Revista Exame

Exportando em águas revoltas

Turbulências geopolítica e climática nos canais de Suez e do Panamá pressionam o preço do frete marítimo global e exigem atenção redobrada do agronegócio

Porto de Paranaguá, Paraná: aumenta a procura por exportações de soja, café e açúcar pelo Terminal de Contêineres de Paranaguá (Paulo Fridman/Corbis/Getty Images)

Porto de Paranaguá, Paraná: aumenta a procura por exportações de soja, café e açúcar pelo Terminal de Contêineres de Paranaguá (Paulo Fridman/Corbis/Getty Images)

Mariana Grilli
Mariana Grilli

Repórter de Agro

Publicado em 23 de fevereiro de 2024 às 06h00.

A turbulência nas rotas marítimas de exportação acendeu um alerta sobre o preço do frete e a disponibilidade de navios para o comércio internacional. Os ataques bélicos na região do Mar Vermelho e do Canal de Suez, que desviaram o tráfego para o Cabo da Boa Esperança, ao sul da África, a seca no Canal do Panamá e o descompasso das safras de Brasil e Estados Unidos pressionam os preços de fretes globais — que já aumentaram mais de 150% neste ano. Para o agronegócio, começa uma corrida para se antecipar ao custo dos embarques, seja em navios de contêiner, seja em graneleiros. Enquanto o primeiro meio de transporte é mais impactado pelas restrições de navegação no Mar Vermelho, a embarcação a granel está mais disputada por causa da simultaneidade da soja. Nesse caso, o que acontece é que o mercado está se deparando com duas anormalidades ao mesmo tempo: atraso da safra brasileira e ritmo mais lento de escoamento dos grãos dos Estados Unidos. O fato de o país americano ter enfrentado problemas nos rios que transportam grãos via barcaças dentro do território resultou na postergação das exportações, o que levou à prorrogação dos embarques e coincidiu com o período das vendas brasileiras. “Com os Estados Unidos atrasando, haverá aumento no frete marítimo, porque vai ter a mesma quantidade de navios e todo mundo querendo ao mesmo tempo. Então, é uma tempestade perfeita”, diz Lucas Moreno, CEO da ElloX Digital, startup de logística internacional de carga investida pelo BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME). 

De acordo com uma pesquisa divulgada em fevereiro pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), o preço do frete marítimo subiu 153% em janeiro de 2024, na comparação com dezembro do ano passado. A CNA mostra que o preço médio por contêiner de 40 pés — com capacidade de 27 toneladas — fechou em 3.411 dólares no mês. Em dezembro de 2023, o custo era de 1.346 dólares, segundo o Índice Global de Transporte de Contêineres (FBX). Já o custo do transporte a granel é calculado a partir da capacidade do navio, que é de 60.000 toneladas — o equivalente a 2.222 contêineres —, e é de 30.000 dólares. Para decidir entre um e outro na hora de exportar, o preço é calculado por tonelada e considera outros custos, a exemplo do frete rodoviário e do tempo que a embarcação aguarda para operar no porto. Diante do cenário internacional, com possíveis atrasos na escala de operação, essa espera dos navios graneleiros para receber ou descarregar os grãos nos portos precisa entrar na conta. “Às vezes, o contêiner é um pouco mais caro, mas esses custos extras, quando você coloca na ponta do lápis, ficam menores”, afirma Moreno, da ElloX, que trabalha com grupos como Amaggi, Cofco e Louis Dreyfrus. Um exemplo é a contratação de contêineres para escoar soja, algo fora do comum, na medida em que o embarque geralmente é feito a granel. “Fazia tempo que não víamos soja e milho irem em contêiner. Ainda é um volume tímido, mas vemos isso acontecendo na região de Rondonópolis, em Mato Grosso”, afirma. A competição pelos navios porta-contêi­ner recai sobre outras cadeias, como a do algodão e a do café.

