Naturalmente, ninguém admite que usa mecanismos tributários agressivamente. “Minas não promove a guerra fiscal. O estado apenas se defende”, afirma Pedro Meneguetti, secretário-adjunto da Fazenda de Minas Gerais, que tem colecionado vitórias.

A Kopenhagen trocou Barueri, na região metropolitana de São Paulo, pela cidade mineira em 2010. Levou para lá um investimento de mais de 100 milhões de reais — e recebeu do estado de Minas um alívio de 75% no ICMS devido durante dez anos.

Toda a produção da John­son&Johnson, feita na fábrica de São José dos Campos, no interior paulista, é transferida para o centro de distribuição de Extrema, onde os pedidos são faturados.


Esse passeio de 140 quilômetros se justifica porque a alíquota do ICMS em Minas é menor do que a de São Paulo. Depois de passar por Extrema, como por mágica, os produtos saem mais competitivos.

Proposta de corte

Os lances mais recentes da guerra fiscal mostram que ela se torna cada vez mais danosa. Nos últimos cinco anos, 18 estados ampliaram os programas de devolução de imposto sobre produtos importados.

Em Santa Catarina, mercadorias da China são despachadas para outros estados com crédito de 12% de ICMS a receber — embora recolham apenas 3% ao Fisco catarinense.

A diferença se transforma em desconto no produto importado, roubando competitividade do similar nacional. Ou seja, ao contrário da guerra fiscal tradicional, que desloca empregos de um estado para outro, a batalha fiscal do ICMS na importação transfere empregos do Brasil para o exterior.

Estima-se que cerca de 14 bilhões de dólares em mercadorias importadas — 10% do total que o país comprou do exterior — tenham entrado em 2010 com benefício. 

A guerra, no entanto, pode estar perto do esgotamento. Em junho, o Supremo Tribunal Federal julgou inconstitucionais benefícios de alguns estados. O recado do STF: não será mais tolerada a escalada de benefícios e incentivos.

A mensagem parece ter sido captada na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária, que reuniu os secretários estaduais em julho. O Ministério da Fazenda apresentou a proposta de unificação do ICMS interestadual para 4%.

Com a alíquota única, a maior arma da guerra fiscal — a diferença entre os estados — desaparece. Pode ser o começo de uma trégua na insanidade do sistema de tributos do país.

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