Protesto Occupy Wall Street, em 2011: antes do colapso, excesso de euforia | Ramin Talaie/Corbis/Getty Images /
Da Redação
Publicado em 13 de setembro de 2018 às 05h54.
Última atualização em 13 de setembro de 2018 às 12h32.
A quebra do banco de investimento Lehman Brothers no domingo 14 de setembro de 2008 pegou quase todo mundo de surpresa. Surpreendeu investidores, que venderam ações e derrubaram em 500 pontos o principal índice da bolsa americana na segunda-feira. Surpreendeu legisladores, que correram para socorrer outras instituições financeiras após dizerem durante meses que não haveria resgates do governo. Também surpreendeu analistas econômicos. Apenas seis semanas antes da falência do Lehman, no início de agosto de 2008, tanto o Federal Reserve (banco central americano) quanto os analistas previam um crescimento continuado da economia dos Estados Unidos. Contrariamente a essa previsão, o sistema financeiro dos Estados Unidos quase derreteu após a falência do Lehman, e a economia mergulhou em uma recessão profunda. Isso aconteceu apesar dos extraordinários — e, no fim das contas, bem-sucedidos — esforços do governo para salvar o sistema financeiro após a quebra do banco.
Por que a crise do Lehman foi uma surpresa? Afinal, a fragilidade estava se intensificando no sistema financeiro havia algum tempo. Em meados da década de 2000, a economia dos Estados Unidos viveu uma imensa bolha imobiliária. À medida que os preços dos imóveis aumentavam, famílias se endividavam para comprar casas, fazendo hipotecas. Bancos e outras instituições financeiras se endividaram para manter hipotecas e títulos hipotecários. Depois de 2006, à medida que a bolha foi murchando, o sistema financeiro experimentou um estresse considerável, como visto nas corridas às instituições financeiras, seguidas por falências, resgates e fusões.
E, no entanto, o sistema e a economia se mantiveram de pé até o outono de 2008, apoiados pelas intervenções bem-sucedidas do Federal Reserve, cujo objetivo era evitar um quadro de pânico financeiro. Em meados de 2008, investidores e reguladores imaginavam que, apesar de a bolha imobiliária estar murchando, a situação estava sob controle. No dia 7 de maio de 2008, o secretário do Tesouro, Henry Paulson, afirmou que “é provável que o pior esteja para trás”. Em 9 de junho de 2008, o chairman do Fed, Ben Bernanke, declarou que “o perigo de que a economia tenha iniciado uma ‘crise substancial’ parece ter diminuído”.
A relativa calmaria antes da tempestade, expressa nas previsões econômicas tanto do setor público quanto do privado e nos discursos das autoridades do governo, nos dá pistas importantes sobre por que o Lehman foi uma surpresa tão grande. Certamente não foi a notícia da fraqueza financeira do Lehman por si só, uma vez que o banco de investimentos estava em dificuldades e esperava ser vendido vários meses antes de sua falência em setembro. Os bancos dos Estados Unidos, de maneira mais geral, estavam registrando grandes perdas havia muitos meses à medida que os mercados imobiliário e hipotecário deterioravam, e nenhuma grande notícia econômica veio à tona naquele fim de semana. Essa surpresa também não pode ser atribuída à reafirmação do governo de sua política de “não resgate”. Pois, se fosse essa a razão do colapso, os mercados teriam voltado ao normal assim que se tornou claro, na segunda-feira, que os resgates estavam de volta. De fato, os mercados oscilaram um pouco, mas continuaram a desabar enquanto o sistema financeiro deteriorava ao longo das semanas seguintes, apesar de todos os resgates.
A evidência sobre as crenças dos investidores e legisladores, em vez disso, nos diz que o que ficou claro com o declínio do Lehman foi a fragilidade extrema do sistema financeiro comparada ao que se imaginava anteriormente. Apesar de notícias consistentemente ruins ao longo de 2008, investidores e legisladores passaram a acreditar que tinham se desviado da bala de uma crise ampla. As pressões criadas pela queda dos preços de imóveis e pelo não pagamento de hipotecas foram atenuadas pela crença de que a exposição dos bancos era limitada e aliviada pelo eficiente apoio à liquidez do Fed. Os riscos de uma crise grave foram negligenciados. A falência do Lehman e a queima de ações que ela provocou mostraram aos investidores e legisladores que o sistema financeiro era mais vulnerável, frágil e interconectado do que eles pensavam. A falta de reconhecimento do risco de que poderia haver perdas extremamente grandes estava equivocada. A falência do Lehman Brothers teve um impacto tão grande porque engatilhou uma ampla correção de expectativas.
Dez anos depois do Lehman, economistas concordam que o fato de riscos crescentes no sistema financeiro terem sido subestimados foi uma causa importante da crise financeira. Em outubro de 2017, a Universidade de Chicago realizou um painel com os principais economistas dos Estados Unidos e da Europa sobre a contribuição de diferentes fatores para a Crise Financeira Mundial de 2008. O fator de contribuição número 1, na opinião dos entrevistados, foi o “sistema financeiro falho”, em termos de regulação e supervisão. Mas o fator número 2, entre os 12 que foram levados em consideração, foi a “subestimação de riscos” da engenharia financeira. Os especialistas parecem concordar que a fragilidade de um sistema financeiro altamente apoiado em dívidas e exposto a um risco imobiliário relevante não foi totalmente reconhecida no período que levou à crise.
Análises assim são feitas com o benefício da retrospectiva. O mundo, porém, tem uma história extensa de bolhas financeiras, crédito em expansão e crises subsequentes à medida que as bolhas murcham. Erros de convicções aparecem em diversas narrativas. Estudos clássicos, como os de Kindleberger (1978), Minsky (1977) e, mais recentemente, Reinhart e Rogoff (2009), defendem que a incapacidade dos investidores de avaliar riscos com exatidão é um traço comum de muitos desses episódios. Rajan (2006) e Taleb (2007) enfatizaram os perigos de riscos considerados pouco prováveis para a estabilidade financeira. Antes mesmo da quebra do Lehman, Gerardi e outros (2008) chamaram a atenção para os erros de expectativa na crise do subprime (hipotecas de alto risco) daquele período.
Desde a crise de 2008, uma grande quantidade de novas evidências a respeito dos ciclos de crédito, tanto nos Estados Unidos quanto no mundo, tem se desenvolvido, começando pelo trabalho pioneiro de Greenwood e Hanson (2013). Muitas apontam para a ocorrência de erros de expectativas ao longo do ciclo. Nós vamos além e colocamos as convicções imprecisas no centro da análise da fragilidade financeira.