Sérgio Mendes, presidente da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), afirma que, até o momento, não recebeu notícias sobre impactos nas exportações de grãos brasileiros, que têm como principal destino países da Ásia. Ele esclarece que quem contrata os fretes são as exportadoras, mas o custo elevado recai sobre os produtores rurais. “A grande preocupação é o preço internacional baixo. Além da quebra de safra [no Brasil], houve necessidade de replantio de áreas e gastos anormais para manter um volume razoável de safra e cumprir os compromissos de exportação”, diz. Em fevereiro, os contratos da soja em grão com entrega em março fecharam com baixa de 1,22%, enquanto as entregas em maio caíram 1,27%. Segundo Mendes, no ajuste de contas com as exportadoras, “os produtores podem ficar numa situação pior, por isso precisam ser socorridos pelo governo”. Para João Henrique Castaldo, doutor em agronomia e agricultor no Paraná, é preciso ficar atento ao fator logístico, já que grande parte da soja tem como principal destino a China, país que está com estoques elevados, demanda mais enxuta e que vai diversificar a compra da commodity entre os diferentes países das Américas. “E a simultaneidade entre Brasil e Estados Unidos dificulta o acesso a navios e adiciona alguns empecilhos na finalização das negociações entre produtores e tradings”, explica. No atual calendário agrícola, a China deve importar 2,5 milhões de toneladas a menos em relação ao volume de 2022/2023, de 101 milhões de toneladas. Os estoques de farelo nos portos chineses estão altos, e a indústria esmagadora de soja está praticamente coberta até o meio de março, quando novas remessas devem começar a ser demandadas. Especialistas reforçam que o volume da commodity pode ser o mesmo do ano passado, ou seja, algo em torno de 75,6 milhões de toneladas de soja, segundo dados da Anec. 

A questão é que as exportações podem se manter positivas, mas a rentabilidade — por causa do preço da soja e do frete — pode ser menor. Roberto ­Georg Uebel, professor de Relações Internacionais da ESPM, afirma que “qualquer mudança no custo que compõe o frete é muito sensível”. Ele exemplifica: para quem exporta via Costa Leste dos Estados Unidos, o problema está no Canal do Panamá, onde o baixo nível das águas culminou na escolha de qual embarcação consegue ou não navegar, e isso afeta Estados Unidos, Canadá, México e, consequentemente, China e Japão. Os canais servem como pontes entre os principais portos do mundo, conectando oceanos e facilitando o transporte de cargas entre os continentes. Logo, o mercado internacional precisa se adaptar aos reflexos que isso gera na cadeia logística, inclusive no Brasil. “Temos [no país] portos bem espalhados para fazer escoamento, então não carecemos de novos portos. O problema é a dependência do frete internacional, sobre o qual há pouco controle. Estados Unidos e Europa também se veem nessa situação. É um problema de caráter global, mas a nossa moeda não é o dólar e tem todo esse reflexo cambial”, diz Uebel. 

Canal do Panamá: baixo nível das águas culminou na escolha de qual embarcação consegue ou não navegar pelo canal, afetando a Costa Leste dos Estados Unidos (Walter Hurtado/Bloomberg/Getty Images)

Além do contexto de conflitos globais e questões climáticas, como no Panamá, que impactam o fluxo do comércio mundial, os exportadores brasileiros continuam enfrentando gargalos logísticos internos, que geram ainda mais dificuldades para a realização do embarque de suas cargas. Não somente na soja. Um levantamento da ElloX Digital com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé) mostrou que o índice de alteração de escalas e atrasos de navios no Porto de Santos alcançou 85% em janeiro de 2024, o maior percentual registrado. No ano passado, houve atraso nas embarcações de café em contêineres em todos os 12 meses. “O cenário é que a cafeicultura brasileira se desenvolveu, tem volume, oferta, tem grandes embarcações, mas nosso problema está entre embarque e navegação”, afirma Márcio Ferreira, presidente do Cecafé. Segundo nota do Porto de Santos, o registro do café em 2023 foi de recuo de 14,9% em relação a 2022, e as alterações nas escalas de navios “são naturais e não significam atrasos”. A alegação divide opiniões, e Lucas Moreno, CEO da ElloX, afirma que o Porto de Santos colapsou. “Diante de qualquer pequeno impacto na logística global, cada vez mais conectada, a infraestrutura terrestre não tem capacidade ociosa para suportar tais impactos”, afirma. “Os terminais portuários possuem tecnologia e produtividade em movimentação, mas infelizmente não conseguem mais crescer sua capacidade estática.”

Na visão de Giovanni Guidolim, gerente de logística do Terminal de Contêineres de Paranaguá, alocado dentro do Porto de Paranaguá, no Paraná, é preciso acompanhar esses cenários para que portos e armadores consigam operar com o máximo de eficiência possível. No caso do TCP, as operações principais são voltadas para carnes congeladas, mas o açúcar vem chamando a atenção. “O açúcar não operava havia anos no contêiner em Paranaguá, e com todo esse cenário logístico foi uma das principais commodities operadas aqui. Então, quando acontece essa migração do graneleiro, isso muda o cenário do contêiner no Brasil, e é uma tendência para 2024”, diz. 

Os impactos da conjuntura geopolítica e climática influenciam, como uma cascata, o comércio global, seja na disponibilidade futura de contêineres, seja de navios graneleiros — e, em especial, no custo deles. Exportar em águas revoltas, portanto, é mais um ponto de atenção para o agronegócio.

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